Ex-deputado da Assembleia Nacional, o engenheiro Juan Guaidó, 40 anos, se proclamou presidente da Venezuela entre 2019 e 2023. Hoje, vive exilado em Miami. Fundador do partido Voluntad Popular e ex-prefeito de Chacao, o economista Leopoldo López, 53, passou meia década detido na penitenciária de Ramo Verde, perto de Caracas. Em 2020, depois de se refugiar na Embaixada da Espanha, em Caracas, fugiu para Madri, onde mora com a família. Ex-prefeito de Caracas, o advogado Antonio Ledezma, 69, foi capturado de pijama em casa, no meio da madrugada, por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin). Em 2017, escapou para a Colômbia e, depois, se exilou na Espanha.
Se a oposição tem boas chances de vencer as históricas eleições deste domingo e passar a governar a Venezuela, com o ex-diplomata Edmundo González Urrutia, 74, apoiado pela ex-deputada María Corina Machado, isso se deve, em grande parte, aos três políticos, que desafiaram o regime de Nicolás Maduro, atraíram os holofotes da mídia internacional para as violações dos direitos humanos cometidas pelo Palácio de Miraflores e buscaram apoio de governos. Em entrevista ao Correio, Guaidó, López e Ledezma falaram sobre as expectativas em relação às eleições de deste domingo (28/7).
A votação deve ocorrer sob tensão. Maduro ameaçou um banho de sangue e uma guerra civil, em caso de derrota. Na sexta-feira (26/7), a Venezuela fechou as fronteiras com a Colômbia e o Brasil. No mesmo dia, o avião com uma comitiva internacional convidada pela oposição — incluindo os ex-presidentes Vicente Fox (México), Jorge Quiroga (Bolívia) e senadores chilenos — foi impedida de aterrissar na Venezuela.
Neste sábado (27), o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, advertiu que somente o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) é o único organismo dotado de legitimidade para anunciar os resultados das eleições, "na hora que quiser". O presidente, por sua vez, se reuniu com embaixadores, na sede do Ministério das Relações Exteriores.
"Nicolás Maduro não entregará o poder facilmente"
"Na Venezuela, já existe um banho de sangue provocado pela ditadura de Maduro. Não somente dos torturados, dos perseguidos, dos assassinados políticos. Maduro está no Tribunal Penal Internacional, consequência da guerra da ditadura contra os seus cidadãos. As ameaças sobre uma guerra civil visam semear o medo. Vamos enfrentá-las, conseguir uma transição democrática e fazer justiça. A candidatura de Edmundo González Urrutia significa democracia, liberdade, felicidade, tranquilidade, progresso e prosperidade.
É evidente que Maduro não entregará o poder facilmente, pois é um ditador. Se existissem coisas fáceis na Venezuela, tudo seguiria a Constituição, com o exercício do voto pela maioria. A transição pacífica é um desafio no marco da nossa Constituição. O respeito à Constituição garante conquistas políticas e sociais. Apesar de Lula ser aliado ideológico de Maduro, ele tem que entender que precisa apoiar regras democráticas.
O novo governo terá os desafios gigantes de estabilizar o país, imerso numa emergência humanitária complexa; e de lidar com a segurança pessoal e jurídica. Garantir serviços básicos, como o acesso aalimentos e remédios. Será preciso construir o progresso, e isso passa pela segurança jurídica. O mais importante é responder à crise humanitária. Enfrentamos uma ditadura com ligações com o narcotráfico, o crime organizado, o terrorismo. A estabilização do país vai gerar confiança da comunidade internacional, atrair investimentos e criar empregos.
Hoje, 8 milhões de venezuelanos estão no exílio, por causa da perseguição política e da falta de oportunidades. É claro que desejamos regressar à Venezuela para ajudar o nosso país. Mas que seja por nossa decisão. Saímos forçados. Com uma Venezuela democrática e livre, poderemos decidir. Isso tem a ver com liberdade e com a democracia. Escolher, livremente, sem medo de represálias. Voltarei com uma perspectiva de vida, de estabilidade e melhor relacionamento com a comunidade internacional. A Venezuela poderá se tornar um exemplo de democracia e de luta pela democracia."
