Com Pedro José*
O mercado televisivo brasileiro vem passando por transformações significativas nos últimos anos. Uma das mudanças mais recentes é a crescente presença de propagandas de casas de apostas on-line em grandes emissoras de TV, especialmente na transmissão de eventos esportivos. Até mesmo o nome do Campeonato Brasileiro de Futebol foi alterado. Esse fenômeno reflete a expansão do segmento de apostas digitais no Brasil, impulsionado pela legalização parcial desse negócio, em 2018, e pelo interesse cada vez maior do público.
Apesar de a publicidade de jogos de apostas estar cada vez mais presente, o setor ainda carece de regulamentação adequada no Brasil. O Ministério da Fazenda publicou, no mês passado, no Diário Oficial da União (DOU), uma portaria com mudanças na regulamentação dos jogos de apostas on-line no país. A norma tem como objetivo evitar o aumento de crimes praticados no âmbito das bets, a exemplo da lavagem de dinheiro, da venda ilegal de armas e do financiamento do terrorismo.
Com a regulamentação das apostas esportivas no horizonte, a expectativa é de que o mercado se torne mais organizado, com regras claras para o setor. A presença de comerciais de empresas de apostas on-line nas emissoras de TV, no entanto, parece estar consolidada, e o desafio será garantir que essa prática seja conduzida de forma ética e responsável.
Nas reportagens da série "A Saga das apostas", que vem sendo publicada pelo Correio, foi abordado o endividamento que está afetando muitas famílias devido ao vício em jogos de azar. Além disso, foi explorado o papel dos influenciadores digitais na promoção de plataformas de cassino on-line, destacando como suas recomendações podem impactar o comportamento dos seguidores. A série também analisou a influência das casas de apostas no esporte, especialmente no futebol, onde muitos times são patrocinados por essas empresas, evidenciando a força e a presença significativa das casas de apostas no cenário esportivo.
Agora, em uma nova fase desse mercado, as emissoras de TV estão buscando criar suas próprias casasde apostas, ampliando ainda mais a presença das apostas esportivas na mídia e no cotidiano das pessoas. A criação de uma plataforma para esse segmento deve seguir rigorosamente o conjunto regulatório estabelecido para a atividade, destacou o advogado especializado em direito desportivo e sócio da CCLA Advogados, Raphael Paçó Barbieri.
"Isso inclui obrigações de prevenção à lavagem de dinheiro, combate ao jogo ilegal, compliance contínuo e a realização de programas para combater a ludopatia", explicou o advogado. Sobre a possibilidade de uma emissora de TV se envolver com apostas, Barbieri afirmou que não vê uma limitação adicional. Na avaliação do especialista, o fator crucial será a adaptação de todos os envolvidos às regras necessárias para obter a licença de operação.
Para explorar a atividade de apostas, as empresas devem cumprir um processo específico definido pelo governo federal. Entre os principais critérios estão: ter sede no Brasil, contar com, pelo menos, um sócio brasileiro, apresentar um pedido de licença com a documentação exigida e pagar uma taxa pública de licença no valor de R$ 30 milhões. "As empresas que desejem explorar essa atividade devem seguir o processo criado pelo governo e federal para obterem licença", afirmou Barbieri.
A regulamentação do mercado de apostas foi concluída neste ano, com a elaboração de diversas portarias pela Secretaria de Prêmios e Apostas, do Ministério da Fazenda. Atualmente, a fase em questão é a análise dos pedidos de licença para sites que pretendem iniciar suas operações no início de 2025. "Estamos em fase de análise dos pedidos de licença. Obviamente, conforme o mercado for se desenvolvendo, será natural a adequação da regulamentação existente. Entretanto, nesse momento, a regulamentação já está finalizada", destacou Barbieri.
O advogado especialista em direito desportivo, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, Luciano Andrade Pinheiro, destacou que, para uma casa de apostas funcionar legalmente no Brasil, é preciso obter uma autorização expedida pela Secretaria de Prêmios e Apostas da Fazenda. Ele ressaltou que as emissoras de TVs podem enfrentar algum problema no caminho ao criar suas próprias bets, porém há como evitar. "Desde que atuem em conjunto com empresas que já possuem experiência com apostas e cumprirem os requisitos não tem vedação para que uma empresa de qualquer natureza se associe ao mercado de bets. A Lei inclusive prevê isso. As empresas podem formar grupos e basta que, pelo menos, uma delas tenha experiência em apostas", afirmou Pinheiro. "A forma que a regulamentação está posta, o governo está criando mecanismos para que as empresas que operam tenham solidez suficiente para que tenham condição de arcar com todas as responsabilidades decorrentes do jogo. Na teoria, entretanto, uma empresa que é sócia de outra pode ser responsabilizada em caso de desvio de finalidade ou confusão patrimonial", acrescentou.
Para Ricardo Bianco Rosada, fundador da consultoria Brmkt.co, a entrada das emissoras de TV no mercado de apostas esportivas traz um impacto potencialmente significativo nesse segmento que ainda precisa ser normatizado. "Embora o artigo 18 da regulação impeça emissoras de TV ou suas controladoras de adquirir ou licenciar direitos de eventos esportivos para difusão, a possibilidade de parcerias comerciais robustas entre operadores de apostas e veículos de mídia abre um caminho interessante", disse. "Essas parcerias podem se traduzir em acordos de publicidade, ações de co-branding, e promoção cruzada, o que beneficia ambas as partes. As emissoras de TV têm grande credibilidade no Brasil, o que pode influenciar diretamente a confiança dos consumidores em casas de apostas associadas a elas. A confiança é um fator crítico no setor de apostas esportivas, pois os usuários precisam sentir segurança em relação à plataforma e à transparência das operações", complementou.
Segundo o especialista, além disso, a penetração massiva que as emissoras possuem na população brasileira pode alavancar o mercado de apostas, ampliando a base de clientes de maneira significativa. "Um exemplo de sucesso internacional é o caso da Sky Bet no Reino Unido, que se beneficiou enormemente de seu relacionamento com a Sky Sports, um dos principais canais esportivos britânicos", destacou Rosada. "A Sky Bet não apenas conquistou a confiança do público esportivo, como se tornou uma das maiores operadoras de apostas do país. Um cenário semelhante no Brasil poderia gerar um aumento na arrecadação, tanto para as empresas quanto para o governo", ressaltou.
Embora as emissoras de TV não possam operar casas de apostas diretamente se possuírem direitos de transmissão de eventos esportivos, parcerias estratégicas com operadoras podem gerar um impacto positivo na arrecadação fiscal. De acordo com Rosada, as marcas associadas às emissoras de TV gozam de uma confiança maior por parte do público, o que potencializa a retenção e lealdade dos clientes. "Essa confiança resulta em um fluxo constante de apostas e, por consequência, maior arrecadação de impostos."
"Ao aumentar a confiança e credibilidade no mercado de apostas, essas parcerias podem elevar a quantidade de apostas realizadas, pois os apostadores estarão mais dispostos a se divertir em plataformas associadas a marcas respeitadas. Isso é particularmente relevante em um cenário em que o governo busca aumentar a arrecadação fiscal, uma vez que as casas de apostas licenciadas estarão contribuindo diretamente com tributos", disse Rosada.
De acordo com o consultor, nos Estados Unidos, após a regulamentação do mercado de apostas esportivas em vários estados, emissoras como a ESPN fizeram parcerias com operadoras como a DraftKings, e o recente acordo entre ESPN e Peen, resultando em um aumento significativo na visibilidade e no volume de apostas, o que também impulsionou a arrecadação de impostos locais.
*Estagiário sob supervisão de Rosana Hessel
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