A ciência do sono e da memória deu mais um passo com uma descoberta da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, que esclarece como o cérebro processa e consolida memórias enquanto dormimos. O novo estudo, publicado na revista Sciente, revela um mecanismo crucial pelo qual o hipocampo – uma região vital para o que lembramos — reequilibra sua atividade neural durante o sono, um processo fundamental para a preservação e estabilização do que deve ser guardado.
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O estudo, liderado por Azahara Oliva, professora assistente de neurobiologia e comportamento, identificou uma nova atividade neuronal durante o sono, conhecida como barragens de potenciais de ação, ou BARR. Essas BARRs desempenham um papel essencial no reequilíbrio da rede neural do hipocampo, facilitando a consolidação da memória.
Durante a fase de sono sem movimento rápido dos olhos (NREM), os neurônios do hipocampo exibem rajadas curtas de atividade de disparo chamadas ondulações de ondas agudas (SWRs). Esses padrões são conhecidos por serem essenciais para a fixação da memória. O novo estudo revelou que um subconjunto específico de células piramidais CA2 no hipocampo dispara longas barragens de potenciais de ação durante o sono NREM. Essas BARRs ajudam a regular a atividade neuronal no hipocampo, promovendo um nível equilibrado de reativação, que é crucial para a formação de lembranças de longo prazo.
A equipe usou eletrofisiologia em larga escala para examinar a atividade neuronal em várias áreas do hipocampo de camundongos e ratos durante tarefas de aprendizado e durante o sono. Eles descobriram que, após o aprendizado, os neurônios CA1, que haviam aumentado sua atividade enquanto realizava as ações, foram inibidos por essas barragens.
Interromper os BARRs usando manipulação optogenética levou a um desempenho prejudicado na memória, sugerindo que um equilíbrio adequado de reativação neuronal é fundamental para a fixação da memória.
Heitor Éttori, médico fundador e medical board da Neurogram e mestre em neurofisiologia e neuromonitoramento Intraoperatório pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), detalha que os principais mecanismos neurobiológicos que levam à consolidação da memória durante o sono incluem a reativação neuronal, que envolve ondas lentas com capacidade de atingir regiões cerebrais distantes. "Além disso, as oscilações de frequência cerebral facilitam tanto na transferência de informações elétricas do hipocampo para demais regiões, como na reativação de memória dentro do próprio hipocampo."
Segundo Éttori, a plasticidade neuronal também facilita a consolidação da memória. "Os sonhos também estão relacionados a esses processos. Teorias sugerem que eles ajudam o cérebro a digerir informações do dia anterior ou a se preparar para novos eventos. A reativação de memórias recentes no hipocampo para promover o armazenamento em regiões corticais pode ocorrer durante os sonhos."
Além das implicações para a compreensão da consolidação da memória, os autores acreditam que essas descobertas podem ter aplicações significativas em áreas como o tratamento de distúrbios que afetam a lembrança, incluindo a doença de Alzheimer e o transtorno de estresse pós-traumático. A pesquisa sugere ainda que a manipulação desses canais pode ser uma via promissora para o desenvolvimento de novas terapias.
Sergio Jordy, neurologista da Rede D'or, em São Paulo, acredita que, no futuro, haverá medicamentos que induzam o estado regenerativo das células que acontece naturalmente no sono. "É um campo de pesquisa que ainda vai precisar de bastante evolução para conseguirmos um tratamento efetivo para essas doenças. Eventualmente vamos conseguir produzir um descanso desses neurônios de forma induzida, isso talvez possa ajudar a melhorar o metabolismo de alguma forma."
"Durante esse momento, o cérebro é preparado para as memórias do dia seguinte. Atualmente temos compreendido melhor os mecanismos de algumas áreas cerebrais, principalmente as do hipocampo. A partir do momento em que você compreende esses processos, você pode atuar sobre essas áreas", frisou o especialista.
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