O uso de drogas por pessoas que já sofreram um problema cardiovascular grave está associado a um risco até três vezes maior de o evento se repetir em um ano. A correlação foi observada por uma equipe de pesquisadores do Hospital Lariboisiere, em Paris, na França, e será apresentada no Congresso 2024 da Sociedade Europeia de Cardiologia, que acontece em Londres, no Reino Unido, de 30 de agosto a 2 de setembro. O estudo não estabelece uma relação de causa e efeito, mas as estatísticas são significativas, o que sinaliza que a associação não é casual.
A pesquisa dá seguimento a um trabalho anterior, de 2023, em que a mesma equipe constatou uma prevalência elevada de uso recente de drogas em pacientes internados na Unidade de Terapia Intensiva Cardiovascular (UTIC) de 31 centros hospitalares franceses. "Entre os pacientes admitidos, a triagem sistemática para drogas recreativas evidenciou uma prevalência significativa — 11% — de uso recente", conta o cardiologista intensivista Raphael Mirailles, que liderou os dois estudos.
Agora, o interesse do pesquisador foi verificar se havia consequências cardiovasculares de longo prazo do uso de drogas recreativas, algo que, segundo Mirailles, é incerto. Foram usados os dados de 1.499 pacientes admitidos em UTIs de 39 centros da França por duas semanas, a partir de abril de 2021, por síndrome coronariana aguda, que pode levar ao infarto e à angina. Por meio de testes urinários, foi possível identificar a presença de substâncias ilícitas, com o consentimento dos participantes.
Do total, 1.392 (93%) foi acompanhado por um ano por uma visita clínica ou contato direto com o paciente. O objetivo era verificar a nova ocorrência de um evento cardíaco grave — derrame, morte ou infarto não letal. A média de idade dos participantes foi 63 anos, e 70% eram homens. Onze por cento dos voluntários (157 pessoas) testaram positivo para maconha, heroína, e outros opioides, cocaína, anfetamina e metanfetamina (MA) no momento da primeira admissão hospitalar.
Cannabis foi a substância mais comum (9,8%), seguida por heroína e outros opioides (2,3%), cocaína (1,7%), anfetamina (0,6%) e MA (ingrediente ativo do ecstasy, com 0,6% de consumo). Mais de um quarto dos pacientes (45) testaram positivo para duas ou mais dessas drogas.
O teste para cada substância indicava ou não a presença da droga, mas, para dar positivo, a quantidade detectada na urina foi substancial, observa Mirailles. "O exame continua dando positivo de dois a seis dias após o uso da substância, portanto, mostra a exposição recente, em vez de uso regular. Por outro lado, um aumento nos principais eventos adversos em um ano pode indicar uso crônico."
Depois de um ano de acompanhamento, 94 pacientes (7% da amostra total inicial) apresentaram um evento cardiovascular sério, incluindo morte. Aqueles com teste positivo para drogas apresentaram uma taxa maior de desfechos ruins, comparado aos não usuários: 13% contra 6%, respectivamente.
Os dados foram ajustados para múltiplos fatores incluindo idade, sexo, diabetes, tabagismo, histórico de doenças do tipo ou de câncer e enfermidades renais crônicas, diagnóstico principal da admissão hospitalar, pressão arterial sistólica basal e frequência cardíaca basal. Após essas considerações, o uso recreativo de drogas foi independentemente associado a um risco três vezes maior de eventos cardiovasculares sérios.
Na análise de subgrupo de 713 pacientes hospitalizados no início do estudo por síndrome coronariana aguda, 96 (14%) tiveram um teste positivo para drogas recreativas e 50 (7%) apresentaram eventos cardiovasculares graves. Usando modelagem computacional nessa população, o uso das substâncias continuava associado a uma probabilidade três vezes maior de desfechos graves, após os ajustes.
Entre os 1.392 pacientes examinados, houve 64 (4,6%) mortes cardiovasculares, 55 (4,5%) entre não usuários e 9 (5,7%) entre os que utilizaram drogas. Considerando o infarto, houve 24 casos (1,7%) não letais, sendo 1,3% nos que testaram negativo para substâncias ilícitas e 5,1% dos positivos. Quanto ao derrame, foram 10 (0,7%) no total: sete (0,6%) entre pacientes que não consumiram entorpecentes e três (1,9%) nos demais.
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