22 de Novembro de 2024

7 coisas que a ciência 'descobriu' séculos depois dos povos indígenas


Ao longo da história, os povos indígenas contribuíram significativamente para as ciências aplicadas modernas, como a medicina, a biologia, a matemática, a engenharia e a agricultura.

Muitas dessas contribuições, no entanto, são desconhecidas.

Uma série de medicamentos, instrumentos médicos, alimentos e técnicas de cultivo que são usadas ??diariamente no mundo ocidental hoje têm suas raízes no conhecimento dos povos originários.

Para sobreviver e se adaptar a diversos ambientes, os povos indígenas fabricaram produtos e aplicaram técnicas sofisticadas — e algumas delas os cientistas e especialistas só começaram a valorizar agora.

"O conhecimento ancestral é tão importante ou válido quanto a ciência moderna, tão rigoroso quanto, e foi adquirido por meio da prática durante séculos", afirma Hugo Us Álvarez, especialista em desenvolvimento social do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) na Guatemala, que pesquisa os povos originários da América.

O antropólogo George Nicholas, da Universidade Simon Fraser, no Canadá, concorda.

"O que muitas vezes se ignora é que o 'conhecimento é conhecimento', independentemente da forma que assuma", diz ele.

No Dia Internacional dos Povos Indígenas (9/8), a BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, compartilha com você sete exemplos de coisas que estas comunidades conhecem há séculos — e que a ciência "descobriu" mais tarde.

Muitos povos indígenas desenvolveram uma cultura de medicina baseada na natureza, cujas descobertas serviram de base para tratamentos atuais.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 40% dos produtos farmacêuticos utilizados hoje são baseados no conhecimento tradicional.

Um dos mais emblemáticos é a aspirina, cuja substância base é o ácido salicílico proveniente do salgueiro — árvore também conhecida como chorão.

Os indígenas norte-americanos conseguiram extrair o ácido da casca dessa árvore há centenas de anos — e usavam para tratar quem sofria de dores musculares ou ósseas.

"Existem muitas plantas que foram utilizadas pelos povos indígenas e que posteriormente foram aplicadas à farmacologia moderna", explica Hugo Us Álvarez à BBC News Mundo.

Outro exemplo é o que aconteceu durante a pandemia de covid-19, quando os cientistas por trás das vacinas descobriram na quilaia, uma árvore endêmica do Chile, um ingrediente fundamental para combater o coronavírus.

A quilaia é conhecida como a "árvore de casca de sabão" devido às suas saponinas vegetais, moléculas que espumam quando entram em contato com a água, e que se tornaram um catalisador cobiçado para a resposta imunológica.

Mas suas propriedades curativas já haviam sido descobertas muito tempo antes pelos indígenas mapuche, que a utilizavam para curar todo tipo de enfermidade, desde doenças estomacais e respiratórias até problemas de pele e reumatismo.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), existem outras plantas e ervas antigas que deram uma enorme contribuição para a ciência moderna, como o inhame selvagem mexicano, de onde saiu um dos primeiros ingredientes ativos da pílula anticoncepcional, e o espinheiro e a dedaleira, que foram usados ??para tratar doenças cardiovasculares e hipertensão.

Atualmente, alguns alimentos estão tendo um "boom" de consumo a nível mundial graças às suas impressionantes propriedades nutricionais, segundo especialistas.

Um deles é a spirulina, que hoje aparece nos cardápios na forma de smoothies (ou shakes) e até mesmo em omeletes, saladas e biscoitos.

Mas séculos antes de ser considerado um "superalimento", este tipo de microalga, que cresce sobretudo em lagos alcalinos quentes e rios, era um alimento básico na era pré-colombiana.

Os mexicas, descendentes dos astecas, colhiam o alimento rico em proteínas da superfície do Lago Texcoco. Acredita-se que consumiam a spirulina com milho, tortilha, feijão e pimenta como "combustível" para viagens longas.

