22 de Novembro de 2024

O 'acampamento' de moradores de rua no bairro mais caro de Londres


Em uma noite recente em Park Lane, uma das ruas mais exclusivas de Londres, no bairro de Mayfair — onde nasceu a rainha Elizabeth 2ª, falecida há dois anos — um corretor de imóveis vendia uma propriedade por 16,5 milhões de libras (R$ 120 milhões).

A poucos metros dali, contrastava com a região um acampamento com cerca de 24 barracas que abrigavam pessoas em situação de rua. Algumas delas estavam sentadas, em uma noite de calor, enquanto outras liam sob a luz de lanternas.

O número de pessoas dormindo nas ruas está crescendo em toda a Inglaterra, e essas barracas, que estão se tornando cada vez mais comuns em cidades e vilarejos, são apenas a face mais visível de um problema muito maior.

A falta de moradia, de acordo com alguns critérios, atingiu níveis recordes. Mais de 150 mil crianças, por exemplo, vivem em acomodações temporárias, muitas vezes distantes de suas escolas e amigos. Em alguns casos, famílias inteiras são obrigadas a viver em um único quarto apertado e, às vezes, com mofo.

A vice-primeira-ministra britânica, Angela Rayner, afirma que a Inglaterra está em "meio à pior crise habitacional da memória recente".

Para enfrentar essa situação, o novo governo propõe criar uma unidade de trabalho para reduzir a falta de moradia.

No manifesto do Partido Trabalhista, que venceu as últimas eleições gerais, o compromisso é "colocar o Reino Unido de volta no caminho para acabar com a falta de moradia".

Embora pareça uma meta ambiciosa, a falta de moradia já foi combatida com sucesso por governos anteriores.

O Partido Trabalhista prometeu cumprir suas promessas "baseando-se nas lições do passado", uma referência ao sucesso do governo do ex-primeiro-ministro trabalhista Tony Blair em reduzir drasticamente o número de pessoas dormindo nas ruas.

Em 1999, Blair se comprometeu a reduzir em dois terços o número de pessoas dormindo nas ruas em três anos. Em 2002, seu governo declarou que atingiu a meta um ano antes, quando o número de pessoas dormindo nas ruas na Inglaterra caiu de 1.850 para 532.

Esses números permaneceram baixos durante a maior parte da década seguinte.

Embora o método para contar as pessoas dormindo nas ruas tenha mudado ao longo dos anos, especialistas concordam que houve uma queda durante o governo trabalhista.

Em 2010, quando a coalizão Conservadora-Liberal Democrata assumiu o poder, o número caiu para 440. No entanto, o então ministro da Habitação, Grant Shapps, expressou ceticismo quanto à precisão dos números e revisou o método de contagem.

Sob a nova metodologia, o número de pessoas dormindo nas ruas em 2010 era de 1.768.

Após isso, os números subiram, atingindo um pico em 2017. Os dados mais recentes apontam que o número chegou a 3.898, um aumento de 120% em relação a 2010.

Mesmo durante a pandemia, com o programa "Everyone In", que buscava proteger os sem-teto da Covid-19, o número de pessoas dormindo nas ruas nunca caiu abaixo de 2.400.

No entanto, o Partido Trabalhista acredita que, com base na experiência do governo Blair, pode reduzir a falta de moradia.

No entanto, em 2024, a tarefa pode ser mais difícil. E a maioria dos especialistas acredita que o número mais recente está subestimado.

A contagem oficial anual, que registra o número de pessoas nas ruas em uma única noite, foi considerada pela Autoridade de Estatísticas do Reino Unido como insuficiente em termos de "confiabilidade, qualidade e valor".

Além disso, o perfil das pessoas nas ruas também mudou. Na Park Lane, por exemplo, a maioria dos ocupantes das barracas era de origem romena.

Em Londres, 55% das pessoas dormindo nas ruas não são do Reino Unido.

Nos anos 1990, a maioria era de britânicos e irlandeses. Hoje, ajudar essas pessoas a retornar aos seus países de origem pode parecer uma solução óbvia, mas, segundo Matt Downie, diretor-executivo da ONG Crisis, a situação é mais complexa.

