23 de Novembro de 2024

Por que ofensiva ucraniana na Rússia traz dilemas para os EUA


Washington ainda está absorvendo o impacto do ataque surpresa da Ucrânia na região de Kursk, na Rússia, na medida em que vai entendendo o tamanho da aposta ousada do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

Autoridades americanas estão avaliando o quanto essa incursão poderá alterar as dinâmicas política e militar desta guerra, bem como as implicações para a posição de Washington sobre como a Ucrânia pode usar armamentos fornecidos pelos americanos.

A incrível operação — que pegou líderes russos e ocidentais de surpresa — ressalta um dos dilemas de maior risco para o apoio do Ocidente à Ucrânia: o presidente americano, Joe Biden, vem consistentemente tentando dar mais poder a Kiev para que ele lute contra a invasão russa sem arriscar uma escalada de tensões americanas com Moscou.

Como Putin sempre tentou retratar esse conflito como uma guerra entre a Rússia e o Ocidente, Biden buscou colocar limites claros na política americana para esvaziar essa narrativa e prevenir hostilidades.

Mas o ataque da Ucrânia a Kursk — a maior incursão na Rússia por um poder militar externo desde a Segunda Guerra Mundial, segundo analistas militares — provocou questões urgentes para a Casa Branca.

A operação expandiu as fronteiras estabelecidas por Washington para como a Ucrânia deve usar sistemas de armas fornecidos pelos Estados Unidos e pela Otan? Ela pode estar cruzando a linha vermelha estabelecida pela Rússia para o envolvimento do Ocidente na guerra? Se não, Zelensky mostrou a Washington que Putin estava blefando?

Apesar dos riscos e incertezas, há uma sensação de admiração e surpresa entre alguns oficiais em Washington com a tática de Zelensky. É possível deduzir uma posição americana ao se reunir as declarações de autoridades americanas na última semana.

O governo dos EUA insiste que a Ucrânia não deu nenhum aviso prévio aos americanos sobre o ataque. A porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, disse que Washington não tem "nada a ver" com isso.

Quanto ao uso de armas americanas, porta-vozes da Casa Branca, do Pentágono e do departamento de Estado não confirmam se elas estão sendo usadas ou não, mas parece bastante claro que elas estão sendo usadas, dada a dependência da Ucrânia em sistemas fornecidos pelos EUA e pela Otan. Vladislav Seleznyov, ex-porta-voz das forças armadas da Ucrânia, disse à rádio Voz da América que lançadores de foguetes HIMAR, fornecidos pelos EUA, foram fundamentais na operação.

A aprovação dos EUA para o uso de armas pela Ucrânia na incursão em Kursk certamente está implícita. O porta-voz do Pentágono, o general de brigada Patrick Ryder, disse nesta semana: "Nós avaliamos que eles estão dentro dos limites de princípios que estabelecemos. Esses princípios não mudaram no que se refere em particular ao uso de armas americanas".

Autoridades disseram que o ataque foi "consistente" com seus princípios "desde o começo" para que a Ucrânia possa se defender de ataques que venham do outro lado da fronteira.

Mas a porta-voz do Pentágono, Sabrina Singh, acrescentou: "Novamente, nós não apoiamos ataques de longo alcance na Rússia. Eles são mais para fogo cruzado. Eu não vou estabelecer um alcance específico.”

Os EUA são o maior fornecedor de armas para a Ucrânia — o que torna a relação entre ambos mais importante para as perspectivas da Ucrânia. No começo do mês, o Pentágono autorizou o 63º envio de equipamentos em três anos, incluindo mísseis Stinger e cartuchos de artilharia. Mas desde o começo da invasão da Rússia, a abordagem de Biden foi marcada por inicialmente recusar o envio de sistemas mais avançados — como os foguetes Himars, os mísseis Patriot e os caças F-16 — para depois mudar de ideia.

O mesmo vale para política da Casa Branca sobre os ataques da Ucrânia em território russo.

Por meses, Zelensky pediu permissão para atacar alvos militares na Rússia que facilitavam ataques russos na Ucrânia. Em maio, Biden finalmente autorizou o uso de armas americanas para ataques na fronteira com a Rússia, mas apenas com alcance limitado a partir da região de Kharkiv — que estava sob ataque russo. A Casa Branca descreveu as ações ucranianas como medidas de "contra-ataque".

"Elas [as armas] estão autorizadas a serem usadas próximo à fronteira quando [postos militares russos] estão sendo usados do outro lado da fronteira para atacar alvos específicos na Ucrânia", disse Biden em junho. "Não estamos autorizando ataques 200 milhas dentro da Rússia e não estamos autorizando ataques a Moscou, no Kremlin."

Algumas semanas depois, a mesma permissão foi estendida para qualquer ponto ao longo da fronteira onde a Rússia estivesse preparando um ataque contra a Ucrânia.

Desde então, Zelensky e alguns aliados europeus e outros democratas em Washington têm pedido que os EUA "desatem" as mãos da Ucrânia. Especificamente, o líder ucraniano quer poder usar mísseis de longo alcance dos EUA (ATACMS) contra alvos no interior da Rússia, para atacar postos de lançamento de mísseis e de drones. Washington não aceitou o pedido.

Pairando sobre todas estas decisões estão os alertas sombrios de Putin, que no passado ameaçou usar "todos os meios disponíveis" caso a integridade territorial russa esteja sob ameaça. E além disso, há a possibilidade de uso de armas nucleares caso ele acredite que o Ocidente está se tornando uma ameaça intolerável à Rússia por causa da guerra na Ucrânia.

Em última instância, a posição de Biden pode ser resumida da seguinte forma: a Ucrânia pode decidir como melhor se defender usando armas americanas, incluindo ataques que cruzem a fronteira, mas dentro de limites claros — incluindo o não uso de mísseis de longo alcance. As palavras do presidente americano em junho sugerem que os limites da Ucrânia são "próximos à fronteira".

A ofensiva em Kursk leva o dilema dos EUA a um patamar inédito e inesperado — tanto no sentido literal quanto figurado. A incursão da Ucrânia é um ataque terrestre transfronteiriço, supostamente envolvendo algo entre 5 mil e 12 mil soldados. Relatos não confirmados da Rússia sugerem que os ucranianos avançaram 30 quilômetros em território russo.

No meio da semana, Kiev anunciou que controlava mil quilômetros quadrados de território russo, incluindo mais de 70 vilas e cidades, e que havia capturado centenas de prisioneiros de guerra. Autoridades russas dizem que cerca de 132 mil pessoas deixaram suas casas.

Com autoridades americanas ainda reticentes em falar publicamente sobre qualquer detalhe, eu sinto que eles ainda estão tentando compreender o que tudo isso significa para a situação no campo de batalha, para o futuro da guerra e como isso afetará os cálculos de Putin.

Se Zelensky estava frustrado com o que via como zelo excessivo ou lentidão no processo de decisões de Biden sobre autorizações de uso de armas, ele pode estar demonstrando que pode forçar sua mão — assim como a de Putin. É uma aposta ousada.

Fonte: correiobraziliense

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