O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro do segundo trimestre, que cresceu 1,4% na comparação com os três meses anteriores, ficou acima das expectativas do mercado e do governo, de 1,1%. O dado foi comemorado, na semana passada, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e por integrantes do governo que atribuíram o forte crescimento à atual política econômica, e apontaram os erros dos economistas, que "estariam não sabendo mais fazer projeções".
Mas não é bem assim, conforme analistas ouvidos pelo Correio. Eles alertam para a desaceleração da atividade econômica, a partir do terceiro trimestre, devido ao fato de que o governo gastou além do esperado e esse impulso fiscal não é sustentável. Logo, para os próximos trimestres, a tendência é de desaceleração mostrando que, mais uma vez, o PIB avança, mas deve frear em seguida, reproduzindo o tradicional "voo de galinha" da economia brasileira. E, devido ao carregamento estatístico de 2,5% do PIB para o resto do ano, segundo os analistas, mesmo se o PIB ficar estável de julho a dezembro, o crescimento contratado para 2024 é de 2,5%. Com isso, as revisões para cima da alta do PIB deste ano começaram e estão perto de 3%, mas desaceleram para menos de 2%, em 2025.
O economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), reconhece que o erro sistemático nas projeções do mercado para o PIB tem duas razões. A primeira é do ponto de vista metodológico e, a segunda, é o impacto da política econômica adotada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que é expansionista."Os modelos econométricos desenvolvidos ao longo do tempo para as projeções se baseiam no passado. E, como a economia sempre teve um desempenho modesto, isso atrapalha as estimativas futuras e provoca esse erro sistemático. E, do ponto de vista fiscal, o estímulo dos gastos do governo foi bem maior do que o esperado", explica. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, estava com uma das projeções mais otimistas do mercado para crescimento do PIB do segundo trimestre, de 1,2%, e também atribui o erro do mercado ao forte aumento das despesas do governo que estimulam mais o consumo sem uma estratégia de crescimento sustentável da economia, buscando melhorar a qualidade dos gastos públicos e imprimir um verdadeiro ajuste fiscal.
Conforme dados do Tesouro Nacional, as despesas do governo federal cresceram 7,8% no semestre, em termos reais (descontada a inflação). Esse aumento das despesas, em grande parte, foi impulsionado pelo desembolso maior de benefícios, pelo salto de 935,7% de gastos extraordinários, pelo aumento de 67,6% no pagamento dos precatórios (dívidas judiciais da União), e pelo aumento de 43,7% nos investimentos. "Não se imaginava que a política fiscal teria um impacto tão forte no PIB", destaca Vale. Para o economista da MB, o avanço do PIB foi um novo "voo de galinha". "Com tanto estímulo à demanda como a gente está vendo agora, estamos diante das consequências: a inflação sobe, os juros também e o crescimento mais fraco acaba voltando no ano seguinte e, talvez, em 2026. Por isso, esse 'voo de galinha' está bastante claro", explica. Vale estima que o PIB, no terceiro trimestre deverá ficar "pouco abaixo de 1%", e, como há um conjunto de fatores que devem pressionar a inflação, como o PIB mais forte e os preços da energia mais caros, e fazer com que o Banco Central aumente a taxa básica da economia (Selic), atualmente em 10,50% ao ano, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para 17 e 18 deste mês. Pelas estimativas da Vale, a Selic seguirá em alta neste ano e encerrará 2024 em 11,50%. A XP Investimentos prevê a Selic em 11,75%, no fim deste ano, subindo para 12%, no fim de 2025.
De acordo com a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), além do impulso dos gastos do governo de forma geral, o impacto do pagamento dos precatórios não pagos pelo governo anterior no fim de 2023 — de pouco mais de R$ 93 bilhões, após o calote do governo anterior — e a antecipação do 13º dos aposentados entre abril e maio, que injetou também R$ 67 bilhões na economia, contribuíram bastante para o crescimento do PIB acima das estimativas. Ela lembra os principais componentes da ótica de gastos cresceram acima da média do PIB, de 2,9% no semestre. "O PIB deste ano é diferente, porque está sendo impulsionado pelo aumento da demanda interna e não pelo choque de oferta, como o ocorrido em 2023, que contribuiu para a inflação ser menor, mas agora, vamos ter inflação maior e aumento nos juros", alerta.
Especialistas alertam sobre a mudança estrutural não vem sendo captada nos modelos estatísticos. O país atravessou duas recessões quase consecutivas — a de 2015 a 2016, provocada pelo próprio governo que era comandado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e a de 2020, devido à pandemia da covid-19 — e passou por reformas estruturais feitas desde 2017, como a trabalhista e a da Previdência, além da modernização de marcos regulatórios, como o do saneamento — que ajudaram a elevar os investimentos no país. Eles lembram que, mesmo com a revisão das previsões para cima, o Brasil ainda deve seguir crescendo abaixo da média global, de 3,1%, neste ano e de 3,2%, em 2025, pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). Além disso, apesar de os investimentos também subirem para 16,8% do PIB, no segundo trimestre deste ano, esse indicador segue abaixo do pico histórico, de 21% do PIB, e está distante da média global (26,5% do PIB) e dos países da América Latina, de 20% do PIB.
