Fui criada em Los Angeles, na Califórnia (Estados Unidos), e basicamente ignorava a natureza. "Sou uma pessoa da cidade", eu costumava dizer para todos os que tentassem me arrastar para uma caminhada ao ar livre.
Mas, durante os lockdowns da pandemia, observei pintassilgos fazendo um ninho na minha varanda. E, em busca de algo que me afastasse das telas, pendurei alimentadores de pássaros e baixei um aplicativo de identificação dos cantos das aves.
Os pintassilgos trouxeram um passatempo relaxante, mas tudo mudou quando identifiquei uma conta de "câmera de animais" nas redes sociais. Foi ali que percebi que as pessoas não estavam apenas alimentando pássaros. Elas estavam também filmando os animais — e até instalando minúsculas banheiras quentes para as aves se divertirem.
Aquilo, para mim, virou uma obsessão. Tanto que comprei uma câmera comum de trilha na Amazon e instalei no meu jardim.
Em questão de dias, mergulhei na vida dos meus vizinhos gambás, esquilos e doninhas. Um reality show natural se desdobrava nos arbustos do meu próprio jardim.
Dependendo de onde você mora, provavelmente, existe todo um universo paralelo de vida animal em frente à sua janela, aguardando apenas um pequeno equipamento espião para ser observado. E, com a proliferação de câmeras de baixo custo, surgiu um animado grupo online de pessoas apaixonadas pela observação dos animais.
No entanto, esta quantidade crescente de imagens da vida selvagem no jardim de casa não serve apenas para conseguir uma rápida dose de dopamina observando os animais fofos.
Os vídeos de animais que as pessoas compartilham nas redes sociais são percepções mutantes da vida selvagem urbana, que incentivam a criação de comunidades de apoio e chegam a repercutir nos trabalhos de conservação.
"Minhas câmeras me aproximam dos animais com quem compartilho este ecossistema", afirma Eric Aldrich. Ele administra uma conta de câmeras de trilha domésticas, na sua casa em Tucson, no Estado americano do Arizona.
"E, quando compartilho com os demais as imagens capturadas pelas minhas câmeras — nas redes sociais, nas salas de reuniões, no deserto e nas montanhas – meus vizinhos humanos também se sentem mais próximos."
Nos seus dois mil metros quadrados de terra ao lado de um curso de água seco, Aldrich tem três câmeras de trilha alimentadas por energia solar.
Originalmente popularizadas por caçadores e pesquisadores, as câmeras de trilha possuem sensores de movimento por infravermelho que são idealmente acionados quando um animal caminha nas proximidades.
"Eu configuro a minha câmera para produzir vídeos de qualidade mais alta e mantenho a sensibilidade [ao movimento] baixa, porque não quero folhas de grama ou insetos disparando a câmera", conta Aldrich.
Uma vez por mês, ele analisa as filmagens e edita um vídeo narrado para compartilhar no YouTube, Instagram e em um grupo sobre câmeras de trilha na plataforma Reddit.
O elenco regular inclui personagens como catetos (um herbívoro parecido com o javali), cervos, coelhos, coiotes, codornas e morcegos frugívoros. Mas o vídeo de Aldrich que mostra um lince-pardo com um rádio-colar definiu sua posição como assistente de pesquisa honorário.
"Os cientistas do projeto Bobcats in Tucson viram minha filmagem e disseram: 'este é o nosso lince'", ele conta. "Eles colocaram armadilhas em volta do meu terreno e capturaram esse lince para trocar o colar. Consegui segurá-la e ajudar os cientistas com suas pesquisas."
A maior parte dos fãs de câmeras de animais nunca irá conseguir segurar um animal silvestre. Mas as imagens capturadas pelos cidadãos podem trazer verdadeiras colaborações para os conservacionistas.
"Precisamos de olhos no campo", afirma a ecologista comportamental Anne Clark, da Universidade de Binghamton, em Nova York, nos Estados Unidos. "Cada vez mais cientistas estão percebendo que podem conseguir ajuda de observadores [amadores] ávidos e cuidadosos, particularmente os que possuem alguma tecnologia de campo."
Um grupo de voluntários treinados por um programa da Universidade Estadual do Mississippi, nos Estados Unidos, fez exatamente isso. Um estudo empregando 1 mil câmeras de trilha espalhadas pelos Estados Unidos acompanhou os impactos da gentrificação e da infraestrutura verde sobre a vida selvagem urbana.
Uma descoberta surpreendente foi que as áreas gentrificadas da costa leste, onde o dinheiro foi investido em paisagens e jardins, atraíram uma população maior de "espécies bem-vindas", como cervos, coelhos e raposas.
