22 de Novembro de 2024

Como o samba foi para a avenida e entrou na sala de aula no Japão


Uma escola privada de ensino médio do Japão resolveu incluir o samba em sua grade escolar. E o que era para ser uma aula sobre música transformou-se em uma exibição de bateria e dança.

Há 24 anos, cerca de 150 alunos e os graduados do professor Yoshihiro Shigeyama têm se reunido durante as férias escolares de agosto para intensos ensaios e confecção de fantasias que são apresentadas no desfile de Carnaval de Asakusa, em Tóquio, para um público estimado de meio milhão de pessoas.

O samba é ensinado desde 1998 como matéria optativa no colégio Jiyuu no Mori (Bosque da Liberdade), localizado na cidade de Hanno (Província de Saitama), a cerca de uma hora da capital Tóquio.

A escola é a única do Japão a incluir essa disciplina na grade escolar, com aula semanal e avaliação.

Porém, o curso está com os dias contados. O professor Shigeyama completou 60 anos de idade e deverá se aposentar em breve. "Sem um sucessor, não tem como continuar com o curso", lamenta.

Na época em que foi contratado para lecionar no Jiyuu no Mori, o colégio estava ampliando a lista de matérias optativas, e o samba foi apresentado como muito atraente para os jovens.

Esse gênero musical chegou no Japão muitos anos antes até mesmo do que a bossa nova, que se popularizou na década de 1960 quando Astrud Gilberto e Sergio Mendes foram para o Japão, e ainda hoje é muito tocada como música ambiente em restaurantes e cafeterias.

"Bossa Nova ouço no fone de ouvido enquanto leio em um café, é muito introspectiva. Já o samba é uma música alegre que você quer ouvir e tocar enquanto bebe cerveja", diz o japonês Willie Whopper, autor de seis livros sobre música brasileira e dono do barzinho chamado Aparecida, em Tóquio.

O samba fez parte de um pacote de novidades estrangeiras que invadiram o Japão durante o período de crescimento econômico no pós-guerra.

O jazz americano, a música havaiana, o folclore sul-americano, o yodeling escandinavo e até as canções folclóricas russas eram populares na época.

"Muitos conheceram o samba através do filme Você já foi à Bahia? (Three Caballeros, 1945), da Disney, e dos discos de Carmen Miranda", diz Willie.

Cantores japoneses também produziram suas versões de samba. O Matsuken Samba, interpretado pelo ator de dramas Ken Matsudaira, é um dos mais populares atualmente, embora não seja estritamente um samba.

"É um estilo exclusivamente japonês, que também mistura música latina, como o mambo cubano e ritmos caribenhos."

O que o professor Shigeyama tenta ensinar aos adolescentes é o gênero musical samba.

"Uma série de coincidências me levou a conhecer dois pandeiristas e um cavaquinista, todos japoneses envolvidos com ritmos brasileiros. Nas primeiras aulas eu falava sobre os instrumentos, mas depois que resolvi me aprofundar, o samba ganhou ritmo e som. Só não ensino a dançar, isso os alunos aprendem por conta própria", diz.

A participação da escola no Carnaval de Asakusa como GRES Bosque da Liberdade é resultado da empolgação do professor e dos estudantes.

"A primeira vez fomos para aprender". Mas desde a estreia no Grupo 3, em 2000, eles não perderam nenhum desfile.

E em 2019 acabaram subindo para a liga principal, onde há concurso e uma série de exigências, como número de integrantes (de 150 a 300), samba-enredo original e presença obrigatória da comissão de frente, casal de mestre-sala e porta-bandeira, além da ala das baianas.

O julgamento é semelhante ao do Carnaval do Rio de Janeiro, e os quesitos avaliados são enredo, evolução, fantasias/adereços, samba-enredo/bateria, dança e conjunto.

"Somos uma escola, e temos muitas limitações. Apesar das dificuldades financeiras, temos conseguido nos manter entre as oito equipes da liga principal", diz Shigeyama.

Segundo o músico paulista Claudio Ishikawa, de 65 anos, os japoneses são muito competitivos, e quando participam de um concurso como é o Carnaval, eles se dedicam muito a ganhar.

O prêmio em dinheiro concedido ao vencedor cobre apenas uma parte dos gastos que a escola de samba tem, produzindo alegorias e às vezes importando fantasias do Brasil.

"Mas isso parece não ter tanta importância para as grandes agremiações, desde que se consiga o reconhecimento dos jurados e do público."