Assim, mesmo sem a ciência moderna, os indígenas mexicanos eram capazes de reconhecer a densidade nutricional da spirulina.

O mesmo aconteceu com outros alimentos que foram ignorados durante anos, mas que hoje estão em evidência devido às suas propriedades: a quinoa, por exemplo, era um alimento básico dos incas. E a chia, cujo cultivo foi fundamental para os povos indígenas da América, perdia apenas para o milho e o feijão.

Hugo Us Álvarez acrescenta outro: o amaranto.

"É uma das espécies mais utilizadas pelos povos mesoamericanos, uma semente rica em ferro, que fornece proteínas e energia", explica.

O mundo moderno descobriu recentemente os incríveis benefícios para a saúde dessas sementes que, sem dúvida, são uma importante herança gastronômica dos povos originários.

O médico escocês Alexander Wood entrou para a história como o inventor da primeira seringa hipodérmica do mundo.

Wood fez sua descoberta na década de 1850, após injetar morfina com sucesso em uma mulher que sofria de dor crônica.

O trabalho do escocês foi precedido por pesquisas de outros cientistas que, anos antes, haviam testado instrumentos semelhantes à seringa, como o irlandês Francis Rynd e o físico francês Charles Pravaz.

Mas, muitos anos antes, outras pessoas também haviam fabricado esta ferramenta que hoje é indispensável para a prática da medicina.

De acordo com estudos baseados na descoberta de objetos arqueológicos, vários grupos nativos utilizavam ossos de pássaros unidos a bexigas de animais pequenos, que acabavam cumprindo uma função parecida com a das seringas.

Estas descobertas foram registradas em sítios arqueológicos ocupados por povos indígenas em países da América do Sul, como Peru, Bolívia, Chile e Argentina.

Acredita-se que tenham sido concebidas para introduzir líquidos nas cavidades do corpo, assim como para administrar medicamentos em quantidades dosadas.

Há também referências sobre seu uso para lavar feridas e até mesmo para limpar o ouvido.

O uso de protetor solar tem uma história muito mais antiga do que você provavelmente imagina.

Embora as técnicas para reduzir os efeitos do Sol na pele tenham sido aperfeiçoadas no século 21, o conceito de aplicação de substâncias ou cremes para não se queimar remonta a centenas de anos.

Sabe-se, por exemplo, que os indígenas americanos usavam substâncias como óleo de urucum (que hoje algumas marcas vendem com a promessa de reduzir rugas e eliminar manchas), de girassol e de opuntia.

Atualmente, muitas empresas de cosméticos naturais fabricam seus produtos com base no que os povos indígenas usaram durante séculos.

Para se proteger do Sol, os povos originários também criaram outro objeto que hoje faz parte do nosso dia a dia: os óculos escuros.

Segundo registros históricos, foram os povos indígenas innuit, que habitam a região do Ártico americano, que criaram esse artefato para suportar o reflexo do Sol na neve.

Os óculos eram feitos de madeira ou ossos de antílopes que viviam na região, e tinham uma abertura tênue por onde se podia olhar.

As técnicas agrícolas dos povos indígenas são admiradas pelo mundo moderno devido à sua sofisticação.

Os pesquisadores observaram como eles conseguiram construir aquedutos e canais para o abastecimento de água e criaram outros métodos — como a rotação de culturas — que os ajudaram a aumentar a produção.

Mas alguns grupos ancestrais foram além e conseguiram cruzar diferentes espécies de plantas, um processo conhecido como "hibridação".

Os avanços nessa área são atribuídos hoje principalmente a Gregor Mendel, considerado o pai da genética, que revolucionou o mundo com seus estudos na década de 1860.

No entanto, o livro Plant Hybridization Before Mendel ("Hibridação de Plantas antes de Mendel", em tradução livre), de Herbert Fuller Roberts, observa que há evidências de que algumas culturas antigas chegaram a aplicar técnicas de polinização artificial, e que tinham conhecimento de que determinadas espécies tinham sexo feminino ou masculino, o que permitia a elas discriminar em prol das suas colheitas.

