22 de Novembro de 2024

Por que casais inter-raciais despertam tanto interesse na China


A blogueira chinesa Laura Deng ficou surpresa com a resposta entusiasmada às fotos de sua primeira celebração de Natal em Londres com seu novo namorado britânico. Ela não esperava por essa reação quando, há três anos, decidiu publicar essas imagens no Xiaohongshu, um aplicativo chinês semelhante ao Instagram.

Além de uma selfie de casal, a postagem trazia fotos de presentes, uma árvore de Natal e uma mesa festiva coberta com apetrechos natalinos. A postagem teve muito mais sucesso do que suas publicações habituais de moda e maquiagem e rendeu a ela centenas de novos seguidores.

Desde então, essa jovem de 29 anos mudou sua estratégia nas redes sociais, e passou a compartilhar conteúdos sobre seu relacionamento, nos quais abordava diferenças culturais com o companheiro.

Seus seguidores passaram de mil para mais de 80 mil, um aumento que lhe permitiu assinar acordos publicitários que lhe proporcionam uma renda extra mensal que varia entre 3.000 e 70.000 yuans (entre R$ 2,3 mil e R$ 55 mil) e que agora se soma ao salário de seu trabalho com marketing.

Depois que mais de 10 mil pessoas começaram a segui-la, agências de influenciadores começaram a abordá-la. Agora ela conta com uma equipe de quatro pessoas que cuidam de diversas tarefas, como edição de vídeos, gerenciamento de publicidade e desenvolvimento de estratégias para aumentar sua audiência.

Laura Deng e Charles Thomas estão entre centenas, senão milhares, de casais inter-raciais que ganham popularidade online na China. Na maioria dos casos, o parceiro estrangeiro é um homem branco e quem acompanha esses relatos são mulheres jovens que vivem nas regiões mais ricas da China.

Um exemplo é TJandClaire, uma conta administrada por uma mulher de Xangai e seu marido americano, que acumula mais de 3,8 milhões de seguidores no Douyin, a versão chinesa do TikTok — 60% são mulheres entre 18 e 30 anos, segundo a empresa de análise de dados Chan Mama.

Deng anunciou seu noivado com Charles Thomas em maio, e muitos de seus seguidores enviaram parabéns. "Há muito tempo que acompanho a sua história. Finalmente poderemos testemunhar o seu grande dia!" escreveu uma delas.

“Para muitas mulheres jovens, assistir aos relacionamentos românticos de casais inter-raciais nas redes sociais é como ler um romance digital. Realiza suas fantasias sobre o casamento e também mostra que estão insatisfeitas com a realidade”, diz Li Chen, pesquisadora de estudos sociais em mídia na Universidade A&M Texas.

A China continua sendo uma sociedade patriarcal. É esperado que as mulheres assumam a maior parte do trabalho doméstico e do cuidado dos filhos; A discriminação no local de trabalho é comum; e não houve alterações legislativas nos últimos anos.

Cada vez mais jovens chinesas rejeitam os papéis tradicionais de gênero, embora o Estado as pressione a casar e a ter filhos diante da queda das taxas de fertilidade. Em 2023, a população da China diminuiu pelo segundo ano consecutivo. Caiu para 1,409 bilhão, o que representou 2,08 milhões de pessoas a menos que no ano anterior.

Muitas das seguidoras dessas contas parecem assumir que as relações com parceiros ocidentais são mais equitativas, embora isso não seja necessariamente verdade. “Os homens ocidentais tendem a priorizar mais os cuidados familiares do que os homens chineses”, foi o comentário de alguém que segue a conta de Laura Deng.

Qian Huang, professor associado de estudos de mídia na Universidade de Groningen, na Holanda, concorda que a tendência pode indicar um aumento do feminismo na China, especialmente entre grupos sociais de renda média e alta.

O especialista destaca que os influenciadores que promovem a solteirice também estão cada vez mais populares.

É comum que contas dedicadas a casais inter-raciais mostrem o homem ocidental experimentando comida chinesa, cantando músicas em mandarim, visitando atrações turísticas na China ou explorando a tecnologia chinesa avançada.

