O boxe feminino na Olimpíada de Paris 2024 esteve envolvido em uma polêmica sobre a elegibilidade de duas atletas.
A argelina Imane Khelif, de 25 anos, e a taiwanesa Lin Yu-ting, de 28 anos, ganharam o ouro em suas respectivas categorias, mas ambas foram desqualificadas do Campeonato Mundial de Boxe do ano passado.
Khelif derroutou a chinesa Yang Liu na final do boxe feminino peso meio-médio na sexta-feira (9/8). Lin, por sua vez, disputou a final do peso pena no sábado vencendo a polonesa Julia Szeremeta.
O Comitê Olímpico Internacional (COI) expressou dúvidas sobre a confiabilidade dos testes e sugeriu que a situação pode ser uma "guerra cultural às vezes politicamente motivada".
A Associação Internacional de Boxe (IBA), responsável pelo Campeonato Mundial de Boxe em 2023, afirmou que as boxeadoras falharam nos testes de elegibilidade de gênero.
A entidade, banida pelo COI em junho de 2023 por acusações de corrupção, falta de transparência e suspeitas de tráfico, não é mais responsável por organizar o evento de boxe nos Jogos Olímpicos (ler mais abaixo).
Na segunda-feira (5/8), em entrevista coletiva, a IBA afirmou sem apresentar provas que as lutadoras apresentaram níveis elevados de testosterona e cariótipo XY, segundo seu presidente Umar Kremlev.
Kremlev declarou que "o boxe feminino está sendo morto" e que os resultados dos exames indicam que elas são homens, destacando a desigualdade que isso representaria no esporte.
A seguir, perguntas e respostas sobre o caso.
A IBA (Associação Internacional do Boxe, na sua sigla em inglês), anteriormente conhecida como AIBA, foi formada em 1946 como um órgão de governança mundial para o boxe amador.
O COI reconheceu a IBA como a entidade dirigente do esporte até 2019.
Em 2019, o COI suspendeu a IBA devido a problemas de governança e alegações de corrupção.
Isso levou à ameaça de exclusão do boxe dos Jogos Olímpicos a partir de 2028.
Em 2018, a IBA baniu o ex-presidente CK Wu e o ex-diretor executivo Ho Kim por "negligência grave e má gestão financeira".
Wu, que havia liderado a IBA por 11 anos, foi suspenso provisoriamente em outubro de 2017 e substituído por Gafur Rakhimov, descrito pelo Departamento do Tesouro dos EUA como "um dos principais criminosos do Uzbequistão".
Em 2020, Umar Kremlev, da Rússia, foi eleito presidente.
Em 2022, uma investigação independente revelou uma "cultura histórica de manipulação de combates" e outras questões sérias de governança e ética.
Kremlev, com laços próximos ao Kremlin e apoio do gigante energético russo Gazprom, foi reeleito em maio de 2022 sem oposição.
No entanto, o Tribunal Arbitral do Esporte (CAS, na sigla em inglês) posteriormente concluiu que Boris van der Vorst, um candidato rival, foi impedido injustamente de se candidatar, mas a proposta de nova eleição foi rejeitada pelos delegados da IBA.
O COI expressou "grande preocupação" com a situação.
O Campeonato Mundial de 2023 ocorreu em dois países: o evento feminino foi realizado na Índia em março e o masculino no Uzbequistão em abril e maio.
Dezenove países, incluindo Grã-Bretanha e EUA, boicotaram os eventos após a IBA permitir que boxeadores russos e bielorrussos competissem sob suas bandeiras, contrariando a orientação do COI após a invasão da Ucrânia.
Kremlev criticou severamente os boicotes.
No Campeonato Mundial de 2023, Khelif competiu na categoria meio-médio e Lin na categoria peso-pena.
Horas antes de disputar a medalha de ouro contra a chinesa Yang Liu, a IBA disse que Khelif havia sido reprovada no teste de elegibilidade de gênero.
Khelif havia derrotado Janjaem Suwannapheng, da Tailândia, na semifinal, Navbakhor Khamidova, do Uzbequistão, nas quartas de final, e Azalia Amineva, da Rússia, na rodada anterior.
Como resultado da desqualificação de Khelif, a russa Amineva, de 21 anos, teve a única derrota em sua carreira de 22 lutas removida de seu currículo.
No mesmo Campeonato Mundial de 2023, Lin perdeu a medalha de bronze da IBA.
A IBA disse que as boxeadoras "não cumpriram os critérios de elegibilidade para participar da competição feminina, conforme estabelecido e disposto nos regulamentos da IBA".
