No início da pandemia de Sars-CoV-2, surgiu um mito de que crianças e jovens desenvolviam apenas formas brandas da doença. Com o tempo, não só se percebeu que pacientes pediátricos poderiam apresentar quadros graves, como que estavam sujeitos a sofrer dos sintomas por muito tempo depois da infecção. Agora, no maior estudo sobre o impacto da enfermidade em pessoas com menos de 18 anos, pesquisadores norte-americanos descobriram que a chamada covid longa as afeta de forma diferente, comparado aos adultos.
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Estima-se que 65 milhões de pessoas em todo o mundo vivam com covid longa, caracterizada por condições como fadiga, perda de memória e dores persistentes por mais de um mês após a infecção. Até recentemente, a maioria das pesquisas sobre os efeitos crônicos da doença, porém, se concentrava em adultos.
Para quantificar o impacto das sequelas em pacientes mais jovens de caracterizar os principais sintomas, mais de 140 pesquisadores analisaram dados do estudo Recover, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos. O resultado foi publicado no Journal of the American Medical Association (Jama).
Cuidadores de 5.367 crianças (898 em idade escolar e 4.469 adolescentes) responderam a pesquisas on-line sobre a saúde das meninas e dos meninos. Aproximadamente 86% da amostra já havia sido infectada com covid, enquanto 14% — o grupo de controle — não. O estudo avaliou 74 sintomas conhecidos e potenciais do Sars-CoV-2 em nove domínios: olhos, ouvidos, nariz e garganta; coração e pulmões; gastrointestinal; dermatológico; musculoesquelético; neurológico; comportamental e psicológico; menstrual; e geral.
Os pesquisadores descobriram que 45% das crianças em idade escolar (6 anos a 11 anos) infectadas com covid-19 idades relataram pelo menos um sintoma prolongado após a recuperação inicial, em comparação com 33% das que não tiveram a doença. Entre os adolescentes (12 anos a 17 anos), os percentuais foram, respectivamente, 39% (infectados) e 27% (não infectados). Segundo os autores, as diferenças são robustas o suficiente para sugerir uma associação entre as condições informadas pelos pacientes e o coronavírus.
Os sintomas de covid longa em crianças também foram agrupados em padrões distintos dos adultos e entre si. O mais comum em adolescentes foi a perda do olfato e do paladar, enquanto enxaqueca, problemas de memória e foco estavam no topo da lista das crianças em idade pré-escolar.
De forma detalhada, os pesquisadores descobriram que crianças de 6 anos a 11 anos com sintomas prolongados eram mais propensas do que as não infectadas a sentir dores de cabeça (57%); problemas de memória, foco e sono (44%); e dor abdominal (43%) pelo menos quatro semanas após a covid. Adolescentes que tiveram a doença tinham mais frequentemente fadiga diurna, sonolência e baixa energia (80%); dor no corpo, músculos ou articulações (55%); e problemas de memória e foco (47%) do que aqueles que não foram contaminados com o Sars-CoV-2.
Os autores escreveram, no artigo, que "as crianças apresentaram sintomas prolongados após a infecção pela covid-19 em quase todos os sistemas orgânicos, com a grande maioria tendo envolvimento multissistêmico." Lawrence C. Kleinman, professor de pediatria na Universidade de Rutgers e coautor do artigo, enfatiza que não é raro os pacientes pediátricos desenvolverem a forma crônica da infecção. "Algumas crianças são gravemente afetadas; elas não estão fingindo ou inventando." Em comparação, os adultos infectados pelo Sars-CoV-2 relataram 37 condições com mais frequência do que os que não tiveram a doença. Entre eles, mal-estar pós-esforço, confusão mental e problemas gastrointestinais e cardíacos, entre outros.
"Nossa pesquisa é um primeiro passo em direção a uma ferramenta que pode um dia ser usada para identificar covid longa em crianças e adolescentes — um grupo amplamente pouco estudado — mas provavelmente mudará e se expandirá à medida que aprendermos mais", disse, em nota, a autora correspondente do estudo, Rachel Gross, da Universidade de Nova York Langone. Para Kleinman, "essa é uma nova doença crônica em crianças com todas as incógnitas que isso traz". O pesquisador de Rutgers destaca a necessidade de os sistemas de saúde estarem preparados para lidar com o problema por, pelo menos, uma geração.
"Em conjunto, os resultados destacam a importância de avaliar as condições crônicas pós-covid em todo o espectro da vida, porque houve diferenças claras nas apresentações entre crianças, adolescentes e adultos", comenta Suchitra Rao, do Departamento de Medicina da Universidade do Colorado, em Aurora, que não participou do estudo. "Quatro anos após os relatos iniciais de covid longa, ainda há muito a ser descoberto sobre a trajetória e as estratégias de prevenção e tratamento, especialmente em crianças", afirma a pediatra.
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