O impasse em torno das eleições presidenciais na Venezuela, realizadas no dia 28 de julho, fez com que países como o Brasil e Colômbia passassem a defender um conjunto de ideias para tentar resolver a crise política no país vizinho.
Nesta quarta-feira (15/8), o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e da Colômbia, Gustavo Petro, deram declarações com poucas horas de diferença defendendo alternativas parecidas para lidar com a crise. Entre elas, uma das mais polêmicas: a realização de novas eleições no país.
Num movimento considerado por analistas como incomum na diplomacia brasileira, Lula deu uma declaração pública dizendo que ainda não reconhece os resultados das eleições na Venezuela e que o governo venezuelano deveria divulgar as atas eleitorais.
"Ainda não [reconheço]... ele sabe que ele está devendo uma explicação para a sociedade brasileira e para o mundo, ele sabe disso" disse Lula em uma entrevista a uma emissora de rádio do Paraná nesta quarta-feira.
"Se ele tiver bom senso, ele poderia tentar fazer uma conclamação ao povo da Venezuela, quem sabe até convocar novas eleições, estabelecer um critério de participação de todos os candidatos, criar um comitê eleitoral suprapartidário, em que participe todo mundo, e deixar que entrem olheiros do mundo inteiro para ver as eleições", completou Lula.
Gustavo Petro, de outro lado, utilizou seu perfil do X (antigo Twitter) para detalhar o "pacote" de medidas voltadas à Venezuela.
"Levantamento de todas as sanções contra a Venezuela. Anistia geral nacional e internacional. Garantias totais à ação política. Governo de coalizão transitório. Novas eleições livres", escreveu Petro.
As propostas, no entanto, não foram bem-recebidas pela principal líder de oposição venezuelana, Maria Corina Machado. Durante uma entrevista a jornalistas estrangeiros, ela classificou a ideia de uma nova eleição como uma "falta de respeito" em relação ao povo venezuelano.
A busca por uma solução faz parte de um movimento de Brasil e outros países da região para solucionar a situação do país vizinho. A Venezuela vive uma crise social, política e econômica há vários anos e, em julho, realizou eleições presidenciais.
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão responsável pela organização das eleições, declarou a vitória de Nicolás Maduro sobre o principal opositor, o ex-diplomata Edmundo González. Segundo o órgão, controlado pelo governo, Maduro obteve 51,2% dos votos contra 44,2% do seu opositor.
A oposição, no entanto, refutou a declaração e anunciou que, com base em dados das atas eleitorais obtidas por ela, a vitória foi de Gonzáles, com 67% dos votos.
O grupo oposicionista, países como o Brasil, Colômbia, México, Estados Unidos e instituições como a União Europeia passaram a cobrar que o regime de Maduro apresentasse as íntegras das atas eleitorais geradas por cada urna utilizada durante as eleições.
A ideia é que somente com a apresentação das atas seria possível fazer uma verificação fidedigna sobre o resultado das eleições no país. Apesar de o governo ter prometido divulgar as atas, até o momento, elas não foram liberadas.
Sem as atas e em meio à disputa sobre quem teria vencido as eleições, líderes da região passaram a buscar soluções para o impasse.
Após se oferecer para ajudar a mediar o conflito na Venezuela, junto com Brasil e Colômbia, o governo mexicano recuou. Os três são os maiores países da região governados pela esquerda e tentavam pressionar o regime de Maduro a publicar as atas eleitorais que comprovariam a vitória do líder nas eleições.
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, declarou na terça-feira (13/8) que não deve conversar com Lula e Petro sobre a crise na Venezuela, ao menos por enquanto.
O mexicano suspendeu qualquer contato enquanto o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela (TSJ) não emite um posicionamento sobre o pleito.
Diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil em caráter reservado e a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Carolina Pedroso, disseram à BBC News Brasil o que levou os dois países a proporem um novo pacote de medidas para lidar com a crise venezuelana.
A base do novo "pacote" costurado por Brasil e Colômbia, segundo as declarações de seus presidentes, é a realização de novas eleições no país. A ideia passou a circular no Brasil e na Colômbia na última semana e, nesta quarta-feira, Lula e Petro mostraram apoio à proposta.
