Um novo estudo apresentado na Conferência Internacional da Associação de Alzheimer (AAIC) 2024, nos Estados Unidos, sugere que substituir uma porção de carne vermelha processada por nozes, feijão ou tofu diariamente pode reduzir em 20% o risco de demência associado à proteína animal industrializada, como bacon e salames. A pesquisa, divulgada ontem, acompanhou mais de 130 mil pessoas ao longo de quatro décadas e se aprofundou na conhecida relação entre alimentação e saúde do cérebro.
O trabalho, conduzido por uma equipe da Escola de Saúde Pública Harvard T.H. Chan, e do Hospital Brigham and Women's, nos Estados Unidos, descobriu que quando a carne vermelha processada representa 1/4 da alimentação diária, o risco de demência é 14% maior em comparação a quando a ingestão é inferior a 1/10. Cada porção extra desse tipo de comida foi associada a um envelhecimento cognitivo adicional de 1,6 ano e de diminuição de 1,69 ano na memória verbal.
"Prevenção da doença de Alzheimer e outras formas de demência é um foco importante, e a Associação de Alzheimer sempre incentivou uma dieta mais saudável, incluindo alimentos menos processados, pois eles estão associados a um risco reduzido de declínio cognitivo", afirmou, em nota, Heather M. Snyder, vice-presidente de relações médicas e científicas da Alzheimer's Association. "Esse estudo grande e de longo prazo fornece um exemplo específico de como uma alimentação mais saudável pode ser benéfica", completou o médico.
O estudo analisou os participantes de dois ensaios anteriores, Nurses' Health e o Health Professionals Follow-Up Study, e os acompanhou por até 43 anos. Foram identificados 11.173 casos de demência. Durante o trabalho, os pesquisadores avaliaram as dietas dos participantes por meio de questionários sobre a frequência alimentar, que incluíam perguntas sobre o consumo de carnes processadas, como bacon e salsichas, e a ingestão de nozes e leguminosas, como feijão e tofu, tradicionalmente feito de soja.
Os resultados mostraram que substituir uma porção diária de carne processada por uma porção diária de nozes ou leguminosas está associado a uma redução de 20% no risco de desenvolver demência e a uma redução de 1,37 ano no envelhecimento cognitivo.
Yuhan Li, autora principal do estudo, explicou que as descobertas reforçam que a carne vermelha processada pode ser um fator de risco significativo para demência e pontuou que as diretrizes dietéticas deveriam recomendar a limitação desse consumo para promover a saúde cerebral.
Li também destacou que a carne processada está associada a um aumento no risco de câncer, doenças cardíacas e diabetes, possivelmente devido aos altos níveis de substâncias prejudiciais, como nitritos e sódio.
Segundo a nutróloga esportiva e Coordenadora do instituto BWS Primum, no Rio de Janeiro, Dinah Ribeiro, a carne vermelha processada além da grande quantidade de sódio, tem alto teor de gordura saturada, "o que contribui para o aumento do colesterol 'ruim' (LDL) e o risco de doenças cardíacas. Ademais, nitratos e nitritos são adicionados para conservar a cor e o sabor, mas podem formar compostos potencialmente cancerígenos durante o cozimento. A carne processada também é pobre em fibras, que são essenciais para a saúde digestiva e ajudam a controlar os níveis de colesterol e açúcar no sangue."
Conforme os autores do trabalho, uma dieta balanceada e com menos itens processados é essencial na proteção da saúde cognitiva. Eles sugerem que pequenas mudanças alimentares podem ter um impacto significativo na prevenção de demências.
Juliana de Sousa Batista Braga, neurologista do Hospital Anchieta, em Brasília, destaca que a estimativa é de que com o envelhecimento populacional, ocorram 140 milhões de casos de demência em 2050. "Cada vez mais os alimentos ultraprocessados têm sido relacionados à perda cognitiva. Eles são produzidos com o intuito de serem baratos, saborosos e práticos, entretanto, têm alta densidade calórica e baixo índice nutricional. É importante ressaltar que não existe uma única medida que, isoladamente, possa curar, prevenir ou tratar o Alzheimer e outras demências. O segredo é a combinação de medidas que, juntas, elevam o potencial de prevenção."
O estudo não encontrou associações significativas entre a ingestão de carne vermelha não processada, como bifes e filés, e o risco aumentado de demência. O presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) e membro da Obesity Society, dos Estados Unidos, Durval Ribas Filho, detalha que a melhor maneira de consumir esses alimentos é cozinhar ou grelhar, preferencialmente sem sal.
"É importante evitar principalmente a formação de crostas ao grelhar, pois em altas temperaturas são formadas substâncias chamadas aminas heterocíclicas, que são potencialmente cancerígenas."
Um outro estudo, conduzido pela Associação de Alzheimer, chamado U.S. Pointer, envolve um ensaio clínico de dois anos para avaliar se intervenções de estilo de vida, focadas em múltiplos fatores de risco, podem proteger a função cognitiva em adultos mais velhos com risco aumentado de declínio cognitivo. Mais de 2 mil voluntários estão envolvidos em cinco locais de estudo, e os resultados são esperados para 2025.
"A associação entre comidas processadas e maior risco de demência já é bem estabelecida e foi um dos temas do Congresso Mundial de Alzheimer, em 2022. A novidade desse estudo é que ele avaliou especificamente a carne vermelha processada, que engloba salame, mortadela, bacon, presunto, e provavelmente outros alimentos, que a gente sabe que, muitas vezes, tem alta quantidade, não só de sódio, mas de nitritos e outros conservantes. Então, uma das coisas que se especula, é que além do risco cardiovascular, essas substâncias têm um impacto negativo na cognição. Em contrapartida, temos a dieta do tipo mediterrânea, que apresenta maior aspecto de proteção. Ela não só limita muito a ingestão de açúcares e de alimentos ultraprocessados, como também estimula o consumo de vegetais, frutas, oleaginosas, azeite, nozes e outros tipos de sementes."
Raphael Ribeiro Spera, assistente do pronto-socorro de neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), membro do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento (GNCC) do HC-FMUSP e neurologista do Hospital Sírio-Libanês.
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