22 de Novembro de 2024

Por que eleição na Venezuela é a mais imprevisível em 11 anos


Poucas semanas depois da morte de Hugo Chávez, em 2013, a Venezuela teve uma eleição presidencial parelha, em que Nicolás Maduro — sucessor do falecido presidente — derrotou o opositor Henrique Capriles por poucos votos.

No domingo (28/7), 11 anos depois novamente a oposição se une em um pleito presidencial em que — apesar de obstáculos — poderá derrotar o chavismo. A oposição havia se retirado das eleições de 2018 por considerar que não teria condições justas de competir.

Pela primeira vez em um quarto de século, a oposição — na figura de Edmundo González Urrutia, da coalizão Plataforma Unitaria — aparece em ampla vantagem nas pesquisas.

"Esta é a eleição mais complexa que o chavismo enfrentou e a melhor já enfrentada pela oposição em termos de sua capacidade de ter um resultado favorável, principalmente devido ao alto nível de desejo por mudança e apoio ao candidato opositor", disse à BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC) Luis Vicente León, presidente da consultoria Datanálisis.

"Esse é o momento onde existe maior força de preferência à oposição de qualquer evento presidencial em 25 anos de revolução [bolivariana], ou seja, é a maior posição que a oposição teve e o risco mais alto que o governo enfrentou até agora."

Embora durante meses inúmeras sondagens independentes tenham dado uma vantagem de mais de 20 pontos a González Urrutia e indicado uma forte rejeição à reeleição de Maduro, desgastado pela longa crise do país, os analistas alertam que os resultados estão longe de ser garantidos.

Mas por quê?

Em primeiro lugar, por conta dos obstáculos que os opositores têm enfrentado.

Desde 2023. quando foi realizada a eleição primária para escolher o candidato presidencial da Plataforma Unitaria, a oposição vem acusando o governo de atuar nas eleições para obter vantagens junto ao eleitorado.

A principal reclamação é sobre a desqualificação da opositora María Corina Machado,

A principal denúncia é sobre a desqualificação política de María Corina Machado, que, apesar de ter vencido as primárias da oposição com uma votação esmagadora, não foi autorizada a registar a sua candidatura presidencial por causa de uma sanção administrativa da Controladoria-Geral da República.

Além de rejeitar que Machado tenha realmente cometido qualquer crime, a oposição lembrou que – segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos – a inabilitação de candidatos só deveria ser imposta após condenação judicial em processo penal e não por meio de procedimento administrativo.

A medida foi anunciada em junho de 2023 pelo então Controlador-Geral da República, Elvis Amoroso, que atualmente preside o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e foi deputado da Assembleia Nacional pelo governante Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

Diante da impossibilidade de se registar a candidatura de Machado e a substituta que ela escolheu — a professora universitária Corina Yoris —, a Plataforma Unitaria acabou decidindo por González Urrutia, um diplomata aposentado de 74 anos que até meses atrás era desconhecido da maioria dos cidadãos. Apesar disso, ele subiu rapidamente nas pesquisas.

A oposição acusou as forças de segurança e outras instituições do Estado de perseguições sistemáticas com o objetivo de dificultar a campanha eleitoral de Machado, González Urrutia e outros líderes.

Até agora neste ano e até 16 de julho, foram registadas na Venezuela 102 detenções de pessoas ligadas à oposição. Segundo a ONG Foro Penal, 77 ocorreram desde o início formal da campanha em julho.

Um dos presos é Milciades Ávila, chefe de segurança de Machado, que foi detido em 17 de julho e libertado no dia seguinte.

Muitos dos detidos são coordenadores de campanha da oposição em diferentes Estados do país, dirigentes ou simpatizantes dos partidos da Plataforma Unitaria.

Além disso, há seis colaboradores próximos de Machado abrigados na embaixada argentina em Caracas, de onde não puderam sair porque o governo venezuelano os acusa de estarem ligados a planos desestabilizadores.