Em 2001, Claudio criou o Bloco Arrastão, cujas características são a irreverência e as cores preto e branco — em homenagem ao Corinthians, seu time do coração.

Ele é adepto de fantasias mais simples e sambas-enredos com um pouco de sarcasmo e humor.

"Os japoneses estranham, mas entendem. Digo que o samba não é Carnaval, e precisa de intuição e flexibilidade."

No Japão, o primeiro contato das crianças com o samba muitas vezes ocorre nas aulas que discutem diversidade e multiculturalismo, quando geralmente as escolas de nível fundamental 1 convidam estrangeiros para apresentarem curiosidades acerca de seus países. No caso do Brasil, o menu acaba sendo o estereótipo samba-futebol.

Outras portas de entrada para o samba no Japão são as escolinhas de música e dança, e os clubes universitários.

A União dos Amadores é um exemplo. Criada em 1981, ela é formada por estudantes de diversas universidades japonesas da região de Kanto (que engloba Tóquio), onde há grupos que tocam, cantam e dançam música brasileira.

Embora haja concentração na capital, o samba é replicado em vários pontos do Japão.

No extremo norte, em Hokkaido, surgiu a escola de samba Urso da Floresta (criada em 2001), que anima festivais locais; e na ponta meridional do Japão é realizado o Carnaval Internacional de Okinawa.

As relações comerciais bilaterais indiretamente também contribuíram para propagar o samba e muitos outros aspectos da cultura brasileira no Japão.

A partir da década de 1960, diversas empresas japonesas se instalaram no Brasil, levando também a mão de obra especializada.

A família do administrador de empresas Tatsuya Itoh, de 61 anos, fez sua mudança para o Brasil nesse período.

Ele tinha um ano quando chegou no Rio de Janeiro, em 1964, e exceto um período de cinco anos, morou lá até 1982.

"Considero esta época como auge da MPB e do samba de raiz, e aprendi a cantar vários sambas ouvindo rádios e discos", diz.

Quando retornou ao Japão com 18 anos, ingressou na Universidade Cristã Internacional e lá fundou o clube universitário ICU Lambs (Latin American Music and Batucada Society).

Tatsuya aprendeu percussão em uma escola de samba de músicos brasileiros, em Tóquio, e depois resolveu levar alguns instrumentos para ensinar dentro da ICU.

Com exceção dele, ninguém conhecia nem o samba nem o Brasil. "O que tínhamos em comum era a curiosidade pela cultura. Já vivíamos num ambiente de diversidade e inclusão, e talvez os valores da ICU tenham ajudado a aceitarmos coisas novas."

Atualmente, a ICU é o único clube universitário a desfilar em Asakusa. Mas esse não era o principal objetivo do grupo.

"A intenção sempre foi o enriquecimento pessoal através do aprendizado pelo contato com a cultura brasileira, e o Carnaval sempre foi apenas uma das opções", afirma Tatsuya.

Os membros do clube fazem a votação para determinar o calendário do ano, e o Carnaval sempre foi incluído como uma das atividades anuais desde 2004, quando estrearam na avenida para comemorar o 20º aniversário da ICU Lambs.

Entre julho e agosto, no Japão é comum presenciar pequenos desfiles de samba em bairros comerciais ou em festivais de verão. Porém, o evento no distrito de Asakusa tem outra dimensão.

O samba desembarcou lá em 1981, quando o carnaval foi incorporado aos festivais tradicionais, a fim de criar uma nova imagem para o bairro que vinha se deteriorando desde o pós-guerra.

Segundo o presidente do comitê executivo do Carnaval de Asakusa, Kazuyasu Inaba, este evento tornou-se parte do coração e da alma do distrito. A festa ganhou proporções e seu formato virou concurso, com duas ligas, 15 equipes participantes e quase 4 mil integrantes no total.

Desde 1981, o evento tem sido realizado todos os anos, exceto em 2011 - quando foi cancelado devido ao impacto do grande terremoto de Tohoku. E em 2022 e 2023, ocorreu sem os desfiles competitivos em decorrência da pandemia de covid-19.

No próximo dia 15 de setembro, o Carnaval promete ser como sempre foi, um espetáculo para meio milhão de pessoas assistir de graça, aglomeradas ao longo de duas avenidas, e um grande concentração em frente ao Kaminarimon (o portão do templo Sensoji).

