Em 2013, um nigeriano, com 29 anos na época, trabalhava como cozinheiro a bordo de um rebocador (um barco que auxilia as manobras de navios e outras embarcações na área portuária de forma segura) quando a embarcação naufragou devido a uma falha súbita.
"Eu tinha acabado de ir ao banheiro. Fechei a porta e estava sentado no vaso sanitário quando o barco virou para o lado esquerdo", lembrou em uma recente entrevista Harrison Okene ao programa de rádio Outlook da BBC.
O naufrágio do rebocador Jascon 4, que estava a cerca de 32 quilômetros da costa da Nigéria, foi tão rápido que nenhum dos 13 tripulantes conseguiu chegar à superfície antes de o navio se encher de água.
"A próxima coisa que vi foi o vaso sanitário sobre o qual estava sentado, que de repente estava sobre minha cabeça", narrou Harrison.
"A luz se apagou e eu ouvi as pessoas gritando. Consegui abrir a porta e sair, mas não consegui encontrar ninguém. A força da água me empurrou para uma das cabines e fiquei preso lá".
O que ele nunca imaginou naquele momento de pânico foi que aquele turbilhão de água acabaria salvando sua vida.
Ele o empurrou em direção a uma bolha de ar, um oásis de oxigênio que lhe permitiria realizar uma façanha impensável: sobreviver por quase 3 dias no fundo do mar. Seria um naufrágio que custaria a vida de toda a equipe do Jascon 4 naquele fatídico 26 de maio de 2013.
Esse caso incrível é contado em um episódio do podcast Que História!, da BBC News Brasil. Ele pode pode ser ouvido nas principais plataformas de podcast, como Spotify e Apple Podcasts, e no canal da BBC News Brasil no YouTube.
Diferentemente de muitos de seus colegas, Harrison não tinha muita experiência como marinheiro.
O cozinheiro compartilhou com o Outlook que, na verdade, "nunca tinha colocado os pés em um navio" antes de conseguir um emprego a bordo de uma embarcação em 2010.
Harrison, que tinha esposa e filhos, havia sido chef de cozinha de um hotel.
No entanto, à medida que o boom petrolífero offshore cresceu em seu estado natal, Delta, ele percebeu que poderia ganhar muito mais dinheiro sendo cozinheiro de um dos vários navios envolvidos na extração de petróleo do fundo do mar.
Ele lembra que sua primeira experiência não foi das melhores. "Fiquei com enjoo violento e rastejava pelo chão, passando mal e cozinhando ao mesmo tempo", relatou. "Mas depois de três dias, já estava perfeitamente bem, e desde então nunca mais sofri com enjoo no mar."
Além de ser mais bem pago, ele só precisava fazer comida para cerca de uma dúzia de pessoas - em vez das centenas a que estava acostumado no hotel.
Havia outra vantagem. "Quanto mais longa é a viagem, mais você é pago, e você não gasta, não tem como gastar. Então, quando volta à terra, tem todo esse dinheiro disponível", afirmou.
Apesar de sua falta de experiência, Harrison não tinha medo de viver sobre o mar.
"Eu me sentia muito bem porque gosto do ambiente, é muito tranquilo, silencioso, não há barulhos, a única coisa que você sente é o balanço do navio", descreve.
Ele até se acostumou a amarrar todas as suas panelas e frigideiras com cordas, para que não caíssem com o balanço do navio.
Em maio de 2013, Harrison começou a trabalhar no Jascon 4. Embora não conhecesse o navio, ele já havia navegado anteriormente com o resto da tripulação.
"Éramos amigos, éramos muito próximos", relata, dizendo que muitos "me tratavam como uma mãe, compartilhando comigo suas ideias e suas tristezas". "Eu dava os poucos conselhos que podia para ajudá-los", conta.
Em 25 de maio, o rebocador havia trabalhado duro, estabilizando um petroleiro em uma plataforma da Chevron em meio a um mar agitado por uma tempestade.
Naquela madrugada, Harrison acordou e foi para a cozinha preparar as coisas, como de costume. Até que ele foi ao banheiro e de repente tudo mudou.
O navio virou e ele lembra de sentir o navio afundando. "Estava afundando rapidamente. Eu estava em pânico. Ouvi as pessoas gritando, chorando. Eram dez para as cinco da manhã, então alguns dos meus colegas ainda estavam dormindo. Eles gritavam por socorro. Você podia ouvir a água borbulhando enquanto entrava nos diferentes compartimentos e depois, silêncio".
