A ex-deputada e líder opositora María Corina Machado admitiu, em entrevista à agência France-Presse, que a Plataforma Unitária Democrática está disposta a conceder ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro, "garantias, salvo-conduto e incentivos" para deixar o poder no país. Mais uma vez, ela propôs uma "transição negociada" de governo para o ex-diplomata Edmundo González Urrutia, 74 anos, que garante ter vencido as eleições de 28 de julho com 67% dos votos.
Durante visita à Sala Eleitoral do Tribunal Supremo de Justiça, Maduro rejeitou qualquer possibilidade de negociar os resultados das urnas, aproveitou para aumentar o tom de sua retórica e ameaçou María Corina. "O único que tem que negociar neste país com a Machado é o procurador-geral (Tarek William Saab), que ela (María Corina) se entregue à Justiça, dê a cara e responda pelos crimes que cometeu. De verdade, essa é a única negociação que cabe aqui", declarou o presidente, ao lado da primeira-dama, Cilia Flores, de autoridades do Judiciário e de militares.
Maduro cobrou do Tribunal Supremo de Justiça a "certificação" de sua vitória nas eleições para um terceiro mandato de seis anos. "O que o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela decidir será lei da República, será uma sentença sagrada", avisou, logo depois de sair da audiência. A máxima instância do Judiciário convocou os nove candidatos à presidência; o único que não compareceu foi Edmundo González, sob a alegação de que sua presença seria uma traição à vontade e à soberania popular expressa nas urnas.
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) promulgou a suposta vitória de Maduro no pleito, ao anunciar que o presidente teve 52% dos votos contra 43% para Edmundo. No entanto, 12 dias depois da votação, não apresentou as atas eleitorais. Na entrevista à France-Presse, María Corina assegurou: "Estamos decididos a avançar em uma negociação; será um processo de transição complexo, delicado, no qual vamos unir toda a nação". Ao rejeitar a proposta, Maduro chamou a ex-deputada de "foragida da Justiça". Até o fechamento desta edição, uma onda de protestos deixou 24 mortos e terminou na prisão de 2,2 mil pessoas, desde 28 de julho.
Sem surpresas
Benigno Alarcon, diretor do Centro de Estudos Políticos e de Governo da Universidad Católica Andrés Bello (em Caracas), afirmou que a ida de Maduro ao Tribunal Supremo de Justiça teve o objetivo de manter o conflito pelo processo eleitoral, dentro das instituições venezuelanas. "Nesse sentido, o que ele busca é que a Corte tome uma decisão definitiva e determine que ninguém mais se meta no assunto da apuração de votos. A intenção é mostrar que as instituições resolveram a crise. Não há surpresas de nenhum tipo, pois essas vias estão em poder de Maduro", disse ao Correio.
De acordo com ele, a única condição para uma negociação encampada pelo Palácio de Miraflores seria se o regime se sentisse ameaçado. "Maduro controla o governo pela força e acredita ter o controle da situação. A menos que haja uma imensa pressão internacional e internamente, não haverá negociação."
Ainda de acordo com Alarcon, a estabilidade de Maduro no poder não é estável e pode mudar de uma hora para outra. "Todo o país, sem exceção, sabe que Maduro perdeu a eleição. Isso inclui as Forças Armadas, a polícia e a comunidade internacional. Existe uma ingovernabilidade crescente, e a única forma de ele se manter no comando da Venezuela é por meio do uso da força."
O historiador político nega que exista uma legitimidade do regime e não descarta crises cíclicas provocadas pela fraude nas urnas. "A eventual detenção de Edmundo González e de María Corina poderia agravar sensivelmente a situação. Seria um elemento para deflagrar protestos massivos e conflito. Estamos sentados sobre um barril de pólvora", advertiu Alarcon, ao citar a frustração da população e o desejo de se manifestar nas ruas.
Apesar das recentes ameaças do regime, Jose Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV), alerta que Maduro não tem o poder de prender ninguém, perante a Constituição da Venezuela. "Ele governa o país como se fosse uma 'república de bananas'. Todo mundo sabe que o procurador-geral Tarek William Saab é uma marionete, que depende totalmente do que Maduro lhe ordena fazer. Nesse sentido, uma prisão de dois líderes da oposição exporia ainda mais uma das fraudes mais dantescas e horríveis da história da América Latina", afirmou ao Correio.
"Não creio que o regime de Maduro aceitará negociar uma saída. A razão é muito simples: as pessoas somente negociam aquilo que não podem negociar por outros meios. A única coisa que interessa ao governo é o controle do poder. Ele não está disposto a negociar a absolutamente nada."
Benigno Alarcon, diretor do Centro de Estudos Políticos e de Governo da Universidad Católica Andrés Bello (em Caracas)
"Maduro está preocupado, pois o comunicado conjunto de Brasil, México e Colômbia não reconheceu a possibilidade de que a Sala Eleitoral do Tribunal Supremo de Justiça resolvesse a crise. De alguma forma, ele busca construir uma certa legalidade. O Tribunal é uma secretaria do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV)."
Jose Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV)
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