A oposição também denunciou que outras instituições do Estado — como o órgão de arrecadação de impostos, Seniat — sancionaram hotéis e restaurantes que prestaram serviços a equipes de campanha da oposição.

O governo Maduro garante que estas decisões respeitam a lei e nega que sejam represálias políticas.

No campo eleitoral, a oposição denunciou que a CNE impôs um calendário muito apertado e um conjunto de restrições para impedir que os venezuelanos no exterior possam votar.

Isso não é apenas um detalhe. Dos mais de 7,7 milhões de venezuelanos fora do país, há apenas 69.189 inscritos para votar, segundo dados do Cadastro Preliminar Eleitoral citados pelo site especializado em eleições Votoscopio.

É um número minúsculo se considerarmos que existem entre 3,5 milhões e 5,5 milhões de venezuelanos em idade de votar no exterior, segundo vários especialistas.

Alguns destes venezuelanos, como os residentes nos Estados Unidos ou no Equador, não poderão votar porque os consulados nesses países estão fechados.

Outros, no entanto, não conseguiram registrar-se ou atualizar o seu registro nos consulados dos países onde residem por causa do calendário restrito imposto pela CNE ou porque a lei eleitoral aprovada no chavismo exige requisitos difíceis de cumprir pela diáspora recente, como a posse de uma autorização de residência ou de um passaporte venezuelano válido.

Esta limitação ao voto no exterior é vista como um mecanismo aplicado pelas autoridades para reduzir indiretamente os votos da oposição, que é historicamente favorecida de forma esmagadora pelos venezuelanos fora do país.

A oposição também reclamou que apenas dois dos partidos que integram a Plataforma Unitaria foram autorizados a indicar candidatos. Assim, o rosto de González Urrutia só aparecerá três vezes (incluindo o cartão da Mesa Redonda da Unidade Democrática, a aliança de oposição que precedeu a PU), enquanto o de Maduro está em 13 cartões.

Além disso, a oposição questionou que a CNE tenha retirado o convite à missão de observação eleitoral da União Europeia, medida que na sua opinião reduz a credibilidade e a transparência das eleições.

O ex-presidente da Argentina Alberto Fernández também disse que não compareceria mais como observador das eleições, depois que o governo venezuelano manifestou o desejo de que ele não viajasse ao país, depois de Fernández ter ecoado uma frase do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que disse que se Maduro fosse derrotado nas urnas, ele teria que aceitar sua derrota.

O Tribunal Superior Eleitoral do Brasil também cancelou o envio de uma missão de observação eleitoral depois que Maduro questionou a confiabilidade do sistema de votação brasileiro.

Este conjunto de restrições significa que as eleições presidenciais na Venezuela são classificadas por Luis Vicente León como “eleições semi-competitivas”.

“É uma eleição onde o governo tem vantagens em termos de controle institucional, recursos, comunicação e mobilização. Na Venezuela não se tem eleições transparentes e competitivas, o que se tem são eleições onde existem níveis de competitividade suficientes que fizeram a oposição decidir participar apesar das dificuldades”, diz.

O especialista compara o processo a uma partida de futebol, em que o governo já marcou alguns pontos a seu favor antes do início da partida, mas que a oposição decidiu mesmo assim jogar, porque acredita ter força suficiente para virar o jogo.

Esta vontade de participar “apesar das barreiras ou do campo distorcido” é juntamente por causa o desejo de mudança dos cidadãos, o que diferencia estas eleições de pleitos anteriores como o de 2018, em que a oposição não quis participar.

Jesús Seguías, consultor político e especialista em gestão de crises, concorda que as dificuldades que a oposição enfrenta agora são semelhantes às que existiram no passado.

“Neste momento, existem os mesmos obstáculos que nas eleições presidenciais de 2018 [em que a oposição se absteve] e nas eleições legislativas de 2015. Naquela ocasião, com uma autoridade eleitoral totalmente controlada pelo governo, eles desqualificaram vários partidos e candidatos, usaram os poderes do Estado e fizeram o impensável, e mesmo assim a oposição conquistou votos”, disse Seguías à BBC News Mundo.