Segundo o assessor-chefe para Assuntos Internacionais da Presidência da República, o Embaixador Celso Amorim, essa é uma das ideias na mesa de negociações e foi debatida como uma forma de tentar dirimir a crise atual na medida em que tanto Maduro quanto Edmundo Gonzales afirmam que venceram as eleições de julho.
"Nós nunca fizemos uma proposta de novas eleições. É um tema, eu ouvi isso a primeira vez, não posso dizer de quem, se me permitir, mas foi um não brasileiro [...] E eu acho que digamos, o que é curioso de novas eleições, é que tanto um quanto outro podia aceitar facilmente, né? Se eles ganharam, se eles dizem que ganharam, ganharariam de novo", afirmou Amorim em uma audiência no Senado nesta quarta-feira.
A proposta, no entanto, não foi bem-recebidas pela principal líder de oposição venezuelana, Maria Corina Machado. Durante uma entrevista a jornalistas estrangeiros, ela classificou a ideia de uma nova eleição como uma "falta de respeito" em relação ao povo venezuelano.
"Propor ignorar o que aconteceu em 28 de julho, para mim, é uma falta de respeito pelos venezuelanos que deram tudo [...] A soberania popular deve ser respeitada — disse María Corina em uma conferência virtual com jornalistas.
Um dos pontos mais polêmicos desta proposta é sobre quais garantias o regime de Maduro daria de que estas novas eleições seriam justas e abertas à verificação internacional.
Amorim destacou no Senado que, caso a proposta fosse aceita pelo governo e pela oposição, um novo sistema de monitoramento das eleições seria necessário.
Segundo ele, a disputa na Venezuela teria que ocorrer mediante um novo sistema de "vigilância" com a presença de observadores estrangeiros.
"Claro que se fossem novas eleições ou qualquer outra solução, teria que ser sob um sistema de vigilância diferente do que houve agora. Teríamos que encontrar uma solução para que não se repita o que aconteceu", disse Amorim.
Nas eleições deste ano, observadores da União Europeia foram "desconvidados" pelo governo de Maduro às vésperas do pleito. A verificação acabou ficando a cargo de partidos de oposição e do Centro Carter, uma organização não-governamental norte-americana.
Após as eleições, o centro emitiu um comunicado afirmando que o pleito no país não foi considerado democrático e que a vitória teria sido de Gonzáles e não de Maduro.
Outro ponto polêmico do "pacote" defendido pela Colômbia e sobre o qual o Brasil também debate é uma anistia geral "nacional e internacional" a membros do atual governo Maduro e de oposicionistas.
A proposta já havia sido aventada por Petro em abril deste ano, durante a visita de Lula a Bogotá.
Na ocasião, a proposta previa que tanto o governo quanto a oposição deveriam se comprometer a não perseguir um ao outro independente do resultado das eleições de julho por meio de um plebiscito antes do pleito.
A proposta, no entanto, não foi adiante.
Agora, a proposta apresentada por Petro é mais ampla e prevê uma anistia nacional e internacional a atores políticos venezuelanos.
Apesar de Petro não detalhar o assunto em sua postagem, a BBC News Brasil apurou que essa anistia é vista como estratégica entre os negociadores especialmente para atender possíveis membros do governo Maduro, incluindo ele mesmo, uma vez que são alvos de sanções impostas por países como os Estados Unidos.
'Maduro, por exemplo, é alvo de um mandado de prisão por seu suposto envolvimento com o tráfico de drogas internacional desde 2020, quando o presidente era Donald Trump. O governo norte-americano ofereceu uma recompensa de US$ 15 milhões por informações que levassem à sua prisão.
A BBC News Brasil apurou que o governo norte-americano avalia medidas como o relaxamento de algumas sanções impostas contra autoridades venezuelanas como forma de viabilizar uma transição no país, mas não obteve detalhamento sobre se esse alívio incluiria anistia a Maduro ou outros membros de seu governo.
Um outro elemento defendido por Lula e Petro é a formação de uma espécie de coalizão entre o governo de Maduro e líderes da oposição para comandar o país ainda que de forma transitória.