Outros pesquisadores afirmaram que os indígenas aprenderam que a seleção persistente de certas sementes permitia a eles controlar a diversidade de suas plantações, como aconteceu no caso do milho, do feijão e da abóbora.

"As espécies de milho que conhecemos hoje são resultado de processos de cruzamentos realizados ao longo de anos e que permitiram que os povos indígenas desenvolvessem", explica Hugo Us Álvarez.

"Se foi chegando assim à combinação genética que levou às espécies que são consumidas hoje."

"Algo semelhante aconteceu com a batata. Os incas também conseguiram domesticá-la (ou seja, as batatas passaram a ser plantadas e colhidas por humanos), e criaram combinações que permitiram ter muitas espécies de batatas", acrescenta.

Dessa forma, segundo Chris R. Landon, autor de uma pesquisa intitulada "Contribuições dos indígenas americanos para a ciência e a tecnologia", os povos indígenas "tornaram-se mestres na hibridação de plantas muito antes dos pesquisadores botânicos do século 19 Gregor Mendel e Luther Burbank".

Muitos cientistas especialistas em mudanças climáticas baseiam seus estudos em observações de satélite, registros de temperatura e análises de núcleos de gelo.

No entanto, há vários outros dados que podem ser usados.

E uma fonte de informação cada vez mais acessada pelos especialistas são, justamente, as comunidades indígenas.

Devido à sua proximidade com a terra e ao seu vasto conhecimento do meio ambiente, os povos indígenas têm frequentemente seus próprios registros e recordações, que podem incluir detalhes extraordinários sobre alterações nos padrões climáticos, mudanças na vegetação e comportamentos atípicos de animais.

Atualmente, muitos antropólogos e pesquisadores recorrem aos povos indígenas para perguntar a eles o que observam em relação ao mundo ao seu redor.

"Acredito na ciência nativa, que é ciência real", diz Richard Stoffle, antropólogo da Universidade do Arizona, nos EUA, à BBC.

O acadêmico, que realizou um estudo sobre as mudanças ambientais testemunhadas pelo povo anishinaabe (localizado na América do Norte) ao longo das décadas, explicou que os povos indígenas "monitoram as mudanças climáticas antropogênicas muito antes de se tornarem um tema regular de debate público".

Para muitos antropólogos, contar com informações dos povos indígenas oferece um cenário "mais completo" do que está acontecendo, algo que nunca seria alcançado utilizando apenas medições.

Há alguns anos, uma pesquisa liderada por um grupo de especialistas na Austrália despertou interesse especial, revelando como algumas aves de rapina espalham intencionalmente o fogo para gerar incêndios.

O estudo explicava que na savana tropical australiana essas aves carregam gravetos em chamas em suas garras ou no bico para produzir queimadas que fazem com que insetos, roedores e répteis fujam — aumentando assim suas oportunidades de alimentação.

Mas, o que era praticamente uma novidade para a ciência ocidental, era amplamente conhecido pelos povos indígenas do norte da Austrália há centenas de anos.

Na verdade, os especialistas que conduziram o estudo afirmam que grande parte das informações foi obtida a partir do conhecimento indígena ancestral e de experimentos de campo controlados, entre outros.

Há muito tempo se sabe que os indígenas realizavam cerimônias que incorporavam representações de aves de rapina transportando ou iniciando fogo, algo que era visto com distanciamento pela ciência moderna.

Agora, no entanto, há uma compreensão mais aceita desse fenômeno que pode ajudar a combater os incêndios não apenas na Austrália, mas em muitas outras partes do mundo.

Para o professor de arqueologia George Nicholas, esse é outro exemplo de "como os cientistas ocidentais estão finalmente colocando em dia o conhecimento tradicional após vários milhares de anos".

Fonte: correiobraziliense

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