Sheikh Hasina, a primeira-ministra de Bangladesh, renunciou e fugiu do país após protestos que resultaram em mais de uma centena de mortes.
Relatos apontam que ela e sua irmã foram transportadas num helicóptero do exército para um local considerado seguro.
O paradeiro de Hasina ainda não está claro — acredita-se que esteja a caminho da Índia.
Grandes multidões de manifestantes invadiram a residência oficial de Hasina na capital, Dhaka, apesar do toque de recolher e do bloqueio à internet em voga no país.
Pelo menos 90 pessoas foram mortas no domingo (4/8) em confrontos entre a polícia e os manifestantes, o que fez o número de mortos subir para mais de 300 nas últimas semanas.
O derramamento de sangue é um dos piores que o país do sul da Ásia já viu desde a independência, em 1971.
O protesto estudantil começou em julho com apelos à abolição das cotas de empregos públicos, mas transformou-se em exigências para que Hasina renunciasse depois de quase duas décadas no poder.
Durante dezesseis anos, Hasina tirou Bangladesh do mapa da pobreza.
Alguns dizem que os grandes avanços pelos quais a nação passou se devem a ela. Outros, no entanto, defendem que isso aconteceu apesar do governo, que se tornou cada vez mais autocrático.
Conhecida por ser calma e firme, Hasina é filha do presidente fundador de Bangladesh e já superou muitas crises e atentados.
Durante o seu mandato, o governo sobreviveu a uma rebelião nas forças paramilitares fronteiriças do país, que resultou na morte de 57 oficiais do exército, a três controversas eleições gerais fortemente criticadas pela comunidade internacional, a alegações de violações dos direitos humanos e a protestos de rua.
No entanto, nas últimas semanas ela enfrentou o que pode ser considerado o desafio mais sério de toda a carreira política da primeira-ministra, à medida que os protestos estudantis passaram a dominar o país.
No domingo (4/8), o tribunal superior de Bangladesh eliminou a maior parte das cotas destinadas para cargos públicos.
Os protestos contra essas cotas (entenda mais a seguir) foram o fator que iniciou os confrontos violentos em todo o país.
Mais de 100 pessoas — a maioria jovens estudantes — foram mortas, muitas em decorrência da resposta violenta das forças de segurança do governo.
O pesquisador Mubashar Hasan, da Universidade de Oslo, na Noruega, que pesquisou extensivamente o autoritarismo na Ásia, acredita que este não é um processo que aconteceu em Bangladesh da noite para o dia.
Segundo ele, essa é "uma situação de panela de pressão prestes a estourar".
"Estamos falando de um país onde o Índice de Liberdade de Imprensa está abaixo da Rússia", disse Hasan à BBC Bangladesh.
"A excessiva politização do espírito da guerra de libertação por parte de Sheikh Hasina e do partido dela, a negação dos direitos básicos de voto aos cidadãos, ano após ano, e a natureza ditatorial do regime irritaram uma grande parte da sociedade."
"Infelizmente, Hasina nunca se tornou a primeira-ministra de todos no país. Em vez disso, continuou a ser a líder de apenas um grupo", diz o professor.
Hasan não está surpreso com os últimos acontecimentos em Bangladesh.
Como citado anteriormente, a agitação no país começou a partir da insatisfação de estudantes universitários que exigiam a abolição de um sistema de cotas, segundo o qual 30% dos empregos públicos eram reservados aos descendentes dos veteranos da guerra de libertação de 1971.
Os protestos aumentaram após o Tribunal Superior ter restabelecido o controverso sistema de cotas no mês passado.
Aos poucos, os atos ficaram mais violentos quando trabalhadores do partido do governo atacaram manifestantes.
No início do domingo (4/8), o Supremo Tribunal de Bangladesh anulou a controversa decisão do Tribunal Superior, que havia restabelecido o sistema de cotas.
A decisão do tribunal, no entanto, não foi suficiente.
Os estudantes querem agora justiça para dezenas das pessoas que morreram, o que significa que vários agentes da polícia e trabalhadores do partido no poder terão de enfrentar julgamentos.
Nahid Islam é uma figura-chave no movimento de protesto e falou exclusivamente à BBC após ser libertado.
Embora ele não seja o único líder do movimento, está entre os mais proeminentes.
"Ainda não foi decidido se continuaremos nosso movimento em meio a esta situação de toque de recolher", disse Islam.
Riva Ganguly Das, diplomata sênior aposentada da Índia com experiência em Bangladesh, diz que a situação no país é "confusa e intrigante, para dizer o mínimo".
A vizinha Índia, que do ponto de vista internacional é vista como a mais forte apoiadora do regime de Sheikh Hasina durante uma década e meia, observa a situação do outro lado da fronteira.
Na sexta-feira (2/8), o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia declarou que os protestos são "assunto interno daquele país".
O mesmo porta-voz admitiu mais tarde que o ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, monitora pessoalmente a situação, indicando que o país não pode permanecer distante dos desenvolvimentos alarmantes na vizinhança.
Analistas políticos acreditam que um passo em falso de Sheikh Hasina exacerbou a situação.
Durante uma conferência de imprensa realizada na semana passada, ela fez referência ao movimento de reforma de cotas, enquadrando o sistema como uma dicotomia entre forças a favor e contra a libertação do país.
Essa é uma narrativa que o partido da primeira-ministra utilizou para obter influência política na última década.
"Se os netos dos lutadores pela liberdade não recebem cotas, então os netos de Razakars [colaboradores paquistaneses] deveriam receber cotas? Essa é a minha pergunta", declarou ela.
Em poucas horas, estudantes universitários começaram a protestar contra o comentário da primeira-ministra.
A polícia e as forças de segurança de elite responderam com força. A ala estudantil do partido no poder também se juntou ao ataque, o que agravou ainda mais a situação.
Nas 72 horas seguintes, o país testemunhou confrontos violentos, um incêndio do edifício da televisão nacional, uma fuga de centenas de prisioneiros e mais de 100 mortes.
Todos esses acontecimentos culminaram com a queda da primeira-ministra Sheikh Hasina.
Os estudantes de Bangladesh, provenientes de instituições públicas e privadas, conseguiram abalar a mulher mais poderosa do país — algo que nunca havia acontecido nos últimos 15 anos.
Fonte: correiobraziliense
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