Quando pensamos em edifícios que precisamos conhecer, normalmente nos lembramos da Torre Eiffel, do Coliseu, do Taj Mahal ou da Catedral de St. Paul, em Londres.
Mas existe um tipo específico de explorador que é pouco atraído por esses monumentos famosos. Sua lista de desejos inclui símbolos arquitetônicos menos conhecidos, como fábricas abandonadas, parques de diversão fechados, aldeias desabitadas e usinas desertas.
A exploração urbana (UrbEx, na sigla em inglês) consiste em visitar construções abandonadas e degradadas – lugares esquecidos por todos, exceto por um pequeno grupo de aventureiros que se dedica a procurá-los.
São construções que já foram cheias de vida, como escolas, teatros, estâncias turísticas e locais de trabalho. Mas, agora, elas estão vazias, com a vegetação invadindo suas estruturas.
É o tipo de lugar que você pode encontrar em videogames. Por isso, faz sentido que uma renomada criadora de videogames do Japão também seja apaixonada pela exploração urbana.
Ikumi Nakamura explora locais abandonados e desabitados pelo mundo há décadas. Seu novo livro, Project UrbEx, conta suas aventuras, ilustradas por incríveis fotografias de locais abandonados e decadentes, mas estranhamente belos.
"Minha jornada na exploração urbana começou em um hospital abandonado, no centro de Osaka, no Japão", conta Nakamura à BBC.
"A emoção de me esgueirar pela construção abandonada, a rica história gravada nas suas paredes e a injeção de adrenalina gerada pelo desconhecido me cativaram instantaneamente", disse ela.
Para Nakamura, a exploração urbana oferece uma mistura de história e mistério que as atrações turísticas tradicionais não conseguem igualar.
"Esses locais são cápsulas do tempo", ela conta. "Eles preservam momentos do passado de forma bruta e sem verniz."
"Como artista e fotógrafa, encontro beleza na degradação, nos grafites, nos resquícios de vidas passadas. Todas elas contam histórias que, muitas vezes, são desprezadas."
Nakamura criou originalmente um alter ego chamado "Tommy", para suas aventuras pela exploração urbana.
Ela cobria o rosto com uma máscara contra gases, para que ninguém a reconhecesse, e publicava suas aventuras em um blog chamado Tomboy Urbex.
A exploração urbana é uma atividade perigosa. Muitas construções são de difícil acesso, estão condenadas e podem ficar em propriedades particulares.
Comunidades online oferecem orientações para explorar essas construções em segurança – e também para encontrá-las.
"Encontrar essas joias ocultas, muitas vezes, envolve uma mistura de pesquisa e sorte", explica ela.
"Vasculho fóruns de exploração urbana, grupos de redes sociais e mapas antigos, em busca de indicações. Às vezes, é apenas questão de seguir um palpite ou uma dica de colegas exploradores."
Fotografar pode ser outro desafio. "A possibilidade de encontrar guardas de segurança, animais selvagens ou até estruturas instáveis pode ser assustadora", conta Nakamura.
"Alguns locais também têm uma aparência misteriosa, assombrada. O silêncio, o ranger dos pisos e as sombras brincando com a sua mente aumentam a emoção. Mas é essa mistura de medo e entusiasmo que torna a experiência tão fascinante."
Ao longo dos anos, Nakamura visitou locais na Europa, Ásia e nos Estados Unidos, combinando suas viagens com a maternidade e com seu emprego como CEO (presidente-executiva) do estúdio de videogames UNSEEN.
"A exploração urbana causou impacto profundo sobre o meu trabalho como criadora de videogames", ela conta.
"Os lugares abandonados que exploro acrescentam verdadeira profundidade e riqueza ao meu design de níveis, arte ambiental e construção de mundos."
"As histórias que descubro, as atmosferas que experimento, os cheiros e sons, os personagens que encontro – tudo segue para os meus jogos, criando mundos imersivos e cativantes que serão explorados pelos jogadores."
Aqui estão alguns dos lugares visitados por Ikumi Nakamura.