“Os obstáculos sempre existiram”, acrescenta.

Durante o último quarto de século, o chavismo controlou praticamente todas as posições institucionais na Venezuela.

A grande exceção ocorreu com a vitória da oposição nas eleições legislativas de 2015. Mas logo depois, a Assembleia Nacional foi esvaziada do poder por decisões do Supremo Tribunal de Justiça, composto por juízes nomeados pelo partido no poder, e pela eleição de uma Assembleia Constituinte chavista.

De resto, os espaços controlados pela oposição limitaram-se a um punhado de províncias e a uma minoria de gabinetes de autarquias.

Nada disso se compara ao que está em jogo neste 28 de julho: o Poder Executivo em um país com vocação presidencial.

E no caso do partido no poder venezuelano, algo muito maior está em risco: a continuidade de um projeto político.

Isto foi promovido por Maduro, que apresentou esta quinta-feira a última atualização do chamado “Plano para a Pátria”, nome que Chávez deu ao seu programa de governo.

Apesar de ter vencido dezenas de eleições nestes 25 anos, o projeto chavista foi construído com base na rejeição à alternância política, como deixa claro um de seus lemas: “Eles não voltarão”.

No caso de Maduro e de outros altos funcionários do governo — como o Ministro da Defesa, Vladimir Padrino, ou Diosdado Cabello, primeiro vice-presidente do partido governante PSUV — deixar o poder tem um problema adicional: isso os deixaria expostos a uma série de conflitos internacionais, investigações e sanções.

Algumas destas sanções poderiam ser levantadas sem dificuldade, uma vez que foram impostas justamente para pressionar por um processo eleitoral competitivo na Venezuela.

Esta possibilidade de esquecimento, no entanto, não é tão clara no caso de investigações por supostas violações de direitos humanos, como a realizada pela Procuradoria do Tribunal Penal Internacional contra a Venezuela, embora neste caso nenhuma pessoa em particular que tenha sido identificada até agora.

Embora as sondagens coloquem a oposição em uma posição favorável, tanto León como Seguías alertam que os resultados no final dependerão da mobilização dos eleitores.

“A única coisa que interessa à oposição é que seus eleitores votem em massa, porque se não o fizerem, o governo vence automaticamente”, disse Seguías à BBC News Mundo.

O especialista considera que embora todo o sistema eleitoral venezuelano tenha muitas “perversões” (como as desqualificações ou a exclusão massiva de eleitores no exterior), o sistema de votação em si é confiável, uma vez que os votos são registrados tanto eletronicamente como manualmente.

“O mais importante para a oposição é que venham votar o maior número possível, acima dos 70%, que é o que deve acontecer no dia 28; e que haja representantes da oposição em cada assembleia de voto para garantir que os votos sejam contados corretamente”, salienta.

Os venezuelanos votam em uma máquina que emite um recibo em papel que é depositado em uma caixa, o que permite comparar os resultados produzidos pela máquina com a contagem dos votos em papel.

Luis Vicente León alerta que a oposição é favorita em termos de preferência nas sondagens, mas o governo tem maior capacidade para motivar os seus seguidores a votar.

“Na Venezuela cometemos um erro se não entendemos a capacidade de mobilização do governo, que é obviamente superior à da oposição, porque o governo tem recursos, máquina e capacidade de pressão e isso leva a algo que se chama mobilização induzida; enquanto a oposição tem uma mobilização espontânea e voluntarista que depende da vontade de voto do povo”, diz.

Assim, do seu ponto de vista, isto não deve ser visto como uma escolha entre as preferências de um e de outro, mas entre as preferências de um e a capacidade organizacional, de mobilização e de controle institucional do outro.

“Qual deles será mais forte? Veremos isso no dia das eleições. “Esses cenários estão abertos”, conclui.

Fonte: correiobraziliense

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