A disputa pela Casa Branca ganhou contornos ainda mais dramáticos. Joe Biden não suportou a pressão do próprio Partido Democrata, renunciou à candidatura e endossou a vice-presidente, Kamala Harris. A guinada na campanha democrata e na corrida à Presidência dos EUA repercutiu em todo o mundo e deve impactar os mercados financeiros a partir de hoje. A Convenção Nacional Democrata começa em 19 de agosto. O partido tem a missão de encontrar um candidato antes do evento.
Entre os potenciais indicados (veja ao final da matéria), Gavin Newsom seguiu Biden e oficializou apoio a Kamala, que começou a articulação política ainda ontem. Cinco horas depois do anúncio da desistência, o Partido Democrata tinha arrecadado US$ 27,5 milhões em doações, e dezenas de delegados da convenção divulgaram carta avalizando Harris.
Aos 81 anos, o presidente dos EUA resistiu por 24 dias às críticas e às desconfianças, depois do desempenho pífio no debate com o republicano Donald Trump. Por volta das 13h50 (14h50 em Brasília), Biden publicou uma carta, em seu perfil na rede social X, na qual anunciava o abandono dos planos de um novo mandato, em 5 de novembro. "Embora minha intenção tenha sido buscar a reeleição, acredito que é do melhor interesse do meu partido e do país que eu me retire e me concentre exclusivamente em cumprir meus deveres como presidente pelo restante do meu mandato", escreveu.
"Hoje, quero oferecer todo o meu apoio e endosso para que Kamala seja a indicada do nosso partido este ano. Democratas — é hora de nos unirmos para derrotar Trump", acrescentou, em outra mensagem, redigida em Rehoboth Beach, onde se recupera da covid-19. A reação de Trump não tardou. O magnata afirmou em sua rede social Truth Social que Biden foi "o pior presidente da história do país", e sua equipe garantiu que será mais fácil derrotar a vice-presidente.
"Estou honrada em ter o endosso do presidente e minha intenção é ganhar e vencer esta nomeação... Farei tudo ao meu alcance para unir o Partido Democrata — e unir nossa nação — para derrotar Donald Trump", prometeu Kamala, 59 anos, por meio de um comunicado. Ela elogiou o gesto "altruísta e patriótico" de Biden e sublinhou que o presidente coloca o povo americano e os EUA acima de tudo. Nos bastidores, a vice começou a trabalhar em prol de sua nomeação. De acordo com a emissora CNN, ela tem uma lista com 200 telefones de lideranças democratas com as quais espera contar com o aval.
Quase que imediatamente, a filha de imigrantes da Jamaica e da Índia recebeu o apoio estratégico do ex-presidente Bill Clinton e da esposa, Hillary. "Faremos de tudo para apoiá-la. Nada nos preocupa mais em nosso país do que a ameaça que representa um segundo mandato de Trump. Ele prometeu ser um ditador", alertaram. O também ex-presidente Barack Obama disse que Biden entra para a história como "um patriota do mais alto nível" e advertiu que os EUA "navegarão em águas desconhecidas nos próximos dias". No entanto, não declarou apoio tácito a Kamala.
Obama assegurou ter "extraordinária confiança" de que os líderes democratas serão capazes que criar um processo do qual surja "um candidato notável". "Joe entende melhor do que ninguém o que está em jogo — como tudo pelo que ele lutou ao longo de sua vida, e tudo o que o Partido Democrata representa, estará em risco se permitirmos que Donald Trump volte à Casa Branca e se dermos aos republicanos o controle do Congresso."
Professor de ciência política da Universidade de Iowa, Timothy Hagle admitiu ao Correio que, apesar da pressão à qual Biden estava submetido, causou um pouco de surpresa a sua decisão de se retirar da campanha. "O principal ponto foi a percepção de que ele não seria capaz de derrotar Trump, especialmente com o apoio entre os democratas minguando. Ao abandonar a disputa, Biden muda a dinâmica de campanha para ambos os partidos. É claro que afeta os democratas, pois terão que encontrar outro candidato, e o tempo é curto antes da convenção nacional."
De acordo com Hagle, os republicanos esperavam concorrer contra um Biden enfraquecido. "Sem ele, terão que esperar a escolha de outra pessoa, pelos democratas, para concentrarem atenção na campanha. Se a escolha for Kamala Harris, os republicanos terão uma vida um pouco mais fácil, pois se centrarão em criticá-la. Se a opção dos democratas for outra, o partido de Trump precisará de tempo para se preparar", acrescentou.
