22 de Novembro de 2024

Por que Mildred Gillars foi a mulher mais odiada dos EUA após 2ª Guerra


"Aqui é Berlim chamando as mães americanas. E eu gostaria de dizer a vocês, meninas, que quando Berlim liga vale a pena ouvir, porque há uma garota americana no microfone com algumas palavras verdadeiras para suas compatriotas em casa."

A compatriota que transmitia via rádio durante a Segunda Guerra Mundial da Alemanha nazista era Mildred Gillars.

Mas seus programas, transmitidos a partir de Berlim via ondas curtas, não eram tão amigáveis como talvez a introdução pudesse sugerir.

As “verdades” de que falava faziam parte de uma guerra psicológica arquitetada por Josef Goebbels, o líder da propaganda nazista.

Naquela época, o rádio era o grande meio de difusão de mensagens, sendo utilizado tanto pelas Potências do Eixo – Alemanha, Itália e Japão – quanto pelas forças Aliadas.

Para o Terceiro Reich, ter uma voz como a de Gillars, não apenas com um tom agradável, mas com o sotaque familiar do Meio-Oeste americano, era o ideal.

Assim, seus programas, destinados a desmoralizar tanto os americanos em casa quanto os soldados nos campos de batalha, multiplicaram-se.

“Uma derrota para a Alemanha significaria uma derrota para os Estados Unidos”, disse Gillars.

“Malditos Roosevelt e Churchill, e todos os judeus que tornaram esta guerra possível”, falava, sempre responsabilizando pelo conflito o presidente dos EUA, o primeiro-ministro britânico e o povo judeu.

Também havia programas especiais voltados para “mães, esposas e namoradas” com entes queridos nas batalhas.

Utilizando informação da inteligência alemã, ela contava histórias de soldados que tinham sido capturados, feridos ou mortos, citando informações específicas sobre o destino sombrio deles.

A Sylvia Edinger, de Santa Monica, Califórnia, Gillars contou que a perna esquerda do irmão dela tinha sido esmagada. E à família do piloto George Jones, que ele não tinha sobrevivido a um salto de paraquedas.

Dizia que todos os entes queridos das ouvintes iriam perder a vida. "Na melhor das hipóteses, voltariam para casa aleijados, mutilados, inúteis para o resto de suas vidas. Por quem? Por Franklin D. Roosevelt, Churchill e seus companheiros judeus".

Outros programas foram concebidos para desmoralizar os americanos na linha da frente, menosprezando o propósito da guerra e prevendo o destino horrível que os aguardava, considerando a força do inimigo.

Além disso, com voz sussurrante, tentava semear dúvidas sobre a fidelidade das esposas e namoradas nos EUA enquanto eles estavam nos campos de batalha ou sobre como seriam recebidos quando voltassem mutilados.

Eles acabariam, previa ela, derrotados, sozinhos e rejeitados.

Embora entregasse aquelas doses diárias de mensagens destinadas a destacar a solidão, o cansaço e a futilidade da luta contra a Alemanha, Gillars era popular entre o público que tinha como alvo.

“Na Europa, as tropas americanas da Segunda Guerra Mundial lutam contra dois inimigos: os alemães e o tédio”, observou um artigo do Saturday Evening Post de janeiro de 1944 que ajuda a explicar o apelo de Gillars.

“O rádio é uma das formas preferidas de preencher o tempo de inatividade”, continuou, revelando que “uma das favoritas dos soldados é uma jovem com uma voz doce que transmite programas dirigidos a eles a partir da Rádio Berlim”.

“As tropas apelidaram-na de Axis Sally”, disse o meteorologista do Corpo Aéreo do Exército dos EUA, cabo Edward Van Dyne, acrescentando:

“Ela tem uma voz que escorre como mel de uma colher grande de madeira (...). E toca swing, um bom swing!"

Para os soldados no Norte de África e na Europa, a atração era a encantadora música de big band e canções nostálgicas.

“Não há nada melhor para o moral de um soldado do que um pouco de música swing de vez em quando”, afirmou o Saturday Evening Post.

E entre uma música e outra, Axis Sally plantava dúvidas…

"Olá amigos! Me perguntava se suas garotas nos EUA estão andando com todos aqueles 4 F's (homens impróprios para o serviço militar)."

“Na distante Berlim, o ministro Goebbels pensa que Sally está minando rapidamente o moral dos soldados americanos, mas nosso cabo sabe que o efeito é exatamente o oposto”, afirmava o artigo.

Para as tropas, as transmissões de Gillars eram uma diversão e suas palavras fonte de piada.

Porém, os programas musicais para soldados não foram os únicos que conquistaram público - nem as razões sempre foram tão alegres.

Após o Dia D em 1944, começou a ser transmitida a Caixa de Correio e Relatórios Médicos dos GIs, programa que girava em torno dos prisioneiros de guerra, com seus nomes reais, números de serviço individuais e a situação dos soldados feridos.

Gillars e seu amante, Max Otto Koischwitz, passaram-se por trabalhadores da Cruz Vermelha Internacional e fizeram visitas guiadas a campos de prisioneiros de guerra, diz Norman Cox em Radio Berlin Calling.

Distribuindo cigarros e sorrisos, gravavam os presos após avisarem que suas entrevistas seriam transmitidas para seus lares.

Para tranquilizar familiares e amigos, os prisioneiros frequentemente declaravam estar melhores do que de fato estavam e, de qualquer forma, Gillars e Koischwitz editavam as palavras para dar a impressão de que os soldados concordavam com a propaganda nazista.