Quando o navio finalmente parou no fundo do mar, a cerca de 30 metros da superfície, Harrison era o único sobrevivente. Ele estava preso em um espaço pequeno, com água até a cintura. Estava escuro e frio.
Naquele momento, ele pensou que alguém viria resgatá-lo, mas dois dias se passaram e nada aconteceu.
Ele conseguiu encontrar uma lanterna presa a um colete salva-vidas. Desesperado para escapar, nadou através de uma porta submersa até a próxima cabine em busca de uma saída. Mas não encontrou nada. Em seguida, sua lanterna se apagou e ele ficou na escuridão completa.
Ele lembra de sentir lagostins mordendo sua pele ferida pelos golpes durante o naufrágio. "Eu estava apenas de cueca", explica.
"Pensei na minha esposa, na minha mãe. Passei o tempo cantando louvores a Deus", lembra.
Foi assim por 60 horas. Sem comida nem bebida, e ciente de que o oxigênio em sua milagrosa bolha de ar estava se esgotando.
Em terra, as famílias dos tripulantes foram informadas de que todos haviam morrido, e a empresa proprietária do Jascon 4, a West African Ventures, contratou especialistas para recuperar os corpos.
Uma empresa de resgate submarino, a DCN Global, foi encarregada de realizar essa missão.
A empresa enviou três mergulhadores para o barco afundado, coordenados por um supervisor que podia acompanhar suas ações por meio de uma câmera de um barco na superfície.
Os mergulhadores foram levados até o fundo do mar em um sino de mergulho.
Harrison conseguia ouvi-los enquanto derrubavam a porta principal do navio - que tinha sido trancada por dentro para prevenir a ação de piratas na região.
Desesperado, porque já notava dificuldade em respirar, ele começou a bater nas paredes da cabine para chamar a atenção dos mergulhadores.
A primeira coisa que ele viu foi o reflexo de uma lanterna. "Eu mergulhei debaixo d'água para tentar seguir aquela lanterna e, quando vi a água borbulhando, sabia que era um mergulhador".
O homem em questão, Nicolaas van Heerden, mais tarde contou ao Outlook que sentir alguém agarrá-lo "foi o momento mais aterrorizante de toda a minha carreira, embora obviamente o terror tenha sido rapidamente substituído pela adrenalina e emoção de encontrar alguém vivo ali".
"Só queria tocá-lo e me afastar porque sabia que ele ficaria assustado", relata Harrison.
Nicolaas contou que encontrar Harrison vivo foi apenas o começo da operação de resgate.
"Não podíamos simplesmente trazê-lo à superfície. Tivemos que descomprimi-lo e encontrar uma maneira segura de tirá-lo."
Os socorristas trouxeram um equipamento de mergulho para ele e explicaram como usá-lo. Em seguida, o guiaram lentamente através do navio afundado.
"Estava tudo cheio de lama, não se via nada", relata Harrison.
Quando entrou no sino de mergulho e percebeu que era o único sobrevivente, começou a chorar.
"Sobrevivi, mas é uma experiência que não desejo a ninguém", afirma.
Depois de três dias no fundo do mar, Harrison teve que passar mais três dias em uma câmara de descompressão no navio, para normalizar seus níveis de nitrogênio, que sob alta pressão se acumulam nos tecidos e podem causar um ataque cardíaco.
Enquanto isso, sua família foi informada de que ele havia sido encontrado com vida.
Após o terceiro dia, ele foi transferido de helicóptero para o hospital e, após uma avaliação, foi autorizado a voltar para casa, onde não apenas sua família o esperava, como também várias pessoas que haviam ouvido falar de seu resgate milagroso.
Nos dias seguintes, sua incrível história de sobrevivência deu a volta ao mundo - graças principalmente às imagens do resgate captadas e publicadas nas redes sociais pelos mergulhadores.
Incrivelmente, embora Harrison tenha prometido nunca mais se aproximar da água, um acidente ocorrido algum tempo depois, no qual seu carro desgovernado caiu de uma ponte e afundou em um rio (ele conseguiu sair novamente e até salvou seu acompanhante), o levou a tomar uma decisão inesperada: ele se tornou um mergulhador profissional.
"Após o primeiro incidente, eu disse que nunca mais voltaria ao oceano, mas continuo lá porque sei que é onde devo estar, é o meu ambiente e sempre estarei perto dele", diz.
"É meu destino, é como Deus quis que fosse".
*Essa reportagem foi publicada originalmente em 17 de setembro de 2023
Fonte: correiobraziliense
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