"Tun tun, quem é? Pessoas de paz!"
Até alguns anos atrás, esta era apenas a letra de uma canção de Natal popular na Venezuela.
Hoje, porém, tem outro significado.
"Aquele que abusa… Tun tun. Não seja um bebê chorão, você vai para Tocorón [uma prisão]", disse o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, na segunda-feira (5/8), em referência à "Operação Tun Tun", nome dado pelo partido no poder à dura resposta do Estado contra manifestantes e opositores que contestam os resultados das eleições de 28 de julho.
"É uma operação não formal que representa uma escalada na repressão na Venezuela", define Gonzalo Himiob, da ONG Foro Penal, que defende os direitos das pessoas detidas arbitrariamente.
A Venezuela vive um novo conflito político após as eleições presidenciais. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), composto por uma maioria próxima do partido no poder, proclamou Maduro vencedor com 51,2% dos votos, à frente do seu principal adversário, Edmundo González.
Mas o CNE ainda não apresentou as atas que respaldam estes resultados. O órgão justifica o atraso citando um suposto ataque de hackers ao sistema da instituição.
Já a oposição, liderada por González e María Corina Machado, anunciou que suas testemunhas conseguiram coletar 81,7% das atas eleitorais. Os dados, publicados em um site, mostram que González venceu as eleições presidenciais com 67% dos votos.
A vitória da oposição significaria a derrota do chavismo, que está no poder há 25 anos, sendo representado por Maduro desde 2013.
Vários países, liderados pelos Estados Unidos, consideram González o vencedor do pleito de acordo com as evidências, enquanto outros, incluindo Brasil, México e Colômbia, exigem transparência e que o CNE publique as atas.
Maduro levou agora a questão eleitoral para o Supremo Tribunal de Justiça (TSJ, na sigla em espanhol), que é próximo à ala governista. A oposição não reconhece o tribunal como um órgão independente para deliberar sobre qualquer disputa sobre os resultados das eleições.
Como consequência da disputa, em 29 de julho, um dia após as eleições, houve protestos em bairros populares contra os resultados oficiais que deram a vitória a Maduro.
E, ao mesmo tempo, começaram as detenções em massa que familiares dos presos e organizações locais e internacionais descrevem como arbitrárias.
Instalou-se assim um clima de medo raramente visto antes na Venezuela. Isso tem levado as pessoas a não postar nas redes sociais, a apagar seus bate-papos, a não andar com o celular, a não sair de casa e a se refugiar na casa de outras pessoas.
Além disso, como acontece em grande parte desta reportagem, muitos só falam com a imprensa sob condição de anonimato.
Em 2017, o deputado Diosdado Cabello, um dos principais porta-vozes do partido de Maduro, falou pela primeira vez em seu programa semanal de televisão sobre a "Operação Tun Tun" para se referir às detenções de "terroristas".
Foi no âmbito dos protestos daquele ano, que começaram após duas decisões polêmicas nas quais o Supremo Tribunal de Justiça assumiu temporariamente todos os poderes correspondentes à Assembleia Nacional, que era controlada na época pela oposição.
Na ocasião, a operação não foi reconhecida formalmente. Agora é mais institucionalizada — foi citada, inclusive, pelo próprio Maduro.
Mas se em 2017, de abril a julho, 5.051 pessoas foram presas, agora, em apenas uma semana, o Foro Penal contabiliza 1.010 prisões.
"Este é um ciclo repressivo sem precedentes, nunca visto antes. Houve picos de repressão nos protestos de 2014, 2017 e 2019. Mas nunca havia acontecido nada parecido, a repressão nunca tinha sido vista com tanta intensidade como vemos agora", diz Gonzalo Himiob à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.
Maduro se vangloriou da prisão de mais de 2 mil pessoas em protestos que ele atribui a uma tentativa de "golpe de Estado" pela "direita fascista", e anunciou a criação de duas prisões de segurança máxima.
Uma das principais forças de segurança encarregadas das prisões é o Corpo de Investigações Científicas Penais e Criminalísticas (CICPC).
"A Operação Tun Tun acaba de começar. Denuncie se você foi alvo de uma campanha de ódio física ou virtual por meio das redes sociais", escreveu no sábado (3/8) Douglas Rico, diretor do CICPC, em sua conta no Instagram.
