A ativista comunitária Walaa Najeh Hassan, 30 anos, tenta sobreviver na cidade de Deir Al-Balah, no centro da Faixa de Gaza. Não existe mais local seguro no enclave palestino e permanecer vivo é quase uma loteria. Nesta sexta-feira (16/8), a guerra travada pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) contra o movimento extremista Hamas completou 15 dias.
A ofensiva militar, uma retaliação ao massacre de 7 de outubro de 2023, quando 2 mil terroristas invadiram o sul de Israel, mataram cerca de mil pessoas e sequestraram 300, deixou mais de 40 mil mortos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas. De acordo com o mesmo balanço, o número de feridos passa de 92.400. O governo israelense alega que 17 mil palestinos mortos eram "terroristas". Até 16 de julho, o Exército israelense indicou que havia realizado ataques aéreos contra 37 mil "alvos" e contra "mais de 25 mil infraestruturas terroristas e plataformas de lançamento" de projéteis na Faixa de Gaza desde o início da guerra.
A palestina Walaa sente como se a rotina estivesse refém das bombas. "De repente, nossas vidas pararam, e uma guerra feroz e letal irrompeu. Fomos deslocados, fugindo da morte, dezenas de vezes", relatou ao Correio, por meio do WhatsApp. Cada bombardeio traz o pânico e a incerteza. "Quando o apito do míssil soa, repentinamente, você não sabe para onde correr. Você se descobre vendo chamas e escuta o som da explosão, que perfura-lhe os ouvidos. Depois, os barulhos de gritos, as ambulâncias, os feridos, os mortos e muita dor", desabafou Walaa. "Quando o Exército israelense se aproxima, você precisa abandonar o seu local imediatamente. Então, você não sabe o que levar nem o que deixar. Você chora, quando se sente exausto, com fome, sem ninguém para cuidar de você, desabrigado e fragilizado", acrescentou.
A reportagem perguntou a Walaa se ela perdeu alguém conhecido nesses mais de 10 meses de guerra. "Na minha visão, todos os mortos eram meus irmãos, meus familiares e amigos", respondeu. É como se, em meio à matança, os palestinos estivessem unidos por uma mesma causa. "Mas, em particular, dois dos meus primos se tornaram mártires", contou, ao utilizar um termo para se referir a quem teve a vida ceifada durante a guerra.
"Meu marido perdeu as duas pernas. Nosso vizinho foi martirizado, com 20 membros de sua família. Minha amiga e sua irmã gêmea, também. Uma colega, o marido, seu filho... Muitos, muitos mais. A lista continua", disse ela. Ao ser questionada sobre a nova tentativa de negociar um cessar-fogo em Gaza, mediada pelos governos do Egito e do Catar, ela afirmou: "Eu apoio qualquer acordo de que detenha a guerra".
Khalil Abu Shammala, 59, vive como refugiado em Khan Yunis (sul), depois de ser forçado a abandonar sua casa na Cidade de Gaza. Enquanto falava ao Correio, por telefone, a reportagem pôde escutar o barulho incessante de drones israelenses que patrulham o território palestino para captar dados de inteligência e atacar alvos. Ele acredita que, além dos 40 mil mortos, outros 40 mil moradores estão presos sob os escombros ou escondidos na rede de túneis. "O Ministério da Saúde de Gaza informou que mais de 15 mil palestinos não foram registrados como mortos", explicou.
Com a voz denotando cansaço, Abu Shammala assegura: "Nós vivemos no meio de um genocídio". "Essa é a descrição correta para o que enfrentamos, pois ninguém pode saber quem será o próximo", afirmou. De acordo com ele, a maioria dos mortos nos bombardeios é formada por civis, crianças e bebês. "Na última terça-feira (13/8), uma mãe e duas crianças foram assassinadas em Gaza. Não é o único exemplo. Há tantas histórias trágicas de pessoas que acabaram mortas", declarou. Mohammed Abu al-Qumsan tinha acabado de registrar os filhos gêmeos, de apenas três dias, quando recebeu a notícia de que a esposa e os bebês morreram em um ataque aéreo israelense.
Ele avalia o momento atual como o pior desde o início da guerra. "O genocídio continua. Israel bombardeia todos os lugares de Gaza. Não existe um único local seguro em Gaza. Todos os locais são perigosos", garante. Abu Shammala explicou que ele faz parte de uma das maiores famílias de refugiados do enclave. "Perdemos mais de 250 membros de nossa família. Eu conhecia centenas de pessoas que foram mortas em diferentes áreas de Gaza. Algumas delas eram meus amigos muito próximos", acrescentou ao Correio.
O refugiado em Khan Yunis vê com ceticismo as negociações em Doha. "Não se trata de um acordo de paz, mas de tratativas para etapas de cessar-fogo. Creio que eles afirmarão que as negociações entraram em colapso. Benjamin Netanyahu (premiê de Israel) não quer assinar um acordo, por uma série de razões."
Volker Türk, alto comissário da ONU para os direitos humanos, lembrou que, em média, aproximadamente 130 pessoas morreram todos os dias em Gaza durante os últimos dez meses. "A magnitude da destruição de casas, hospitais, escolas e locais de culto pelo Exército israelense é profundamente chocante", disse, em um comunicado. Ele se referiu ao número de 40 mil mortos como "um marco sombrio". "Esta situação inimaginável se deve em grande parte às violações recorrentes das normas de guerra por parte das forças de defesa israelenses", disse ele. Não bastassem os bombardeios, a Faixa de Gaza registrou, na última sexta-feira (16/8), o primeiro caso de poliomielite em 25 anos.
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