"Existe zero probabilidade de o regime ganhar hoje"
"As ameaças de Maduro de cometerum banho de sangue são uma amostra de debilidade, uma demonstração de que ele está perdido e precisa apelar ao medo, infundir terror e impedir que o povo sinta esperança. Creio ser uma estratégia malsucedida, que gerou mais mobilização e uma atitude mais desafiadora da população.Para domingo (28/7), há uma certeza seguida de incerteza. A certeza é de que Edmundo González vencerá a eleição. Não temos absolutamente nenhuma dúvida disso.
Há zero probabilidade de que Maduro vença a eleição. As pesquisas mostram uma vantagem gigantesca para Edmundo González, nosso candidato, e Maduro. São entre 30 e 40 pontos percentuais de diferença. A incerteza está no que Maduro fará a respeito desses resultados; se os aceitará e iniciará uma transição rumo à democracia, uma transição estável e com garantias. Outro cenário envolve a pretensão de Maduro de impor uma fraude. Isso apenas atrasará um cenário inevitável: a mudança.
Não há clareza sobre as ações de Maduro ao tomar conhecimento dos resultados. Ele ameaçou com um banho de sangue e uma guerra civil. Mas esses atos seriam muito difíceis de serem ocultados. A transição ocorrerá em dois tempos: a primeira etapa, entre 29 de julho e 10 de janeiro, quando haverá a posse presidencial; a partir de então, teremos um novo governo. Na minha opinião, a prioridade de Edmundo terá que ser construir a transição, a estrutura e os acordos, a fim de termos um processo estável e com garantias e que atenda à prioridade de todos os venezuelanos: o aumento do poder aquisitivo.
Com a vitória, de Edmundo González, com certeza, tenho a intenção de regressar à Venezuela. Não sou o único. Somos 8 milhões de venezuelanos que estão acompanhando as eleições fora da Venezuela, pois não podemos estar em nosso país. Buscamos saber apenas quando e como regressar. Com certeza, estamos com muita esperança."
"O grande desafio será uma transição sem traumas"
"Eu me sinto muito bem representado pelo que disse publicamente o presidente Lula. As ameaças de Maduro sobre um banho de sangue e uma guerra civil são reflexos da loucura de alguém desesperado, que não tem mais a mínima responsabilidade como chefe de Estado. Resta a Maduro escutar a recomendação do presidente Lula de que os presidentes que perderem as eleições precisam deixar o poder com um banho de votos, não com um banho de sangue.
Para distrair ou manter o pouco de respaldo que tem, Maduro apela à fanfarronice e aos discursos delirantes, ao dizer que não entregará o poder. Como disseram seus companheiros do Fórum de São Paulo — como Lula, Gustavo Petro (Colômbia) e Alberto Fernández (Argentina) — o que resta a Maduro é entregar o poder e se preparar, com o seu partido, para começar a fazer oposição.
O grande desafio será uma transição pacífica, sem traumas, sem maiores conflitos. O povo da Venezuela tem sofrido muito. Há tarefas que se cruzam e têm o mesmo nível de importância: tirar o povo da miséria, e resolver a tragédia financeira e econômica do país. Isso implica em renegociar a dívida externa, buscar dinheiro em organismos internacionais para financiar a reconstrução nacional, reviver o aparato produtivo, criar empregos, recuperar a infraestrutura (rodovias, escolas, hospitais), desenvolver um grande plano de reconciliação nacional, reativar fontes de renda-chaves (como a indústria petroleira). Essas tarefas começarão a ser cumpridas nos primeiros 100 dias.
Tenho muita confiança de que a vontade soberana do povo se imporá. Maduro terá que se resignar e aceitar a derrota. Estou de malas prontas para retornar ao meu país. É meu direito e meu sonho. Quero me encontrar com a minha família, voltar a respirar o ar venezuelano e ser um a mais nesse exército disposto a contribuir com o processo de reconstrução nacional."
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