De certa forma, os desfiles de rua acabam servindo de vitrine para atrair também mais japoneses para o samba. De tanto ouvir esse ritmo musical em casa e após participar de um desfile quando criança, o estudante Naoya Inoue, de 17 anos, acabou se apaixonando pelo ritmo.

Ele toca chocalho, é o atual diretor de bateria do GRES Bosque da Liberdade onde sua irmã Maho, que estudou com o professor Shigeyama, é a rainha de bateria.

“O samba mexe com o nosso corpo e a nossa alma. Quando tocamos, precisamos nos concentrar no ritmo, e ele vai nos envolvendo e tirando qualquer tensão”, diz Naoya.

Seu colega Sotaro Konsho, 17, aprendeu tambor japonês (taiko) na infância, e na escola Jiyuu no Mori ele toca surdo. Apesar de se dedicar muito à percussão, diz que em breve se afastará dos instrumentos e da música, para se concentrar nos estudos. “O vestibular está aí. Quero entrar em uma faculdade de renome”, diz ele, que ainda não definiu o curso.

Embora saiba que também precisará estudar muito para as provas no ano que vem, a porta-bandeira Shino Yamashita, 16, diz que vai priorizar o samba. “É o que me traz felicidade!”

Como a maioria, ela foi estudar samba no colégio sem conhecimento prévio. “No início achava que era só rodopiar com a bandeira, mas com o tempo fui aprendendo que tinha uma grande responsabilidade.”

Fight Seki, 25 anos, nunca se distanciou do samba. Começou dançando sozinho, fazendo o papel de malandro, e logo se firmou como mestre-sala. Mesmo passados 6 anos da formatura, ele continua a desfilar pela GRES Bosque da Liberdade.

Foi ao Brasil três vezes, e em uma ocasião formou par com a porta-bandeira japonesa Sara Yokoyama, para desfilar pela Águia de Ouro no ano em que a escola conquistou o inédito título do Grupo Especial do Carnaval de São Paulo, em 2020.

Lamenta que seu trabalho como passador em uma churrascaria em Tóquio não o permita ficar metade do ano no Brasil como fazem alguns passistas e músicos japoneses que vão lapidar suas habilidades, mas está feliz por ter conseguido realizar o sonho de ver ao vivo o Carnaval do Rio.

Segundo o músico Claudio Ishikawa, muitos japoneses tentam imitar ao máximo o Carnaval do Rio e de São Paulo, mas mesmo que façam tudo com capricho, isso nem sempre é possível.

Os carnavalescos japoneses se dividem entre cantar em português e em japonês. A escolha do idioma é crucial, pois ele é o elemento que pode tornar o samba-enredo mais, ou então menos japonês. No fim, muitos acabam misturando os idiomas.A escolha dos temas também varia muito.

“Muitas escolas de samba querem copiar o Brasil e exaltar a cultura brasileira ou cantar a África, coisas que nem a maioria dos integrantes nem o público conhece. Eu tento ao máximo falar algo que é do entendimento japonês”, diz Cláudio.

Como exemplo, o Bloco Arrastão já cantou sobre sushi (Sambazushi), falou sobre o trajeto para o trabalho (tsukin samba) e o úmido e escaldante verão japonês. No primeiro Carnaval da ICU Lambs, o diretor de bateria, que era um músico experiente, resolveu compor em português.

“E como o idioma ajuda a trazer o ritmo mais próximo ao samba, conseguimos fazer um samba-enredo mais ou menos”, lembra Tatsuya Itoh.

Atualmente ele atua como observador no clube universitário, e deixa tudo a critério dos estudantes.

"Mas penso que a mensagem do enredo deve ser algo que o japonês entende, utilizando histórias fáceis de compreender, como contos conhecidos, mesmo sendo de origem estrangeira", diz. A ICU Lambs, por exemplo, já foi campeã com enredo de sorvete.

No GRES Bosque da Liberdade, muitos sambas-enredos foram escritos pelos alunos, e falavam das coisas sob o ponto de vista dos jovens. Este ano, o tema será uma quase despedida.

A escola decidiu relembrar os 24 anos de participação no Carnaval, o período em que o professor Shigeyama esteve à frente do grupo ensinando o beabá do samba, os desafios e as conquistas, para terminar com o refrão “Bosque da Liberdade, a minha escola de samba. Meu coração é verde e laranja”, cantado em português. O restante é todo em japonês.

Essa é a mistura típica e como os japoneses declaram sua paixão pela cultura brasileira.

Fonte: correiobraziliense

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