Em meio ao otimismo e diante de uma plateia efusiva, Kamala Harris, 59 anos, recebeu o bastão de Joe Biden, 81, para confirmar, nos próximos 79 dias, o favoritismo construído desde a desistência do presidente. A primeira noite da Convenção Nacional Democrata, no United Center, em Chicago, marcou a unidade do partido em torno de um propósito: impulsionar a candidatura da vice e ex-senadora negra, filha de imigrantes, para derrotar o magnata republicano Donald Trump.
Às 20h10 (22h10 em Brasília), Kamala contrariou a tradição e discursou, de surpresa, por dois minutos. A vice voltou a elogiar Biden e prometeu que "esta será uma grande semana". "Eu quero inaugurar a convenção celebrando o nosso incrível presidente Joe Biden. Joe, obrigada por sua liderança histórica e seu serviço de uma vida inteira em prol do país. Por tudo o que continuar a fazer, somos eternamente gratos a você!", disse.
"Ao olhar para vocês, vejo a beleza de uma grande nação. Pessoas de todos os cantos de nosso país (...) unidas pela visão partilhada do futuro. Em novembro, viremos juntos, e declararemos com uma voz, como um só povo: 'Estamos nos movendo adiante'. Com otimismo, esperança e fé, guiados pelo amor ao nosso país", acrescentou, arrancando aplausos da multidão e do candidato a vice, o governador de Minnesota, Tim Walz. O pronunciamento de Kamala está marcado para quinta-feira, quando aceitará a indicação do partido.
Até às 23h desta segunda-feira (19/8), Biden não tinha subido ao palco para discursar. Depois dele, estava previsto que a ex-scretária de Estado Hillary Clinton também falaria aos colegas e eleitores democratas. As mais recentes pesquisas colocam Kamala à frente de Trump. No domingo, uma sondagem do Washington Post-ABC News-Ipsos traz a democrata com 49% dos votos contra 45% para o republicano. A margem de erro é de 2,5 pontos percentuais. No mês passado, outro levantamento do trio mostrava Biden e Trump empatados, com 46%.
Outro momento surpreendente da primeira noite da convenção foi a exibição de um vídeo sobre a história de Rich Logis, 47 anos, um morador de Deerfield Beach (Flórida), que, de eleitor fervoroso de Trump, passou a trabalhar de forma apaixonada pela campanha de Kamala. "Fico muito honrado por 'dividir' o palco com o presidente Biden e com Hillary Clinton. Com o meu vídeo, pretendo que os americanos desiludidos saibam que este é um momento decisivo de nossa história, no qual alianças improváveis, porém necessárias, são essenciais para fazermos com que o país siga adiante. Os EUA precisam superar rapidamente Trump", afirmou ao Correio, por telefone.
Logis disse saber que a maioria dos americanos coloca a nação acima de suas convicções partidárias. "Kamala-Walz é a chapa mais inclusiva da história dos Estados Unidos. É algo sem precedentes que uma candidata a presidente de um grande partido tenha convidado não democratas e não republicanos a participarem diretamente da campanha", comentou. Para ele, isso mostra que a vice de Biden tem respeito pela diversidade de opiniões. "A comparação entre Kamala e Biden é ilógica. Kamala moverá o país adiante, enquanto Trump atrasará a nossa nação", concluiu o ex-tumpista.
Independentes
Professor de ciência política e política pública da Universidade da Califórnia do Sul (USC), Christian Grose explicou ao Correio que, para vencerem em 5 de novembro, os democratas devem aproveitar o ímpeto criado pela substituição de Biden por Kamala. "As convenções políticas modernas nos EUA são usadas para destcar o indicado do partido. Quando Biden era o potencial candidato, democratas estavam menos entusiasmados. Além disso, um número importante de eleitores se identificam como independentes. Eles podem se inclinar para um partido ou outro, mas não fortemente. Essa parcela estava insatisfeita com uma disputa entre Biden e Trump. Com Kamala no topo da chapa, eleitores independentes que pendem para os democratas estão empolgados", afirmou.
Ainda segundo Grose, Kamala e os democratas usarão a convenção para cotinuarem a moldar entusiamo entre os partidários e persuadir os eleitores independentes a votarem na presidenciável. "Geralmente, os democratas ganham entre dois e cinco pontos percentuais em convenção, às vezes mais. Kamala tentará aproveitar a pequena vantagem nas pesquisas para ficar ainda maior", lembrou.
Por sua vez, Barbara McQuade, professora de direito na Universidade de Michigan e ex-procuradora federal, aposta que um apelo à unidade, durante os próximos três dias em Chicago, ajudará Harris a manter seu apoio popular até 5 de novembro. "Muita coisa pode ocorrer até o dia da eleição. Kamala parece estar desfrutando de popularidade neste momento por fornecer uma visão de unidade voltada para o futuro, o qual ela abraça com otimismo, em vez de uma visão baseada no medo e na divisão", disse ao Correio, por e-mail.
Robert W. Speel, cientista político da Penn State Behrend (em Erie, Pensilvânia), aposta que os democratas definirão políticas que pensam serem populares. "Também buscarão alcançar os eleitores republicanos e independentes que não gostam de Trump ou que assistem a uma radicalização do Partido Republicano", admitiu à reportagem. De acordo com Speel, até o mês passado, a maioria dos eleitores percebiam que os democratas tinham um candidato velho e cansado. "Agora, eles entendem que Kamala parece jovem, cheia de energia e de entusiasmo. Aliás, essa última palavra marcará os próximos dias até 5 de novembro." O estudioso acredita que Kamala tem uma "chance muito boa" de se tornar a primeira mulher a presidir os EUA. "A menos que haja um escândalo inesperado ou que ela cometa algum erro sério, provavelmente é a favorita para vencer."
