22 de Novembro de 2024

Pesquisadores lutam contra o tempo para estudar sobre a Mpox


De olhos fechados. Assim estariam trabalhando os pesquisadores que lutam contra o tempo para entender sobre o novo clade — ou variante — de mpox, responsável pelo surto atual, que emergiu na República Democrática do Congo (RDC). "Estamos trabalhando às cegas", disse, na semana passada, o infectologista Dimie Ogoina, presidente do comitê de emergência da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a doença no continente africano. Negligenciada por décadas, a enfermidade voltou com uma nova cara, ainda muito pouco conhecida para a ciência. 

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"Eu não diria que estamos totalmente às cegas, mas é como se fôssemos míopes sem óculos, vendo tudo borrado", compara Vanderson Sampaio, doutor em Medicina Tropical, professor da pós-graduação na Fiocruz Amazônia e na Universidade do Estado do Amazonas, e diretor de operações do Instituto Todos pela Saúde (leia entrevista nesta página). O problema é que, se já havia pouca literatura científica sobre uma doença que não atraiu, desde sua descoberta, na década de 1950, a atenção da indústria farmacêutica, menos ainda se sabe sobre o clade 1b, aparentemente mais agressivo que o 2, responsável pelo surto de 2022. 

Na sexta-feira, a OMS informou que a RDC já registra 18 mil casos prováveis ou suspeitos neste ano, com 629 mortes. "O número de casos da nova variante vem aumentando rapidamente há diversas semanas", disse Tedros Adhanom Ghebreyesus. Fora da República Democrática do Congo, há 258 notificações do clado 1b no Burundi; quatro na Uganda; dois no Quênia e quatro em Ruanda. Fora do continente africano, foram registradas, por enquanto, uma ocorrência na Suécia e uma na Tailândia. 

Publicações científicas sobre a mpox são escassas — no Pubmed, um dos maiores indexadores de artigos biomédicos —, há somente 44 registros dos últimos 12 meses, número que cai para quatro quando são buscados estudos clínicos. Na Califórnia, Estados Unidos, cientistas do Instituto de Imunologia de La Jolla (ILJ) lideram uma pesquisa sobre o potencial da clade 1b afetar crianças e idosos e buscam entender como novas vacinas podem ajudar o organismo a reagir. 

Atualmente, o imunizante mais seguro é a terceira geração de uma substância relacionada ao vírus da varíola, erradicado na década de 1970. Ele é considerado extremamente eficaz, mas não se sabe se futuras mutações poderão criar resistência à vacina. "O vírus mpox do clado 1b é totalmente novo, e a situação está evoluindo rapidamente", conta Alessandro Sette, codiretor do Centro de Inovação de Vacinas do ILJ. "O novo comportamento viral pode mudar o jogo e também afetar uma gama mais ampla de pacientes, incluindo mais crianças, mulheres e pacientes mais velhos", diz. 

A pesquisa que ele conduz analisa as respostas imunológicas em grupos diversos, em busca de diferenças, dependendo da idade ou do sexo. De acordo com Sette, uma questão que precisa ser respondida o mais rápido possível é se a vacina atual pode treinar as células de defesa para reconhecerem a nova cepa. "Não está claro o quão diferente esse vírus é da cepa de 2022 — ou onde estão as diferenças nas proteínas virais", admite o cientista.

A infectologista Helena Brígido, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), destaca que as observações do novo surto apontam para especificidades do clado 1b — não só em relação ao perfil dos pacientes afetados, mas quanto às complicações. "Estão sendo vistas mais casos de uveíte, uma infecção nos olhos; miocardite, no coração, e infecções bacterianas em quem tem a doença", diz. Ela destaca que a OMS tem relatos de transmissão vertical, da mãe para o bebê, embora não se saiba, ainda, se isso ocorre devido ao contato com as lesões no momento do parto. "Também há relatos de abortos e prematuridades", conta. 

A médica ressalta que a expansão da doença no surto atual é muito rápida, algo que não havia sido visto anteriormente. "É a primeira vez que vemos uma disseminação nessa velocidade e com mais complicações." Porém, Helena Brígido afirma que não é possível dizer se novas mutações poderão tornar a mpox ainda mais virulenta e letal. 