Encomendado pelo magnata local das lojas de departamentos John G. Sattler (1871-1941), o teatro com 928 lugares foi construído em estilo Belas Artes e inaugurado em 1914.
Nos anos 1960, ele passou a ser uma mesquita, frequentada por Malcolm X (1925-1965), ativista dos direitos civis. Mas a construção permaneceu abandonada nos anos 1990.
"Encontrei o Sattler sozinha em um quarteirão da cidade quase coberto pelo mato", conta Nakamura.
"As belas construções de tijolos que teriam formado a rua onde o teatro foi construído já não existiam mais. Elas foram substituídas por estacionamentos, armazéns e postos de gasolina."
No interior do teatro, uma claraboia circular ilumina os restos do que, um dia, foi uma imponente construção.
A cidade de Detroit já foi o próspero centro da indústria automotiva americana. Mas sua população diminuiu significativamente desde os anos 1950.
Com isso, a cidade não tem apenas construções abandonadas – ela tem bairros inteiros vazios.
"Detroit é, realmente, uma das cidades mais decadentes e, ainda assim, mais bonitas que já conheci", afirma Nakamura, "e um dos poucos lugares onde uma cidade quase inteira fez as malas e se mudou para outro lugar."
A Fábrica de Automóveis Packard construiu carros entre 1903 e 1958. Após seu fechamento, ela se tornou uma das maiores construções abandonadas do mundo.
O plano é que ela seja totalmente demolida até o final de 2024, para a construção de uma nova fábrica de automóveis no mesmo local.
A pista de corrida de cavalos no meio do deserto do Arizona foi inaugurada em 1965. Ela parecia incrivelmente futurista, mas teria vida curta.
A localização remota e o calor do deserto tornaram o empreendimento inviável. Ele fechou após menos de dois anos de atividade e ficaria abandonado por décadas.
"Andando pela pista, a sensação era de estar em uma espaçonave", relembra Nakamura.
Ela visitou o local bem a tempo. Em 2015, os proprietários tentaram vendê-lo, mas não conseguiram encontrar compradores. Em 2017, ele foi demolido.
Em um canto do deserto de Mojave, na Califórnia, em frente a uma base da Força Aérea Americana, fica uma pequena e fantasmagórica coleção de aviões antigos. Ela inclui os restos de dois bombardeiros B-52.
"Este é o meu local abandonado favorito", conta Nakamura. "Eu já visitei três vezes, mas sempre penso em fazer mais uma viagem. Ficar ao lado daqueles aviões destruídos se tornou uma experiência mística para mim."
O avião F-101 Voodoo (na foto) foi um avião de combate de longo alcance que entrou em serviço nos anos 1950. "Esta carcaça se parece menos com um avião e mais como uma espaçonave que se acidentou na aterrissagem."
Apesar do seu estado atual de desordem, com as paredes cobertas de grafite e seu mobiliário arruinado, não é difícil imaginar a grandiosidade deste vasto auditório no passado.
"Mesmo no estado decadente em que o encontrei, achei o auditório ainda muito bonito", afirma Nakamura. Ela aparece na foto dentro da escola abandonada, em 2018.
"Os raios de luz que atravessavam o vitral do teto faziam os assentos de cor azul real brilharem", relembra ela.
A Itália é conhecida pelas suas construções impressionantes, mas poucas pessoas incluiriam uma fábrica abandonada na sua lista de visitas.
Nakamura visitou esta antiga destilaria em 2015, durante uma viagem de exploração urbana pelo norte e centro da Itália. Para ela, foi uma visão mágica.
"É uma simples instalação industrial de concreto", ela conta, "mas, de alguma forma, os arquitetos italianos incluíram alguns elementos de design incríveis que a tornaram muito interessante."
A torre da fábrica é particularmente imponente, com a "vastidão" do seu interior, "que parece uma catedral".
À distância, este conjunto de edifícios no belo litoral da Croácia se parece com qualquer outro resort de férias do Mar Adriático. A diferença é que, aqui, você não irá encontrar turistas.
"Quando a guerra civil dividiu a Iugoslávia em 1991, a polícia croata tomou posse desta região", explica Nakamura.