"Isso precisa ser resolvido — eles são profissionais em viver nas ruas", diz ele.

Contar com o setor de aluguel privado para lidar com a falta de moradia também está se tornando cada vez mais difícil.

Embora o Partido Trabalhista tenha se comprometido a acabar com os despejos sem justificativa, os aluguéis privados em algumas áreas aumentaram significativamente — 9,7% em Londres e 8,6% em toda a Inglaterra em um ano até junho de 2024.

O crescimento do mercado de aluguel de curto prazo, como o Airbnb, também reduziu o número de imóveis disponíveis para subprefeituras.

Londres, por exemplo, é a cidade com mais anúncios no Airbnb no mundo, com mais de 150 mil.

Como resultado, o custo de abrigar famílias em acomodações temporárias disparou, forçando algumas subprefeituras à beira da falência.

A maior parte dos custos não é coberta pelo governo, resultando em déficits mensais significativos.

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, enfrenta um desafio maior e mais oneroso do que seus antecessores nos anos 1990 e 2000.

"Unir esforços" foi a chave para o sucesso de Tony Blair, segundo Ian Brady, ex-vice-diretor da Unidade de Sem-Teto.

Blair realizava reuniões regulares com ministros-chave e garantiu um orçamento significativo para a iniciativa.

Além disso, foram coletados dados detalhados, realocadas pessoas de albergues para o setor de aluguel privado e implementados serviços de apoio, como tratamento de drogas e álcool, para garantir que as pessoas não voltassem a viver nas ruas.

Também há lição do período de governo dos conservadores, como o esquema Housing First, que colocou diretamente as pessoas em situação de rua em propriedades mantidas pelo governo, com serviços de apoio para ajudá-las a manter suas casas.

Apesar do sucesso, o governo ainda não decidiu se expandirá o programa.

O prefeito de Londres, Sadiq Khan, comprometeu-se a acabar com o problema de pessoas em situação de rua até 2030, prometendo construir mais habitações municipais, mas Londres ainda enfrenta o maior problema de falta de moradia da Inglaterra.

Enquanto isso, os números oficiais mais recentes mostram que quase 120 mil famílias estão vivendo em acomodações temporárias, incluindo 150 mil crianças. Algumas dessas crianças estão em acomodações precárias, como bed and breakfasts (acomodações com direito a uma refeição por dia, normalmente café da manhã), por períodos ilegais.

"É uma vergonha nacional", diz Ian Brady.

Alguns especialistas sugerem que uma abordagem seria manter mulheres e crianças que estão fugindo da violência doméstica em suas casas e forçar os parceiros abusivos a se mudarem.

No entanto, encontrar moradias adequadas para essas famílias continua sendo um grande desafio, apontam.

O governo se comprometeu a construir 1,5 milhão de casas, mas isso levará tempo. Enquanto isso, a falta de moradia é um problema urgente.

Matt Downie, da ONG Crisis, sugere suspender o esquema chamado Right to Buy, que permitiu que inquilinos comprassem casas das subprefeituras onde viviam com desconto, reduzindo o estoque de habitação social.

Mesmo que o programa seja encerrado, outras ações serão necessárias para lidar com a escassez de habitação social.

Downie também sugere alinhar o sistema de alocação de habitação social da Inglaterra com o da Escócia, priorizando famílias sem-teto quando novas propriedades estiverem disponíveis.

Uma lição dos anos de Blair é garantir que todos os departamentos do governo trabalhem em conjunto.

Frequentemente, prisioneiros são liberados sem ter onde morar, e solicitantes de asilo são despejados dias após receberem permissão para permanecer no Reino Unido.

Rayner prometeu uma estratégia de longo prazo que inclui o aumento da habitação social e acessível, bem como apoio para refugiados e ex-prisioneiros.

O novo governo enfrenta um desafio ainda maior do que no passado, mas as recompensas, em termos de economia e dignidade para milhares de famílias, são imensas.

Fonte: correiobraziliense

Participe do nosso grupo no whatsapp clicando nesse link

Participe do nosso canal no telegram clicando nesse link

Assine nossa newsletter
Publicidade - OTZAds
Whats

Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.