"Estamos vendo um recrudescimento na forma de reprimir e atacar a população", observa Valentina Ballesta, vice-diretora de pesquisa para as Américas da Anistia Internacional.
O padrão das detenções também mudou.
"O tipo de detenção, o local, agora é variado. (Foram presas) desde pessoas que estavam protestando até outras que estavam indo trabalhar, na rua, em qualquer circunstância e indiscriminadamente", denuncia Himiob.
E tanto Ballesta quanto Himiob ressaltam que, em outras ocasiões, a tendência era prender pessoas em zonas residenciais (com um poder aquisitivo um pouco mais alto). Agora, segundo eles, são detidas principalmente pessoas mais pobres em bairros populares.
"É lá que as mobilizações estão acontecendo. É ali que eles tentam desmobilizá-las ao máximo. É onde estão sendo realizadas as operações tun tun", explica Ballesta.
Um jornalista local, que falou com a BBC sob condição de anonimato, contou sobre o clima que isso gera em um bairro popular de Caracas.
"As pessoas acham que qualquer um que ande na rua pode ser preso do nada. Muitos foram presos porque foram vistos em um vídeo protestando, pessoas que saíram para comprar pão, passou uma moto da polícia, e elas foram levadas."
Há também uma tendência de prender pessoas mais jovens. A média de idade dos detidos é de 21 a 23 anos, e dos mais de mil presos, 91 são adolescentes, de acordo com o Foro Penal.
Há um outro lado da "Operação Tun Tun", o das denúncias, como o apelo feito por Douglas Rico, diretor do CICPC, para denunciar caso tenha sido "alvo de uma campanha de ódio física ou virtual".
O problema é que, como me disse um especialista jurídico que também deseja permanecer anônimo, "a questão legal agora se tornou subversiva".
A legislação sobre ódio em vigor atualmente na Venezuela é muito aberta — "e não há limites para o conceito de ódio, nem para o que é fascista e o que não é. Tudo se encaixa nesse conceito", ressalta.
Qualquer pessoa, sob esse guarda-chuva, pode denunciar outra. Um vizinho, a caixa do supermercado, o líder da sua comunidade. E embora não haja registro de quantas denúncias foram feitas dessa forma, nem de quantas prisões representaram, isso é capaz de semear a desconfiança e o medo entre a população.
Além disso, quase tudo no seu celular pode se tornar matéria-prima para uma apreensão ou detenção.
"Atualmente, as autoridades estão enfatizando que possuem — e estão usando — ferramentas para gerar terror e medo na população", explica Ballesta.
Por exemplo, a Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM) publicou um vídeo em suas redes sociais que começa com a frase "Para onde quer que eu vá, Chuky vai me encontrar", do filme Brinquedo Assassino, e continua com uma versão bastante assustadora da música Ring Christmas Bells, cuja letra pode ser traduzida como: "Se você tiver feito algo errado, ele vai saber.... Ele vai te procurar, esconda-se bem. Seu nome está na lista dele", enquanto agentes da DGCIM aparecem prendendo pessoas.
O vídeo não está mais disponível.
Isto tem uma contrapartida: "Se (as autoridades) dizem que têm uma lista de pessoas, que vão à sua casa… É uma confissão de detenções arbitrárias, de privação ilegítima de liberdade. São possíveis crimes contra a humanidade", acrescenta Ballesta.
O governo Maduro enfrenta atualmente uma investigação do Tribunal Penal Internacional por possíveis crimes contra a humanidade, incluindo detenções arbitrárias, execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e tortura. O governo nega as acusações.
O Foro Penal explica que há muitas irregularidades na "Operação Tun Tun".
Uma delas é em relação às próprias detenções, que não obedecem a regra de que devem ser efetuadas com uma ordem judicial ou em flagrante.
"Também prendem uma pessoa e não dizem onde ela está, estão negando a ela o direito de escolher um advogado de confiança, e ela é obrigada a aceitar um defensor público. As audiências de apresentação deveriam ser feitas em tribunais, e estão sendo realizadas em centros de detenção sem permitir o acesso de ninguém além de um defensor público. Essa é uma violação muito grave do direito de defesa", diz Gonzalo Himiob.