'"[Uma das alternativas é] fazer um governo de coalizão. Convoca a oposição. Muita gente que tá no meu governo não votou em mim, e eu trouxe todo mundo para participar do governo", disse Lula.
"Maduro tem seis meses do (atual) mandato ainda. Se tiver bom senso, poderia tentar fazer uma conclamação ao povo da Venezuela, quem sabe até convocar novas eleições, estabelecer um critério de participação de todos os candidatos, criar um comitê eleitoral suprapartidário em que participe todo mundo e deixar que entrem olheiros do mundo inteiro", complementou o petista.
Para Petro, essa coalizão também seria transitória e destinada a preparar o país para novas eleições.
Até o momento, não houve manifestações públicas do governo Maduro sobre as propostas feitas por Lula e Petro.
Um dos principais temores entre os integrantes do governos de Brasil e Colômbia governos é de que a indefinição sobre o vencedor das eleições na Venezuela termine gerando um agravamento da crise e criando situações como a ocorrida em 2019, quando o opositor Juan Guaidó se autoproclamou presidente do país e obteve o apoio de diversos países, entre eles o Brasil e os Estados Unidos, governados à época por Jair Bolsonaro (PL) e Donald Trump, respectivamente.
Apesar da auto-proclamação, Guaidó nunca exerceu, efetivamente, o comando do país e, paulatinamente, foi perdendo o suporte internacional à sua pretensão.
Agora, há a preocupação de que uma situação semelhante se repita com um novo líder de oposição, Gonzales, que declarou ter sido o vencedor das eleições venezuelanas com base nas atas que a oposição afirma ter em seu poder.
Um diplomata brasileiro ouvido pela BBC News Brasil disse que o governo brasileiro avalia que apoiar a vitória de González sem a apresentação oficial de todas as atas poderia criar um impasse ainda maior junto ao governo da Venezuela e interromper a capacidade do Brasil de tentar influenciar no desfecho da crise.
O temor de que González se torne uma espécie de "novo Guaidó" também é compartilhado por autoridades norte-americanas.
A BBC News Brasil apurou que a atual administração democrata nos Estados Unidos avaliam que o governo republicano de Trump errou ao chancelar Guaidó e que fazer o mesmo com González neste momento seria repetir o equívoco.
Essa avaliação, no entanto, não impediu o secretário-de-Estado norte-americano, Antony Blinken, de declarar que Gonzáles teria sido o vencedor das eleições, no dia 1º de agosto.
A BBC News Brasil apurou, no entanto, que os Estados Unidos vêm tentando recalibrar a posição do país sobre para possibilitar uma saída da crise e que, nos bastidores, vêm prestando apoio à iniciativa de Brasil e Colômbia.
Na raiz do atual impasse sobre as eleições na Venezuela estão as atas das urnas eleitorais venezuelanas.
As atas são documentos gerados pelas urnas utilizadas no país e que podem ser usadas para conferir o total de votos destinado a cada um dos candidatos que disputaram as eleições.
Em eleições anteriores, as atas eram disponibilizadas pelas autoridades venezuelanas logo após os pleitos, mas, desta vez, os documentos não foram divulgados.
Sem essa divulgação, a verificação independente sobre quem venceu a disputa não foi possível.
Apesar de o CNE ter informado que Maduro venceu as eleições com 51,2% dos votos, a oposição afirma ter obtido 80% das atas e que elas indicariam que o vencedor, na realidade, foi Gonzales.
Desde o final de julho, os governos de Brasil, Colômbia e México, vinham cobrando a apresentação, por parte do CNE, das atas eleitorais.
O assessor para Assuntos Internacionais do presidente Lula, o embaixador Celso Amorim, disse nesta quarta-feira em audiência no Senado, que ouviu de Maduro que elas seriam apresentadas.
"Estive com ele no dia da eleição e, após uma conversa inicial, eu insisti na entrega das atas e ele me disse, se dirigindo a mim e na presença da Assembleia (Nacional da Venezuela, Jorge Rodriguez), ele disse que elas sairiam nos próximos dias", disse Amorim.
As atas, no entanto, nunca foram apresentadas.
Um diplomata brasileiro ouvido pela BBC News Brasil em caráter reservado afirmou que, apesar da insistência do governo brasileiro em torno das atas, a expectativa é de que, quanto mais o tempo passa, menos provável é que elas sejam apresentadas.