A economista e consultora Zeina Latif, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, reconhece que há uma dificuldade técnica para essa sequência de surpresas positivas no PIB. "Assim como no passado, houve surpresas negativas, porque o Brasil tem muita volatilidade na atividade. Tivemos uma recessão severa no governo Dilma, descolando o Brasil da experiência dos outros países emergentes. Como foi uma crise nossa, isso afetou muito a qualidade dos modelos econômicos para projeções de curto e médio prazos. Na recessão de 2015 a 2016, os erros na política econômica não foram capturados pelos modelos devido às quebras estruturais que o país sofreu. E, depois da pandemia, piorou muito a qualidade desses modelos de previsão de médio prazo", afirma. Para a economista, existe uma dificuldade técnica também porque houve mudança no PIB potencial (que indica a capacidade de o país crescer naturalmente). Pelas projeções do mercado, esse PIB potencial está em torno de 2%, mas, devido ao aumento da produtividade, mas deve ser um pouco maior, segundo ela. "Temos razões para acreditar que tem não só ganho de produtividade, mas uma tendência ainda que muito errática e de volta paulatina de investimentos. Então, acredito que tem um aumento do PIB potencial. O FMI está falando, agora, que esse PIB potencial está com cara de 2,5%. E talvez a gente tenha um PIB potencial que está avançando, mas ainda não sabemos bem o tamanho dele", afirma Latif.
Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos, reforça que não foi apenas o mercado que errou nas projeções do PIB, mas também o Banco Central e o Ministério da Fazenda. "É difícil termos uma única resposta para essa surpresa generalizada. Em parte, tem a ver com os modelos, e, talvez haja necessidade de atualização dos principais modelos usados para a estimativas. Mas existem fatores estruturais e conjunturais", ressalta. De acordo com ele, o time de economia da XP também considera, sim, que houve certo ganho de capacidade produtiva do país ao longo dos últimos anos.
"Afinal, nós observamos algumas reformas sendo aprovadas, desde a reforma trabalhista, em 2017, reforma da Previdência, modernização de marcos regulatórios setoriais, inovações no sistema financeiro, como o Pix, entre outros. Existe uma série de avanços do ponto de vista mais estrutural, ao longo dos últimos anos de difícil mensuração individualmente, mas que, em conjunto, parecem explicar parte dessas surpresas positivas", ressalta Margato. Ele também reconhece que houve aumento do PIB potencial, antes de 1,5% e, agora, na casa de 2%. "Houve o aumento significativo de renda ao longo dos últimos trimestres, devido ao impulso fiscal, e tivemos um expressivo das despesas públicas desde o ano passado. Enfim, há uma uma série de elementos que aumentaram bastante a disponibilidade de renda", destaca. Segundo ele, os cálculos da XP sobre o impulso fiscal no PIB do segundo trimestre foi de 5% no primeiro trimestre de 2024 em relação aos três meses anteriores e, no segundo trimestre, esse impulso fiscal deve ficar bem próximo ao aumento de 5,5% da renda disponível. Pelas estimativas revisadas da XP, o PIB deverá crescer 3,1% neste ano.
Na avaliação do economista e consultor André Perfeito, existem duas questões que estão influenciando as surpresas nas estimativas do mercado, que não gosta muito de governos de esquerda. "De um lado, temos questões de ordem microeconômica que são difíceis de mensurar, e tem a ver, talvez, com um nível maior de eficiência da economia brasileira, que pode ser por vários motivos, como as medidas microeconômicas que o ex-ministro da Economia Paulo Guedes tomou, até a revolução digital que aconteceu no Brasil e no resto do mundo por causa da pandemia. A produtividade do mundo melhorou. Todo mundo sabe ligar o computador e fazer uma reunião virtual e o comércio ficou mais ágil, mais eficiente, os outros processos também ficaram mais eficientes", destaca. Por outro lado, ele acredita que o mercado financeiro "tem errado sistematicamente porque entende que a dinâmica fiscal é negativa". "O aumento do gasto do governo altera as expectativas e gera um custo a curto prazo. Mas, na verdade, qualquer livro de economia, ensina que, se você tem mais gastos a curto prazo, o PIB cresce", afirma Perfeito, que tem uma visão desenvolvimentista enquanto que a do mercado é fiscalista.
Luis Otavio Leal, economista-chefe da G5 Partners, por sua vez, resume que as surpresas do PIB vieram pelo maior crescimento da indústria e pelo aumento do consumo do governo e ressalta que os desafios fiscais deste ano poderão ser maiores em 2025. "O que fica claro é que, tanto o crescimento mais forte do que o esperado quanto a inflação mais alta, têm as 'digitais' do governo. A combinação desses dois fatores explica o porquê de os juros no Brasil estarem tão altos e, provavelmente, ainda terem de subir mais na próxima reunião do Copom. Crescimento é bom, mas não com inflação alta, porque ele tem um prazo de validade após o aperto na política monetária. Se nossa política fiscal continuar nessa toada, podemos chegar a um equilíbrio ruim, no qual o crescimento fica limitado por uma inflação longe da meta e juros mais altos por um período mais longo", afirma. "E como diria o ex-ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen: 'Toda sociedade tem a inflação que merece", complementa.
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