Barack Obama foi a estrela do segundo dia da Convenção Nacional Democrata, na arena esportiva United Center, em Chicago (Illinois). O ex-presidente dos EUA (2009-2017) e a ex-primeira-dama Michelle Obama selaram o apoio a Kamala Harris, vice de Joe Biden e candidata do Partido Democrata nas eleições de 5 de novembro. Duas coincidências marcaram a presença de Obama no evento: além de falar em seu berço político, ele discursou exatamente duas décadas depois de seu pronunciamento à convenção em Boston, o qual impulsionou sua ascensão rumo à Casa Branca.
Especialistas ressaltaram ao Correio a importância do apoio de Barack e Michelle Obama à chapa Kamala Harris-Tim Walz. Além de emprestar credibilidade e carisma, o casal deve arregimentar e unificar o apoio dos afroamericanos, de minorias étnicas e das mulheres. Obama ungiu Kamala como a primeira mulher negra e filha de imigrantes a se candidatar à Casa Branca, associando-a a seu legado de pioneirismo.
Em 16 de agosto, o ex-presidente publicou uma mensagem na rede social X — antigo Twitter — em que elogiou a candidata. "Ela tem a visão, o caráter e a força que esse momento crítico exige. E eu sei que ela entregará de si. Vamos trabalhar!", escreveu.
Sob o lema "Uma visão ousada para o futuro da América", a convenção desta terça-feira (20/8) coroou Kamala como a candidata à Casa Branca em seu dia mais pop. De forma nominal, em chamada por estado, os delegados fizeram a votação tradicional e confirmaram a nomeação da vice de Biden. As votações eram intercaladas com a apresentação de um DJ.
A delegação do Texas foi representada por Kate Cox, uma ativista dos direitos reprodutivos — um exemplo sobre como o tema do aborto é importante para os democratas. "É hora de fazermos o certo pelo futuro dos Estados Unidos: eleger Kamala Harris como presidente dos EUA", defendeu o governador Gavin Newsom, ao anunciar os votos da Califórnia. Dos 2.350 votos de delegados necessários para a nomeação, Kamala obteve 4.564 — apenas 122 a menos do número total.
Às 22h10 (hora de Brasília), Kamala transmitiu aos delegados uma mensagem gravada pouco antes, por meio de um telão, direto de Milwaukee (Wisconsin), onde fazia um comício. "Eles nomearam o técnico (Tim) Walz e a mim para sermos os próximos vice e presidente dos EUA. Obrigada, Chicago. Vejo vocês em dois dias", declarou a ex-senadora, dirigindo-se aos eleitores de Wisconsin e de Chicago.
Apelo
Professor de ciência política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Charles Stewart III lembrou que Obama foi o mais popular entre todos os candidatos democratas em uma eleição. "Seu apoio energético a Kamala pode render frutos de várias maneiras. O ex-presidente é um comunicador nato. Seus discursos ajudarão a convencer os eleitores que estão inclinados a apoiá-la, mas se mantêm hesitantes. Apesar de alguns anos mais velho que Kamala — ele tem 63, ela, 59—, Obama é visto como juvenil e energético", disse. Para Stewart, o fato de Barack ser "multiétnico" apela aos eleitores mais jovens. "Seu trabalho incansável será útil para atrair os afroamericanos, particulamente os homens, cuja participação tem reduzido nas últimas eleições."
De acordo com o estudioso do MIT, o fato de Obama ser um democrata não motivará a maioria dos eleitores americanos. No entanto, ele citou uma pesquisa feita em 2022 pela emissora NBC News, segundo a qual o ex-presidente democrata foi uma das personalidades mais populares dos Estados Unidos, superando Trump e Biden. Stewart acredita que Barack terá o papel importante de canalizar apoio da população negra dos EUA e dos eleitores que não se comprometeram com nenhum partido.
Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM-SP, vê a participação do casal Obama na convenção como bastante emblemática. "Tanto Barack quanto Michelle estão atuantes na campanha de Kamala. Isso pode levar à mobilização dos negros em estados decisivos, como a Geórgia. Também confere um peso à discussão entre os democratas de que o partido consegue ficar unificado", disse.
Holzhacker avalia que a estratégia de mobilização das bases durante a campanha de Obama para a presidência, em 2008, pode ser adotada por Kamala. "Barack e Michelle podem ajudar a candidata democrata a arrecadar pequenas e grandes doações. Obama também chega como um ex-presidente capaz de fazer as críticas mais duras contra Trump e que, ao enfrentar uma crise financeira, precisou fazer ajustes para superá-la. Ele pode transmitir a ideia de que os democratas podem superar crises econômicas."