A professora Carol Pedroso disse à BBC News Brasil que os últimos acontecimentos têm feito o Brasil buscar novas soluções para a crise venezuelana e a mudarem o tom ao se referirem a aspectos da política interna de um país vizinho.
"Essas declarações (de Lula e Petro) confirmam que a diplomacia brasileira está trabalhando com a hipótese de realizar novas eleições, demonstram o tamanho do problema que a Venezuela representa", afirmou a professora.
Segundo ela, o Brasil avalia cenários em que a situação da Venezuela pode se agravar caso a crise não seja solucionada. Por isso, alternativas como novas eleições são colocadas na mesa de negociação.
"Há analistas que chegam a propor que a situação venezuelana tem feito o Brasil ter que lidar com a seguinte encruzilhada: o que é menos pior? Lidar com um país aos frangalhos em termos de estado de direito ou com a possibilidade de uma intervenção externa para resolver essa situação? Se os termos são esses [...] pensar em saídas menos drásticas, ainda que menos tradicionais, tem sido a escolha do país nesse momento", disse a professora.
Um outro fator apontado por Carol Pedroso é o fator tempo. Pela Constituição venezuelana, o atual mandato de Maduro termina em janeiro de 2025. Em um cenário ideal no qual Maduro tivesse perdido as eleições, como alega a oposição, este seria o prazo para que a transição de poder ocorresse.
Em tese, este prazo também levaria os países envolvidos em uma solução para a crise venezuelana a recalibrar suas posições. O dilema seria: como manter relações com um governo cuja crise de legitimidade oriundo do processo eleitoral ainda não teria ido resolvida?
Um diplomata ouvido pela BBC News Brasil em caráter reservado afirmou à BBC News Brasil que os quase seis meses até o fim do mandato de Maduro são tempo suficiente para que as negociações sobre o futuro do país avancem.
Ele também disse que não está no horizonte do governo romper relações com a Venezuela ainda que as atas não sejam apresentadas.
A posição é semelhante à que Celso Amorim deu a senadores nesta quarta-feira.
"O presidente Maduro tem pela frente quase seis meses (de mandato) de acordo com a Constituição atual. Ele é o presidente da Venezuela e queremos que esses seis meses não ofereçam palco para violência de um lado ou de outro", afirmou.
Carol Pedroso, no entanto, avalia que o tempo vem mostrando um esgotamento das opções diplomáticas para a solução desta crise e isso explica, por exemplo, o tom adotado por Lula em relação ao não reconhecimento, até o momento, do resultado das eleições venezuelanas.
"Diante de uma situação tão anormal, as ferramentas normais da diplomacia não estão servindo", disse.
O governo venezuelano tem reagido duramente contra manifestantes e opositores que participam dos protestos iniciados após o anúncio da reeleição de Maduro.
Ao menos 25 pessoas morreram e 192 ficaram feridas, segundo o procurador-geral do país, Tarek William Saab.
Esse número é semelhante ao que tem sido divulgado por organizações de direitos humanos, que relataram 24 mortos durante as manifestações ocorridas após as eleições presidenciais de 28 de julho.
Saab afirmou, segundo o periódico venezuelano El Universal, que o maior número de mortes ocorreu na capital, Caracas, e em Aragua, com sete óbitos cada. Outros casos foram reportados em Bolívar, Miranda e Zulia.
O procurador disse que tem 170 vídeos com as perícias – e que, com base nas imagens, é possível afirmar que mais da metade dos feridos são funcionários de segurança do Estado.
Além das mortes e das pessoas feridas, há relatos de centenas de pessoas presas - entre elas o líder do partido Vontade Popular, Freddy Superlano.
O Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, disse estar "alarmado com relatos do uso desproporcional da força por parte dos responsáveis ??pela aplicação da lei" no país.
A missão internacional independente de investigação sobre a Venezuela, encarregada de investigar alegações de crimes contra a humanidade durante o governo Maduro, expressou "profunda preocupação com a violência e alegações de violações dos direitos humanos registradas no país após as eleições presidenciais".
Fonte: correiobraziliense
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