Parentes de soldados capturados, ansiosos por notícias, ouviam regularmente o programa.

Mas como uma americana criada em Ohio tornou-se porta-voz dos nazistas?

Na década de 1920, Gillars era uma aspirante a atriz que, depois de tentar a sorte em Nova York, conseguiu apenas ser corista na Broadway.

Ela pintou o cabelo preto de loiro platinado e foi com um namorado para o Norte da África, com planos de chegar à Europa.

Acabou na Alemanha, ensinando inglês, em 1934, quando Adolf Hitler chegava ao poder.

Quando a guerra eclodiu, em 1939, Gillard decidiu ficar com o noivo, um alemão naturalizado, apesar de o Departamento de Estado americano ter aconselhado seus cidadãos a voltarem para casa.

No ano seguinte, Gillars começou a trabalhar na Rádio Estatal Alemã como apresentadora.

O noivo morreu na Frente Oriental, mas ela logo se envolveu com Koischwitz, que era casado, havia sido professor de alemão em Nova York e trabalhava no Ministério das Relações Exteriores da Alemanha.

Quando Koischwitz passou a ser o encarregado das transmissões de rádio nazistas para as tropas americanas, levou a amante para trabalhar com ele.

Gillars não apenas apresentava programas, mas também peças de rádio que Koischwitz escrevia para ela.

Com o microfone do Terceiro Reich, em uma época em que o rádio era poderoso, a atriz frustrada desfrutava do sucesso que tanto almejava, gozava de prestígio, fama, um bom salário e uma vida confortável.

Mas quando Berlim entrou em colapso em abril de 1945 a carreira de Gillars chegou ao fim.

A última transmissão foi em 6 de maio de 1945; ela deixou a estação de rádio pela porta dos fundos quando os soldados do Exército Vermelho da União Soviética entraram pela frente, declarou em durante seu julgamento no pós-guerra.

Com um nome falso, misturou-se às massas de pessoas deslocadas após a guerra. Mas não conseguiu enganar o Corpo de Contra-inteligência do Exército dos EUA.

Em 1946, ela foi capturada e mantida em um campo de internamento pelos próximos dois anos e meio, até ser levada de volta a seu país para responder a acusações de traição.

Em uma coletiva de imprensa antes do julgamento, Gillards mostrou-se desafiadora.

"Minha consciência está tranquila e não tenho nada a esconder. Quando cheguei à Alemanha, em 1934, nunca tinha ouvido falar de Hitler. Ainda não entendo de política. Sou uma artista."

Quando questionada sobre a possibilidade de receber pena de morte, respondeu resignada:

"Sempre gostei de viajar em busca de novas aventuras, e acredito que a morte pode ser a aventura mais emocionante de todas."

O julgamento começou em Washington em setembro de 1948.

Gillards entrou no tribunal de salto alto, casaco de pele e maquiagem pesada, como se estivesse chegando para a estreia de um filme de Hollywood.

Ela tinha 48 anos e, apesar de seus esforços, jornalistas escreveram que a pressão de enfrentar oito acusações de traição estava nítida.

Gillards declarou-se inocente.

Durante sete semanas, os jurados ouviram suas transmissões e seu testemunho, incluindo sobre o amor por Koischwitz, o homem que ela disse tê-la convencido a se tornar Axis Sally.

"Acredito que as pessoas são o resultado de outros seres humanos que estiveram em suas vidas."

"E acredito que sem a presença do professor Koischwitz na minha vida eu não estaria lutando pela minha vida hoje. E acho que é muito difícil para uma pessoa que nunca esteve nessa posição ser capaz de entender isso. Não se podia sair por aí dizendo que não quero fazer isso e não quero fazer aquilo."

Mas sua ruína não foram os programas semanais, mas sim uma peça escrita por Koischwitz chamada Visão de Invasão.

Gillard interpretou uma mãe americana cujo filho morre quando o navio aliado afunda no Canal da Mancha. A promotoria chamou isso de ato de traição.

Ela negou ter traído seu país, embora tenha jurado lealdade a Hitler.

Finalmente, em março de 1949, após 29 horas de deliberação, o júri considerou-a culpada.

A propagandista de rádio nazista tornou-se a primeira mulher na história moderna a ser condenada por traição.

Ela enfrentava pena máxima de morte, mas acabou condenada a entre 10 e 30 anos de prisão.

Ao ser libertada, após 12 anos, falou a repórteres.

"Quando fiz os programas, pensei que estava fazendo a coisa certa. Faria de novo? Certamente, com os mesmos conhecimentos e nas mesmas circunstâncias."

"Afinal, eu era locutora profissional na Alemanha quando os EUA entraram na guerra. Era o meu trabalho. Além disso, eu estava muito apaixonada por um alemão e esperava me casar com ele. Naquele momento, senti que poderia amar os EUA e continuar servindo à Berlin Broadcasting Corporation."

Depois de uma década atrás das grades, ele permaneceu sem remorso. Mas ela estava amargurada?

"Eu não diria exatamente amargurada. Simplesmente não sou o tipo de pessoa que fica amargurada. Se fosse, minha amargura pela injustiça e perjúrio que sofri já teria me destruído."

Mildred Gillard passou os últimos anos de sua vida ensinando em um convento americano e morreu em 1988.

Fonte: correiobraziliense

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