Um vídeo de Charles Thomas vestido com roupas tradicionais chinesas na Leicester Square, em Londres, foi um dos conteúdos de melhor desempenho no perfil de Laura Deng no Xiaohongshu.

Esse tipo de conteúdo difere dos vídeos publicados por estrangeiros que simpatizam com o governo chinês e muitas vezes documentam o seu cotidiano na China, e expressam o seu apoio à posição de Pequim em questões altamente controversas, como o conflito com a minoria uigur na região de Xinjiang. Os influenciadores dedicados a casais inter-raciais raramente abordam temas políticos.

Deng, que mora no Reino Unido há dez anos, considera natural mostrar sua cultura ao companheiro e à família. “Estou ansiosa para mostrar a vocês o melhor da China”, diz ela, acrescentando que as percepções ocidentais do seu país são moldadas pela cobertura negativa dos meios de comunicação social.

Ela se lembra de como os pais do namorado ficaram impressionados durante a primeira viagem à China. "Eles disseram: 'Muitas coisas aqui são ainda melhores do que no Reino Unido'".

Qian Huang descreve isso como “nacionalismo cultural”, uma vez que existe um ressentimento generalizado relativamente à crença de que a cultura chinesa foi “eclipsada” num mundo “dominado pelo Ocidente”.

Por exemplo, a marca de luxo francesa Christian Dior atraiu em 2022 a ira dos internautas chineses que a acusaram de se apropriar da saia “cara de cavalo”, um vestido tradicional plissado cuja história pode remontar à dinastia Song (960 a 1279). .

O presidente chinês, Xi Jinping, cunhou pela primeira vez o conceito de “confiança cultural” em 2016. É a ideia de que o povo chinês deve se orgulhar da sua história e cultura antigas. O Congresso do Partido Comunista, que deu a Xi um terceiro mandato sem precedentes em 2022, adotou a “confiança cultural” no seu relatório final.

À medida que as suas relações com o Ocidente se tornaram mais tensas nos últimos anos, a China se tornou mais introspectiva.

A Internet é fortemente censurada na China, o que significa que os influenciadores que falam sobre casais inter-raciais estão “alinhados com a agenda do governo”, diz Chen. “Eles podem não ser motivados pelo nacionalismo, mas podem torná-lo lucrativo”, afirma.

Contudo, o nacionalismo pode ser uma faca de dois gumes.

Wendy, que não quer revelar o sobrenome, mora na Europa com o noivo francês. Ela tem quase 20 mil seguidores no Xiaohongshu, embora tenha evitado usar rótulos como “casais inter-raciais” ou “amantes interculturais”. Postagens com o noivo atraem mais visualizações do que outras.

Mas ela também recebe muitos comentários odiosos e racistas. Em alguns casos, ela foi acusada de ser uma “adoradora do Ocidente” ou mesmo uma espiã. Os ataques a levaram a encerrar suas contas pelo menos três vezes.

A jovem de 28 anos também recebeu ofertas de colaboração de diferentes marcas, mas se sentiu incomodada com os estereótipos irrealistas do conteúdo patrocinado que lhe propuseram. “Eles querem que você torne tudo o mais romântico possível”, conta.

Ela diz que esse não era o tipo de conteúdo que originalmente queria compartilhar e isso acabou prejudicando seu relacionamento com o noivo. Este ano ela rejeitou todos os acordos de patrocínio que surgiram em seu caminho.

“Eu só quero ser fiel a mim mesmo e capturar os momentos felizes.”

Laura Deng foi acusada de usar sentimentos nacionalistas para autopromoção. Mas ela insiste que não entende de política e que seu conteúdo é baseado em seus sentimentos e experiências pessoais.

“As pessoas gostam de ver como nós, chineses, mostramos orgulhosamente a nossa cultura aos outros”, diz ela. “Não me importa o que dizem sobre o eco das políticas governamentais. Se gosto de publicar, continuarei fazendo isso”, conclui.

Fonte: correiobraziliense

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