Por outro lado, comunidades urbanas carentes da costa oeste, com menos infraestrutura verde, atraíram mais espécies "inconvenientes", como ratos, gambás e guaxinins.
Os autores do estudo afirmam que são necessárias mais pesquisas para compreender os motivos das diferenças entre as regiões. Mas os cientistas concordam que, onde há mais áreas verdes, a biodiversidade floresce.
As câmeras de trilha no quintal também podem desvendar segredos sobre as plantas, segundo a professora de Biologia Nina Zitani, da Universidade Western, no Canadá. Ela cunhou a expressão "jardinagem da biodiversidade".
Ela conta que, em muitos casos, "não conhecemos os tipos de polinizadores responsáveis por cada planta".
"As câmeras de trilha nos ajudam a fazer interessantes observações sobre quais animais estão comendo as frutas e dispersando as sementes, o que é muito importante para a reprodução vegetal", explica Zitani. "Nossa tendência é nos concentrarmos nos animais, mas não teremos animais se não tivermos plantas nativas."
É claro que nem todo observador de animais quer ser cientista. Muitas pessoas simplesmente se divertem apenas acompanhando aquele mundo secreto.
É o caso de David e Johanna Kaye, na cidade de Milwaukee, no Estado americano de Wisconsin. O casal tem duas câmeras externas ligadas ao wi-fi. Elas fazem com que eles se sintam mais conectados com o mundo e fornecem horas de entretenimento.
"Saber quem são seus vizinhos animais é engraçado, e dei nomes a eles", conta Johanna. "A raposa é Le Slinkus e o gambá é Le Stinkus. E há também um gato tricolor que chamo de Inspetor, porque ele está sempre verificando tudo."
O antropomorfismo é parte da atração, especialmente para a fotógrafa Caitlyn Montgomery, de Los Angeles.
Montgomery começou instalando sua câmera de trilha para descobrir quem era o culpado por comer o seu jardim, mas nunca conseguiu filmá-lo.
Durante a estação dos incêndios na Califórnia, ela colocou água na frente da câmera. Mais tarde, ela viu as aves saltando para dentro, para se refrescar.
"Essas aves estavam tomando banho nas tigelas e se divertindo", ela conta. "Aquilo realmente me trouxe alegria."
O marido de Montgomery é fotógrafo e cenógrafo. Ele sugeriu que eles criassem um minicenário de filmagem para os pássaros.
"Ele fez esta mesa de piquenique minúscula e uma pequena banheira com coisas que tínhamos pela casa", descreve ela. "Ele então fixou os enfeites a uma placa com a câmera montada em um dos lados."
Com o passar do tempo, Montgomery comprou uma câmera melhor e acrescentou decorações sazonais, como pequenas árvores de Natal, tortas de Ação de Graças, abóboras de Halloween, um cordão de corações para o Dia dos Namorados e uma pequena garrafa de champanhe para o Ano Novo.
Para sua surpresa, coiotes e gambás destruíram alguns dos enfeites, o que prejudicou a ilusão. "Quando vem um coiote, você vê como a mesa é pequena e aquilo prejudica a perspectiva", ela conta.
Pouco tempo depois, Montgomery lançou uma conta no Instagram. E, embora ela reunisse apenas algumas centenas de seguidores, as aves e os animais maiores contam com fãs dedicados.
Montgomery gosta de fazer parte da comunidade de câmeras de animais, mas mantém sentimentos contraditórios em relação às redes sociais. "Preciso me lembrar de que não é só questão de curtidas", ela conta.
Como sempre acontece, as redes sociais podem ser um desafio, principalmente para as pessoas criativas que se preocupam com os críticos que analisam cada postagem.
Este é um dos motivos que levaram Montgomery a criar uma conta específica para as filmagens, separada da sua conta pessoal. Com isso, ela pode destacar a beleza dos animais e mostrar menos sobre si própria.
LouAnne Brickhouse é contadora de histórias e reuniu 223 mil seguidores na conta das suas câmeras de jardim no Instagram. Mas, inicialmente, ela também se sentia ressabiada com as redes sociais.
"Achei tudo tão competitivo e uma disputa para ser relevante, mas esses sentimentos negativos foram dissipados pela comunidade [da minha conta], que é como uma grande família", ela conta.
Em 2015, Brickhouse construiu uma banheira para os pássaros no seu jardim, no bairro Studio City, em Los Angeles. Dois corvos desceram imediatamente para examinar a água.
"Fiquei totalmente hipnotizada, encantada e enlevada em ver como aqueles dois corvos eram magníficos", relembra ela. "Eu deixei nozes no lado de fora e os corvos machos começaram a voltar todos os dias, batendo na minha janela."