Para Eoghan de Barra, consultor em doenças infecciosas do Beaumont Hospital, na Irlanda, é preciso expandir o planejamento do enfrentamento à doença. "Em 2022, as infecções foram causadas por um clado menos virulento, e os programas de testagem, educação e vacinação foram implementados de forma limitada. Temos as ferramentas para frear o impacto da mpox na saúde humana, mas precisamos de recursos, educação e pesquisa científica contínua para isso."

 

A negligência que sempre acompanhou a mpox pode explicar o porquê de um surto da doença emergir apenas dois anos depois, diz Vanderson Sampaio (foto), doutor em Medicina Tropical, professor da pós-graduação na Fiocruz Amazônia e na Universidade do Estado do Amazonas, e diretor de operações do Instituto Todos pela Saúde. Em entrevista ao Correio ele alerta que ignorar a enfermidade poderá transformá-la no "novo HIV". "A Aids começou exatamente assim, com negligência e preconceito", diz. 

O que poderia explicar dois surtos tão próximos um do outro?

Eu trabalhei muitos anos com controle de malária, que é uma doença também negligenciada. Alguns pesquisadores chamavam esse fenômeno de "vale da morte". Você tem um aumento de casos de uma determinada doença que traz preocupação da sociedade, então se criam programas para controlar, é feito um investimento. Os casos diminuem até o ponto em que é tão baixo que os governantes decidem que têm problemas maiores… E acontece o desmonte daquele investimento. As pessoas são abandonadas pelo sistema, e é nesse momento em que a gente observa o aumento de letalidade, o espalhamento mais rápido da doença. Se você não controlar essa doença, ela volta. Arrisco afirmar que é o que observamos hoje: o vírus foi negligenciado e então fez o que sabe fazer de melhor: mutações. 

 A mpox é uma nova covid?

É até complicado falar isso porque quando a gente disser que não, as pessoas pensam que está tudo bem e isso é o primeiro degrau para a negligência. Não é covid no sentido de que não vai espalhar tão rápido nem colapsar o sistema de saúde. Mas, mesmo a mpox não sendo uma doença sexualmente transmissível, posso compará-la com a epidemia de HIV, que começou exatamente assim. As pessoas tinham esse pensamento: "Não me importo, só quem tem essa doença é homossexual". Ali nasceu a negligência, com o preconceito, e deu no que deu. 

O que há de novo no clado responsável pela atual epidemia de mpox?

Esse vírus foi descoberto na década de 1950. A cada conjunto de mutações que ele vai sofrendo, geram novas variantes, que são formas genéticas distintas da original. Existem dois grandes clados, o 1 e o 2. O 2 foi o responsável pela epidemia de 2022, que tivemos, inclusive, no Brasil. O clado 1 nunca deixou de existir. Ficou concentrado na África Central, principalmente na República Democrática do Congo. As características eram bem parecidas com as do 2: circulava principalmente entre profissionais do sexo e todo mundo que tinha contato íntimo próximo, mas limitado a adultos. A novidade é que esse clado 1b aparentemente — e falo aparentemente porque não temos estudos que faça essa relação — há uma predominância da infecção em crianças. É uma correlação, não uma causalidade. E tem outra característica: essas crianças estão com uma taxa de letalidade quase cinco vezes maior do que a esperada para esse vírus. De 100 crianças que adoecem, 10 evoluem para óbito. Como não temos estudos sobre o tema, pode ser que isso não esteja relacionado exatamente ao vírus, mas ao manejo clínico. Talvez essas crianças não estejam tendo acesso a um serviço de saúde apropriado. 

Como estão as pesquisas sobre a mpox?

Há pouquíssima pesquisa, quase nenhuma. Estamos falando de uma doença endêmica de um continente que já é negligenciado e isso, por si, já explica. Mas a própria academia imaginou que, se temos uma vacina eficaz, a mesma da varíola, o vírus poderia ser erradicado quando quisermos. Mas quando vamos querer? Não nos incomoda aparentemente, não é covid… Acho que isso é parte do problema, negligência com a pesquisa também. E é assim que somos pegos de surpresa, como agora. Temos uma indústria farmacêutica que, obviamente, visa o lucro. Ela não vai entrar em um ensaio clínico caríssimo, se não houver mercado para um medicamento. Vai muito da iniciativa do Estado, que não visa lucro, mas bem-estar. É o Estado quem deve incentivar os estudos, não só ensaios clínicos, mas estudos de coorte, para entender a evolução clínica da doença. Além de capacitar profissionais de saúde para o manejo da doença. (PO)

Fonte: correiobraziliense

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