"Navios de guerra cercaram a baía e este belo resort foi transformado em escombros em um piscar de olhos."
Antes um resort glamouroso e agitado, os hotéis, agora, estão em silêncio, exceto pelos estrondos ocasionais, causados pela queda de destroços.
Construída nos anos 1950, a aldeia de pescadores de Houtouwan, na ilha chinesa de Shengshan, agora está deserta. Sua população chegou a ser de 2 mil pessoas, mas a maioria deixou a região nos anos 1990, em busca de uma vida melhor.
Algumas poucas famílias permaneceram, de forma que ela não é exatamente uma cidade-fantasma. Mas a aldeia acabou se tornando uma espécie de atração turística, em grande parte devido à sua exuberante vegetação.
"As trepadeiras cobriram muitas construções com tanta firmeza, que elas parecem ter sido embrulhadas nas plantas de propósito", conta Nakamura. "É uma visão estranha e incomum."
O Estaleiro Kawanami foi um dos primeiros lugares visitados por Nakamura como exploradora urbana.
Originalmente uma fábrica de vidro, o local passou a ser estaleiro e fábrica de munições durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), até seu fechamento, perto de 1950.
"Você pode pensar que os lugares abandonados parecem sombrios, mas eu me lembro deste local como o ápice da beleza decadente", declarou Nakamura. "Cheio de luz, árvores, cheiro de ar fresco. Todos os objetos feitos pelo homem retornam à natureza."
Ainda é possível ler as instruções para os trabalhadores, pintadas nas paredes. "Posso sentir os homens e mulheres que construíam navios no tempo da guerra."
Construído nos anos 1990 ao custo de US$ 100 milhões (cerca de R$ 560 milhões, pelo câmbio atual), o parque temático Taman Festival pretendia mudar os rumos do turismo em Bali. Ele incluía a maior piscina do país, uma enorme montanha-russa e um cinema 3D.
Mas o parque ficou aberto ao público por um período muito curto. Ele fechou em 2000, muito provavelmente devido à crise econômica na Ásia.
Seus restos fantasmagóricos geraram todo tipo de lendas urbanas, como a história de que os crocodilos do parque teriam sido deixados ali à sua própria sorte. Atualmente, o local é um local de peregrinação para os artistas do grafite – e para os exploradores urbanos.
"O clima de videogame era forte neste lugar, com o ambiente levemente artificial do parque temático se misturando com a exuberante vida verde, criando zonas de jogo perfeitas", relembra Nakamura.
Quando foi inaugurado, em 1961, o parque de diversões Nara Dreamland foi a resposta japonesa à Disneylândia, com seu castelo de conto de fadas e uma enorme montanha-russa de madeira.
Mas a inauguração da Disneylândia oficial em Tóquio, em 1983, fez com que a popularidade do parque caísse rapidamente, levando ao seu fechamento em 2006.
"No dia em que explorei este local, ele estava tão silencioso e enevoado que parecia que nós éramos as únicas pessoas que sobraram no planeta", conta Nakamura.
O parque começou a ser demolido em 2016. Agora, tudo o que resta é um pedaço de terra desolado.
"Acho que ele não merecia ser demolido, mas este parece ser o destino comum de muitos locais abandonados."
"Sou apaixonada por enormes construções de concreto e não existem muitas instalações industriais abandonadas no Japão com a escala desta usina hidrelétrica dos anos 1940 nas montanhas", segundo Nakamura.
Ela e seus colegas exploradores precisaram cruzar um rio para chegar até o local. Dentro da vasta construção, a aventura continuou com a escalada de um cano oco de 30 metros de altura.
"Usei uma escada de metal enferrujada para chegar ao átrio central, esticando minhas pernas pelo vão aberto como uma ninja", ela conta.
Precariamente empoleirada sobre a borda, ela percebeu que estava perto de um ninho de vespas.
"Na minha experiência, tentar não pensar em cair é a melhor forma de evitar a queda."
Importante: a exploração urbana é uma atividade perigosa e pode ser considerada transgressão.
O livro Project UrbEx foi publicado pela editora Thames & Hudson.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
Fonte: correiobraziliense
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