Quando Brickhouse não estava na sala, o corvo batia com mais força. "Ele compreendia as gradações do som e como deveria chamar os humanos", ela conta.
Brickhouse deu aos corvos os nomes de James e Margaret, em homenagem ao histórico diálogo entre o escritor James Baldwin (1924-1987) e a célebre antropóloga Margaret Mead (1901-1978), em 1970.
"Aquele diálogo sobre como nos compreendermos coletivamente uns aos outros, mesmo quando vínhamos de locais muito diferentes, deixou uma marca muito grande em mim", explica ela, "e foi assim que me senti quando [o corvo] James basicamente me apresentou para o seu mundo e sua perspectiva."
Brickhouse lançou sua conta usando vídeos de James, gravados com seu celular. Três anos depois, ela instalou algumas câmeras de segurança com wi-fi para ver quem mais poderia estar visitando seu jardim.
"Quando comecei a assistir às imagens, fiquei surpresa ao ver quantas vidas eram vividas no lado de fora de casa", ela conta.
Agora, ela tem 50 câmeras espalhadas pelo terreno e, como são aparelhos pequenos que podem ser instalados dentro de caixas de nidificação, elas literalmente a levam para mais perto da natureza.
"Posso ver ovos sendo colocados nas caixas de nidificação", ela conta. "Posso ver pequenos filhotes crescerem e os pais entrando a cada 30 segundos para alimentá-los.
"Vejo esquilos se aninhando em caixas para dormir à noite. Por mais que eles possam parecer diferentes, nós não somos tão diferentes assim."
A empatia entre as espécies é o princípio básico da conta de Brickhouse.
Quando ela compartilha vídeos de Stevie e Jack, um par de coiotes que a visitam para brincar com cães de brinquedo, ou Scout, o abutre que exibe suas penas, Brickhouse espera eliminar os preconceitos sobre a vida selvagem.
"Comecei a postar os abutres e as pessoas disseram: 'oh, eles são feios. São um mau sinal'", ela conta. "Mas, agora, eles observam e já aprenderam."
"Quando saio para conversar com Scout e sua mãe, Mildred, a Magnífica, é como se eles fossem um velho amigo e uma personagem mágica."
Como na conta de Brickhouse, a maior parte dos grupos de câmeras de animais online forma espaços de apoio para que os fãs dos animais possam se conectar e compartilhar conhecimentos.
Existe também uma ativa comunidade na plataforma Reddit, com 222 mil membros. Nela, os observadores de animais ajudam os demais a identificar espécies misteriosas que aparecem em vídeos, fotos e áudios carregados na comunidade.
Por outro lado, algumas comunidades são totalmente dedicadas à caça. Na verdade, a maioria das câmeras de trilha são produzidas por fábricas de armas.
Mas isso não entusiasmou Nick Walsh, um observador de animais de Sherman Oaks, na Califórnia, que se juntou recentemente ao grupo.
"Entrei na Amazon e digitei 'câmera de animais', mas nada apareceu", ele conta. "Todas as câmeras eram muito pesadas, de caça, nada de bonito ou engraçado. Elas não são feitas para as nossas necessidades." Mas existem mudanças no horizonte.
"Eles têm um grupo que está envelhecendo e pendurando os chapéus de caça", conta Rick Howell, fundador e diretor do website TrailCamPro.com, que vende, avalia e analisa todos os modelos de câmera de trilha.
Para ele, "a indústria da caça está encolhendo e cada vez mais pessoas usam as câmeras de trilha para observar a vida selvagem em casa".
Pode não ser uma boa notícia para a indústria da caça, mas Howell afirma que um terço dos seus clientes estão comprando as câmeras para espionar animais — e que este segmento está em crescimento.
Estas podem ser boas notícias não apenas para o elenco dos vídeos de animais, mas para o mundo como um todo.
Um estudo de 2023 concluiu que assistir a um vídeo de natureza pode ser tão benéfico quanto passear ao ar livre, em termos de redução do estresse, relaxamento e melhora do humor.
Montgomery acredita que assistir aos vídeos de animais se reunindo, coexistindo e compartilhando recursos nos relembra que o mundo natural floresce além dos nossos interesses e preocupações.
"Estes animais estão ali sobrevivendo e não se preocupam comigo", afirma ela. "Existe uma verdadeira ligação com a terra. Eu posso ser uma pessoa do tipo ansioso, que faz um milhão de coisas, e simplesmente desacelero para sair de manhã e ver quem veio me visitar."
Quanto a mim, acabei de acrescentar uma segunda câmera, para dobrar minha dose de dopamina. Com o estado atual do planeta, parece que meu investimento valeu a pena.
Leia a versão original desta reportagem no site BBC Future.
Fonte: correiobraziliense
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