Além disso, em geral, há uma "espécie de pré-qualificação legal do crime, e todos os detentos são chamados de terroristas sem sequer terem realizado investigações, o que é uma grande irregularidade e uma banalização muito grave do termo terrorismo".
Maduro se refere frequentemente aos manifestantes como "terroristas", "delinquentes" e membros de "gangues da nova geração".
"Todos os guarimberos (manifestantes) vão para Tocorón e Tocuyito, presídios de segurança máxima", disse Maduro em referência a essas prisões que, durante anos, estiveram sob o controle de gangues criminosas, como o Trem de Aragua.
A BBC News Mundo tentou entrar em contato com o Ministério Público para obter sua versão sobre o tema, mas não obteve resposta.
Na Europa, Juan (nome fictício) me conta que sua mãe, que mora em El Cementerio, um bairro popular de Caracas, viu como a polícia anda pedindo e verificando os telefones das pessoas.
"Ela ficou com medo de revistarem o celular dela, e agora sai na rua sem ele, e apaga a conversa toda vez que falamos sobre a situação do país", diz ele.
Esse é um tema recorrente em qualquer bate-papo online com venezuelanos no país.
"Não diga isso". "Não publique essas coisas, você está colocando todos nós em perigo". "Apague isso imediatamente para nossa segurança". "Apaga, apaga, apaga". Mensagens como estas são enviadas por conta de coisas que, a priori e de fora, poderiam parecer absolutamente inofensivas, como piadas ou opiniões políticas.
Tamanho é o medo que o anonimato se instalou não só em vários depoimentos deste artigo, como também na hora de assinar as reportagens publicadas pela imprensa do país, que agora aparecem, na grande maioria dos casos, com o nome genérico da equipe.
Ou mesmo acontece na área cultural. A Revista Casapaís (Uruguai) publicou em suas redes sociais que "devido à repressão da ditadura de Maduro", publicaram as obras de autores venezuelanos sob um pseudônimo: "Revelar seus nomes é uma sentença de prisão e morte".
Além das detenções em massa denunciadas em bairros populares, há outro perfil de prisões, a de ativistas políticos, militantes da oposição e de pessoas que participaram do processo de coleta das atas de contagem de votos no dia das eleições.
Há poucos dias, prenderam o ex-deputado da oposição Freddy Superlano e dois de seus colaboradores. Num vídeo compartilhado pelo partido da oposição Vente Venezuela, de María Corina Machado, é possível ver pessoas sem identificação e encapuzadas levando eles embora, quando estavam prestes a entrar em uma casa.
A esposa de Superlano, Aurora Silva, denunciou na terça-feira (6/8) que ainda não conseguiu ver o marido.
Um caso particular é o da agora ex-procuradora Maglen Marín Rodríguez, detida e presa "pelo crime de atraso ou omissão intencional de funções" por não "processar quatro indivíduos" que participaram de manifestações, segundo escreveu Tarek William Saab, procurador-geral do Estado, na sua conta no X (antigo Twitter).
Outro perfil de detidos é o de ativistas e defensores dos direitos humanos. Por exemplo, Edni López, também professora, está detida desde domingo. Ela estava no aeroporto de Maiquetía, próximo a Caracas, quando foi informada que seu passaporte havia sido cancelado e que ela estava detida.
O cancelamento de passaportes parece ser uma outra face da "Operação Tun Tun".
"É uma prática documentada há anos, mas agora vemos isso de forma sistemática", explica Valentina Ballesta.
Sob condição de estrito anonimato, Patrícia (nome fictício), uma ativista, falou com a BBC.
"É um peso emocional enorme. Você ativa protocolos de segurança que não esperava que fosse aplicar, eu apago bate-papos, não saio de onde estou, se saio é com milhares de precauções, sem telefone... E agora percebi que meu passaporte foi cancelado."
A BBC News Mundo soube de pelo menos 15 pessoas que tiveram seus passaportes cancelados, incluindo ativistas, acadêmicos e jornalistas. O número exato ainda é desconhecido, e nenhuma autoridade se manifestou sobre o assunto.
"Há muito medo. Você normaliza, mas não é normal", diz Patricia.
Fonte: correiobraziliense
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