São Paulo — Passados quatro anos da pandemia da covid-19, que deixou um saldo de quase um milhão de mortos no país e paralisou a economia, alguns setores ainda não conseguiram recuperar o nível de atividade. É o caso do transporte urbano de passageiros, que, no ano passado, viu o número de usuários de ônibus municipais e intermunicipais cair 25,8% em 2023 em relação a 2019 (pré-pandemia).
“A pandemia acelerou a queda estrutural da demanda”, atesta a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), que não vê cenário de recuperação plena nos próximos anos. “Após o fim de todas as medidas adotadas para o enfrentamento da pandemia, e de seus respectivos impactos, é possível confirmar que a demanda do transporte público por ônibus não retornará ao nível alcançado em 2019. Aliás, a redução em relação ao ano de 2019 é de 25,8%. Portanto, nos últimos cinco anos, um em cada quatro passageiros deixou de utilizar o transporte coletivo por ônibus”, mostra anuário da NTU, divulgado nesta terça-feira (6/8).
Além da pandemia, outro fator passou a impactar os resultados das empresas de ônibus urbanos: a concorrência com o transporte por aplicativo (automóveis e motocicletas), que cresceu exponencialmente nos últimos anos e tirou muita gente do transporte público.
O reflexo da crise, que impacta os resultados das empresas e trava investimentos no setor, se reflete em alguns indicadores, como a idade média da frota de ônibus, que chegou a 6 anos e 5 meses, a maior da série histórica, que contempla os últimos 30 anos.
O outro reflexo é o aumento da dependência do serviço de transporte urbano dos subsídios estatais. No ano passado, 44% dos brasileiros usaram sistemas de transporte urbano com alguma parcela de subsídio. Atualmente, 365 cidades contam com algum nível de recursos orçamentários em suas políticas tarifárias, incluindo 135 municípios que adotaram a tarifa zero, com regime de subsídio total.
Segundo o anuário, o Brasil tem 2.703 municípios atendidos por serviços organizados de transporte público, com uma frota de mais de 107 mil ônibus. Do total, 135 municípios operam suas frotas de ônibus sem o pagamento de tarifas, sendo que 116 (85,9%) praticam a tarifa zero em todos os dias da semana e em todas as linhas de ônibus do município. Em 91 cidades (68,4%), a decisão de não cobrar pela passagem só foi adotada nos últimos quatro anos, após a pandemia.
“Hoje, os principais sistemas de transporte contam com aportes do poder público para manter seu funcionamento a um custo acessível para o passageiro, já que o antigo modelo de financiamento, baseado exclusivamente na tarifa, provou ser insuficiente para bancar toda a operação”, informa o anuário.
Os dados foram coletados em nove sistemas de transporte público por ônibus, que englobam capitais e regiões metropolitanas que, juntas, representam aproximadamente um terço da frota nacional e da quantidade de passageiros transportados no Brasil: Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador (com sistemas municipais); e Goiânia e Recife (municipais e intermunicipais metropolitanos).
O setor está reunido, nesta semana, em São Paulo, no seminário anual da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), para discutir os problemas e os desafios da mobilidade nas cidades, que entraram definitivamente na agenda dos candidatos às eleições municipais de outubro. Dois temas mobilizam os debates: a eletrificação dos ônibus e as políticas de subsídios, incluindo as experiências de algumas cidades com o modelo de tarifa zero.
A descarbonização é vista, pelos empresários e representantes do setor, como um processo inevitável para o transporte urbano por ônibus. A dúvida é sobre as tecnologias mais adequadas para um país tão diverso.
A NTU aponta quatro rotas que podem ser trilhadas pelos novos veículos. A mais proeminente é a dos motores 100% elétricos, que dominam a edição deste ano da Feira Lat.Bus Transpúblico 2024, que acontece paralelamente ao seminário e é considerada o maior evento da área de mobilidade da América Latina, reunindo fornecedores e novidades dos segmentos de ônibus urbano e rodoviário. Mas também há apostas em motores movidos a células de hidrogênio, a gás metano e a biocombustíveis.
“O ônibus elétrico é o ‘chafariz da praça’ dos candidatos a prefeito, diz o diretor executivo da NTU, Francisco Christovam. O problema é que os políticos prometem coletivos movidos à energia limpa, mas não têm projetos para implementar a infraestrutura necessária. “Comprar um ônibus a diesel é completamente diferente do que implantar uma rede de suporte aos veículos elétricos”, ressalva.
Para ele, o Brasil não ficará preso a uma ou outra tecnologia. “O que vai definir o melhor e mais adequado tipo de veículo é o projeto operacional, a infraestrutura de abastecimento, não vai haver a opção por uma única rota”, explica ele.
“A única palavra que temos é descarbonização”, complementa o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de veículos Automotores (Anfavea), Marcio Leite. “A forma para alcançá-la é uma escolha do fabricante, entendendo as demandas dos clientes (usuários do transporte coletivo).”
*O repórter viajou a convite da NTU
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