Hagle adverte que o apoio de Biden não implica a consolidação em torno do nome de Kamala. "Ela será provavelmente, uma candidata fraca, pois não provou seu valor ao concorrer à Presidência dos EUA e desistiu antes do caucus de Iowa. Também não tem se destacado enquanto vice. Kamala é mais liberal do que Biden; então, será um alvo fácil."
Eric Heberlig, cientista político da Universidade da Carolina do Norte, crê que Kamala "quase certamente" será a escolhida. "Oficialmente, os delegados da Convenção Nacional Democrata, em agosto, terão que votar para indicá-la. No entanto, líderes do partido, como Bill Clinton, a endossaram", disse à reportagem. Para o estudioso, não existe tempo para que outros candidatos organizem uma campanha presidencial. "Além disso, alguns dos nomes mais prováveis, como os governadores Gavin Newsom (Califórnia) e Gretchen Whitmer (Michigan), têm afirmado que não disputarão contra ela. Por isso, é mais plausível que Kamala seja a candidata natural."
"Uma das principais dúvidas sobre Biden era em relação à sua idade e habilidade mental. A retirada de Biden remove essa preocupação. A vice-presidente Kamala Harris ainda terá que defender o histórico do governo, mas não sofrerá preocupações sobre a sua capacidade de suportar os rigores do cargo durante quatro anos. Da mesma forma, se ela conseguir defender as políticas da Casa Branca e denunciar as fraquezas de Trump de forma mais eficaz do que Biden, isso daria aos democratas uma melhor oportunidade de persuadir os eleitores."
Eric Heberlig, professor de ciência política da Universidade da Carolina do Norte
"Kamala Harris é a candidata favorita para a disputa. A não indicação dela provocará enorme crise no Partido Democrata, principalmente entre os afroamericanos. Acredito que Gretchen Whitmore, governadora do Michigan, será a vice dela. Seria interessante ver duas mulheres contra dois homens, em um momento no qual o tema do aborto é crucial. A disputa está aberta. Há uma nova oportunidade de os democratas derrotarem Trump."
James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island)
Kamala Harris, 59 anos
A vice-presidente Kamala Harris, que sucederia Joe Biden em caso de morte ou incapacidade, está muito bem posicionada para ser a escolhida dos democratas. Filha de pai jamaicano e mãe indiana, foi a primeira mulher e a primeira pessoa negra a se tornar procuradora-geral da Califórnia e, mais tarde, a primeira senadora com família de origem sul-asiática. Como procuradora, ela construiu uma reputação de severidade, que poderia ser lucrativa em uma campanha, principalmente em que questões relacionadas à criminalidade. O obstáculo para a escolha de seu nome são os índices de popularidade anêmicos, o que pode levar os democratas a escolherem outro candidato.
Gavin Newsom, 56 anos
O nome do governador da Califórnia, Gavin Newsom, também é bastante citado entre os democratas. Ex-prefeito de São Francosco, ele lidera há cinco anos o estado mais populoso do país, a Califórnia, que transformou em um santuário para o direito ao aborto. Ninguém duvida de suas ambições presidenciais. Nos últimos meses, o governador viajou extensivamente ao exterior, publicou anúncios desenfreados que elogiavam sua carreira e investiu milhões de dólares em um comitê de ação política.
Gretchen Whitmer, 52 anos
Outra possível candidata é a governadora do Michighan, Gretchen Whitmer. Ela arrasta, consigo, três eleitorados que os democratas tentam capturar: operários, afroamericanos e árabes. Opositora ferrenha de Donald Trump, Whitmer é conhecida por ter sido alvo de um plano de sequestro por uma milícia de extrema-direita. O fato de Michigan ser um dos estados-chave mais disputados nas eleições presidenciais de novembro é um forte argumento para a sua escolha.
Josh Shapiro, 51 anos
O governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, está à frente do maior "swing state", ou "estado pêndulo" — aquele que pode inclinar-se para um partido ou outro dependendo dos candidatos e de outros fatores. Esses estados desempenharão um papel decisivo nas eleições de novembro. Antes de assumir o cargo em 2022, derrotando um rival da direita radical apoiado por Donald Trump, este orador centrista foi eleito duas vezes procurador-geral da Pensilvânia.
Outros nomes
Também circulam os nomes dos governadores de Illinois, J.B. Pritzker; Maryland, Wes Moore; e Andy Beshear, do Kentucky, mas suas chances parecem mais limitadas. Também foram incluídos os da senadora Amy Klobuchar e do secretário de Transportes, Pete Buttigieg, ambos ex-candidatos presidenciais em 2020.
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