O historiador político James Naylor Green, professor da Universidade Brown (em Rhode Island), vê indícios de que Kamala conseguirá atrair uma coalizão formada por multiétnicas — negros, latinos, asiáticos —, mulheres, jovens e sindicalistas. "Obama traz uma certa mensagem em relação ao que ele conseguiu, como o primeiro presidente afroamericano da história dos EUA, e o que Kamala poderá alcançar."
Surpresas
A convenção reservou surpresas ao público. Os delegados e os eleitores encontraram, presos nos assentos do ginásio, braceletes que emitem luzes vermelhas, brancas e azuis. Stephanie Grisham, ex-porta-voz da Casa Branca durante o governo Trump (2017-2021), subiu ao palco, explicou o motivo pelo qual passou a apoiar Kamala e destilou críticas ao ex-chefe. "A portas fechadas, Trump zomba dos próprios apoiadores, eles os chama de 'moradores de porões'. (...) Ele não tem empatia, nem moral e nem fidelidade à verdade."
Em seu discurso, 20 minutos depois, o senador independente Bernie Sanders, 82 anos, traçou um panorama aterrador dos EUA durante o governo Trump. Ele lembrou que o país enfrentava a pior crise econômica desde a Grande Depressão e a maior crise sanitária em mais de um século. "Nós precisamos de uma economia para todos, não apenas para bilionários. (...) Em 5 de novembro, vamos permitir que Kamala Harris crie a nação que queremos."
"Além de excelente comunicador, Barack Obama tem um aguçado senso esratégico. Isso beneficiará Kamala Harris, mesmo que longe dos olhares da opinião pública. Em uma eleição em que a raça de Kamala será um tema, o fato de Obama ter sido presidente, e bem-sucedido, tornará mais fácil o apoio de eleitores não afiliados e de republicanos que jamais votariam em Donald Trump."
Charles Stewart III, professor de ciência política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)
"A participação do casal Obama empresta carisma à campanha de Kamala Harris e amplia a percepção de que o engajamento será cada vez maior, além da mobilização de baixo para cima. Isso é uma forma de bloquear a percepção de que a escolha não seguiu os desejos dos eleitores nas primárias. Os Obamas têm grande prestígio dentro do partido e sua presença dará ainda mais peso para os eleitores negros e jovens."
Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM-SP
Do discurso emotivo à saída de cena
"América, eu dei o melhor a você. Eu cometi muitos erros na minha carreira, mas dei meu melhor a vocês", declarou Joe Biden, 81 anos, quando subiu ao palco do United Center, em Chicago, pouco depois da zero hora desta terça-feira (20/8). O presidente dos Estados Unidos chegou a brincar com sua idade. "Disseram que era muito jovem para ser senador por não ter 30 anos e muito velho para seguir como presidente", disse, arrancando risadas da plateia. Biden também fez uma advertência sobre uma eventual viória do republicano Donald Trump em 5 de novembro. "A democracia prevaleceu e agora a democracia precisa ser preservada", acrescentou. "Não há espaço nos Estados Unidos para a violência política." Biden tirou cinco dias de férias e viajou para Santa Ynez, na Califórnia. James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island), classificou como "muito poderoso" o discurso de Biden na convenção. "Ele conseguiu deixar muito claro o seu legado e foi muito elegante, ao evidenciar o apoio à Kamala. Biden entrou de férias para deixar que Kamala brilhe. Ele vai desaparecer um pouco, enquanto a vice permanecerá no centro das atenções", explicou ao Correio.
Trump apela à retórica do medo
Em campanha na cidade de Howell, no estado de Michigan, a 402km de Chicago, Trump advertiu que, caso não ganhe em 5 de novembro, a indústria automobilística deixará de existir em três anos. "Todos os trabalhadores da indústria automobilística aqui ficarão sem emprego em três anos se eu não for eleito. Todos os trabalhadores da indústria automobilística neste estado. Todos eles serão feitos na China", disse Trump, de acordo com o jornal The Detroit News. O republicano contou que assistiu ao primeiro dia da Convenção Nacional Democrata e acusou os rivais de ignorarem os problemas do país. "Vi ontem (segunda-feira, 19/8) à noite, com espanto, enquanto eles tentavam fingir que tudo estava bem. O crime estava ótimo, a fronteira estava ótima. Não houve problema algum. Sem inflação, sem nada", ironizou.
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