Não se sabe exatamente o que consistiam os testes de elegibilidade, nem como foram supervisionados.
Na segunda-feira (5/8), em entrevista coletiva a jornalistas, a IBA, sem apresentar provas, afirmou que as lutadoras apresentaram níveis elevados de testosterona em exames de sangue, descritos por seu presidente, o russo Umar Kremlev, como "testosterona de homem".
Além disso, foi mencionado que elas possuem cariótipo XY, que corresponde aos cromossomos encontrados no DNA de uma pessoa.
"O boxe feminino está sendo morto e eu não quero que isso aconteça. O esporte feminino está sendo destruído. Não podemos permitir isso", disse Kremlev.
"Os resultados dos exames mostram que elas são homens. Se pessoas têm dúvidas se nasceram assim ou mudaram algo depois na vida delas, vocês podem perguntar para elas. O teste mostra que o nível de testosterona nelas duas é muito alto. Seria uma situação desigual, acrescentou ele, nos minutos finais da entrevista.
O secretário-geral e CEO da IBA, Chris Roberts, disse que antes do Mundial de 2022, boxeadoras, técnicos e médicos expressaram preocupações sobre as atletas Khelif e Yu-ting.
Segundo ele, no Mundial de Istambul de 2022, um "teste de gênero" foi realizado com exame de sangue, mas os resultados foram considerados "inconsistentes" pelo CEO.
Em 2023, acrescentou Roberts, elas foram submetidas a um novo exame de sangue, que, segundo o dirigente, revelou cromossomos que as tornaram inelegíveis, conforme as regras, embora esses resultados não tenham sido divulgados.
Segundo o médico Ioannis Filippatos, quatro boxeadoras foram testadas no Mundial de 2022, e apenas Khelif e Yu-ting apresentaram resultados inconclusivos, sendo testadas novamente em 2023.
Roberts afirmou que, devido ao sigilo médico, não podem divulgar os resultados dos exames, mas sugeriu aos jornalistas que "leiam nas entrelinhas".
Filippatos, sem apresentar provas, destacou: "Ela não é mulher. Não podemos dizer tudo porque é sigilo médico. Não posso dizer a você se ela nasceu mulher. Eu não estava no hospital quando ela nasceu. Eu tento dizer que o exame de sangue, nos laboratórios, diz que essa boxeadora é homem",
O COI levanta dúvidas sobre a precisão e o protocolo dos testes.
"Não sabemos qual foi o protocolo, não sabemos se o teste foi preciso, não sabemos se devemos acreditar no teste", disse o porta-voz do COI, Mark Adams.
"Há uma diferença entre a realização de um teste e se aceitamos a precisão ou mesmo o protocolo do teste."
Em um comunicado na quinta-feira (1/8), o COI disse que Khelif e Lin foram "vítimas de uma decisão repentina e arbitrária da IBA".
"Perto do final do Campeonato Mundial da IBA em 2023, elas foram repentinamente desclassificadas sem qualquer processo devido", disse o COI.
"Segundo as atas da IBA disponíveis em seu site, essa decisão foi inicialmente tomada somente pelo secretário-geral e CEO da IBA. O conselho da IBA só a ratificou depois e só posteriormente solicitou que um procedimento a ser seguido em casos semelhantes no futuro fosse estabelecido e refletido nos regulamentos da IBA. As atas também dizem que a IBA deve 'estabelecer um procedimento claro sobre testes de gênero'.
"A atual agressão contra essas duas atletas se baseia inteiramente nessa decisão arbitrária, que foi tomada sem nenhum procedimento adequado — especialmente considerando que essas atletas competem em competições de alto nível há muitos anos".
"Tal abordagem é contrária à boa governança."
A IBA insistiu que sua decisão era "necessária para manter o nível de justiça e a máxima integridade da competição".
E acrescentou em uma declaração no início da semana passada: "As atletas não passaram por um exame de testosterona, mas foram submetidas a um teste separado e reconhecido, no qual os detalhes permanecem confidenciais. Este teste indicou conclusivamente que ambas as atletas não atendiam aos critérios de elegibilidade necessários e foram consideradas como tendo vantagens competitivas sobre outras competidoras femininas."
A IBA disse que Lin não recorreu da decisão da IBA para o CAS, enquanto Khelif retirou o recurso, "tornando assim as decisões juridicamente vinculativas".
Em junho de 2023, 69 das 70 federações olímpicas votaram para retirar da IBA seu status.