"Quero reparar meus erros por apoiar Trump"
"Fui um ativista do Make America Great Again ('Faça a América Grande Novamente' ou MAGA) e, hoje, faço parte da equipe de republicanos que apoiam a eleição de Kamala Harris, na Flórida. Entre 2016 e 2020, fui um voluntário da campanha de Donald Trump. Eu telefonei para bancos, mostrei onde as pessoas deveriam se registrar, trabalhei da forma que pude para ganhar votos. Eu o via como ideal para o cargo de presidente, naquele momento. Ajudei Donald Trump a dividir a sociedade e, agora, quero fazer reparos e corrigir alguns danos que causei ao meu país. Comecei a questionar meu apoio a Trump em 2021. Fiquei muito desiludido com a maneira com que ele e o governador Ron DeSantis gerenciaram a pandemia da covid-19, incluindo a vacinação.
Também descobri coisas sobre a insurreição de 6 de janeiro de 2021 e percebi que o presidente Donald Trump foi, até certo ponto, culpado pelo que aconteceu. Em fevereiro de 2022, o Partido Republicano considerou a insurreição como se fosse um discurso político correto. Finalmente, houve o tiroteio em massa em uma escola de Uvalde, no Texas, em maio de 2022. Durante um ano, lutei contra minhas dúvidas e minha confusão sobre se eu poderia continuar apoiando Trump. Em agosto de 2022, publiquei um artigo em que reconhecia meu erro por avalizá-lo. Trump foi um perturbador da democracia e das instituições."
Rich Logis, 47 anos, mora em Deerfield Beach (Flórida). Ex-simpatizante fervoroso de Trump, hoje apoia Kamala Harris e trabalha na campanha democrata
"Kamala é a favorita para conquistar a Presidência dos EUA a partir de hoje. Isso pode mudar, é óbvio. Por causa de seu ímpeto, os democratas se consolidaram com forte apoio a ela e ao vice, Tim Walz. As pesquisas dos principais estados-chave mostram Kamala e Trump muito próximos um do outro. Mas, Kamala tem uma vantagem muito pequena neste momento."
Christian Grose, professor de ciência política e política pública da Universidade da Califórnia do Sul (USC)
"Donald Trump fomenta a desinformação para atiçar a divisão na sociedade. Ele prometeu buscar vingança contra seus inimigos políticos e nomear um procurador especial para perseguir seus acusadores. Seus esforços para reverter a eleição de 2020 violou as normas democráticas. Por essas razões, eu o vejo como uma ameaça à democracia norte-americana."
Barbara McQuade, professora de direito da Universidade de Michigan e ex-procuradora federal
O "apoio" de Taylor Swift a Trump
O republicano Donald Trump compartilhou imagens manipuladas nas redes sociais, nas quais ele atribui a si mesmo o apoio de Taylor Swift e de seus fãs à sua campanha eleitoral, em um aparente esforço para aproveitar a influência da cantora nas eleições dos Estados Unidos. Swift não declarou publicamente apoio a nenhum candidato para as eleições de 5 de novembro; ao contrário de 2020, quando avalizou o presidente Joe Biden e criticou Trump. No domingo, o magnata compartilhou capturas de tela de publicações com imagens manipuladas que sugerem que a popstar e seus fãs, conhecidos como Swifties, o apoiam. "Eu aceito!", escreveu Trump em uma mensagem na rede Truth Social que mostra um pôster de Swift pedindo aos fãs que votem nele (foto).
Processo de impeachment
No dia da abertura da Convenção Nacional Democrata, os congressistas republicanos apresentaram um processo formal para a destituição do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Três comitês da Câmara de Representantes, onde os republicanos têm maioria, acusam o democrata de corrupção nos negócios de seu filho Hunter no exterior. Jim Jordan, chefe do Comitê do Judiciário, afirma que a investigação provará "conclusivamente" que o titular da Casa Branca "abusou do seu cargo público para o benefício financeiro da família Biden e dos seus associados". A medida, no entanto, tem grande chance de fracassar, na opinião de especialistas.
O arsenal de J.D. Vance
Candidato a vice na chapa republicana, J.D. Vance aproveitou um comício na Filadélfoa para atacar o plano econômico anunciado por Kamala Harris na sexta-feira. "Kamala está correndo por todo o país e dizendo que, no primeiro dia de governo, quer controlar o custo dos bens e da habitação. Ela diz que, dede o primeiro dia, quer tornar os mantimentos e as casas mais acessíveis para os cidadãos americanos", declarou. "Bem, Kamala Harris, onde você esteve? Porque você é vice-presidente há cerca de 1.300 dias. O primeiro dia foi há 3 anos e meio. Você deveria estar fazendo seu trabalho", disparou Vance.
Irã suspeito de ataque
Agências federais de inteligência dos Estados Unidos atribuíram ao Irã a responsabilidade pelo ataque cibernético contra a campanha de Donald Trump revelado no último dia 10. "Observamos uma atividade iraniana cada vez mais agressiva durante este ciclo eleitoral, que inclui as atividades relatadas recentemente para comprometer a campanha do ex-presidente Trump, que a comunidade de inteligência atribui ao Irã", apontaram o FBI (a polícia federal dos EUA), o Escritório do Diretor de Inteligência Nacional (ODNI) e a Agência de Segurança Cibernética e Infraestrutura (Cisa). Em 10 de agosto, comunicações internas e um expediente sobre J.D. Vance, companheiro de chapa do magnata republicano, vazaram da campanha de Trump.
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