Antes da votação, o presidente do COI, Thomas Bach, disse: "Não temos um problema com o boxe. Não temos um problema com os boxeadores".
"Os boxeadores merecem totalmente ser governados por uma federação internacional com integridade e transparência."
Em resposta, a IBA acusou o COI de cometer um "erro tremendo" e comparou a ação às ações da Alemanha na Segunda Guerra Mundial.
Um comunicado da IBA dizia: "Implementamos com sucesso todas as recomendações descritas pelo COI em seu plano de ação".
"Apesar dos desafios, a IBA continua comprometida com o desenvolvimento do boxe e a organização de torneios oficiais e campeonatos mundiais de boxe no mais alto nível".
"Não podemos ocultar o fato de que a decisão de hoje é catastrófica para o boxe global e contradiz flagrantemente as alegações do COI de agir no melhor interesse do boxe e dos atletas."
O CAS rejeitou um apelo da IBA contra a decisão.
Um novo órgão, World Boxing, foi criado em abril de 2023.
Entre os cinco compromissos, a nova organização afirma que irá "manter o boxe no centro do movimento olímpico" e "garantir que os interesses dos boxeadores sejam priorizados".
Um dos principais objetivos é manter o boxe como esporte olímpico após ter sido provisoriamente excluído dos Jogos de 2028 devido aos problemas da IBA.
No entanto, a organização ainda está em discussões com o COI para obter reconhecimento como o órgão dirigente mundial do esporte.
Ela é apoiada por representantes do Reino Unido, Alemanha, Países Baixos, Nova Zelândia, Filipinas, Suécia e Estados Unidos.
A IBA afirmou anteriormente que "condena fortemente" a criação de uma organização "dissidente", acrescentando que "iniciou uma série de ações para proteger sua autonomia como órgão dirigente oficial mundial".
Ao contrário das edições anteriores, o boxe nos Jogos Olímpicos de Tóquio foi organizado pelo COI, e não pela IBA.
Em 2019, o COI delegou a responsabilidade pela organização e gestão do controle de doping nos Jogos Olímpicos à Agência Internacional de Testes (ITA).
O COI afirmou que adotou uma "política de tolerância zero" para qualquer pessoa que for encontrada usando ou fornecendo produtos de doping.
Os testes incluem, mas não se limitam, à determinação dos níveis de testosterona de um atleta.
No final de 2021, o COI emitiu novas orientações sobre atletas trans no esporte feminino.
Isso colocou a responsabilidade nas federações individuais para determinar os critérios de elegibilidade em seu esporte.
O framework surgiu após os Jogos de Tóquio 2020, quando a levantadora de peso Laurel Hubbard se tornou a primeira atleta trans a competir nas Olimpíadas em uma categoria de gênero diferente da que nasceu.
Embora o COI tenha afirmado que não deve haver suposições de que um atleta trans tenha automaticamente uma vantagem injusta em eventos femininos, emitiu um documento de 10 pontos que esperava que cada esporte aplicasse antes de Paris 2024.
Desde então, muitos esportes proibiram mulheres trans de participar do esporte feminino, como atletismo, natação e ambos os códigos de rúgbi.
No entanto, as regras foram aplicadas de forma diferente, então há esportes em que mulheres trans ou atletas com Transtornos do Desenvolvimento Sexual (DDS) podem competir.
O boxe é um desses esportes, já que o COI, que tem supervisionado o boxe olímpico, não atualizou as regras de critérios de elegibilidade desde Tóquio 2020.
O COI disse que "apoia a participação de qualquer atleta que tenha se qualificado e atendido aos critérios de elegibilidade para competir nos Jogos Olímpicos, conforme estabelecido por sua IF (federação internacional). O COI não discriminara um atleta que tenha se qualificado por sua IF, com base em sua identidade de gênero e/ou características sexuais."
Ambos os casos foram noticiados no ano passado em torno do Campeonato Mundial, embora não amplamente na Europa ou nos EUA devido aos boicotes ao evento.
O COI incluiu os detalhes no portal de informações da mídia antes de Paris 2024, embora isso tenha sido posteriormente removido.
Dada a maior atenção ao esporte feminino e aos atletas trans ou pessoas com DDS, a mídia destacou a afirmação do COI de que atletas que haviam falhado nos testes estavam prestes a competir na divisão feminina.
Desde então, o COI insistiu que as boxeadoras eram "nascidas mulheres e criadas como mulheres", mas a IBA continuou insistindo que seus testes sugerem que a elegibilidade delas para o boxe feminino está em questão.
Fonte: correiobraziliense
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