No verão de 2018 e 2019, o ecologista James Ryalls e seus colegas saíram em expedição de observação em uma área perto de Reading, no sul da Inglaterra. O objetivo do grupo era observar os insetos zunindo em volta dos pés de mostarda-preta.
Sempre que uma abelha, uma mosca-das-flores, traça, borboleta ou outro inseto tentasse chegar ao pólen ou ao néctar das pequenas flores amarelas, eles faziam uma anotação.
O processo fazia parte de um experimento incomum. Alguns campos de plantas de mostarda foram rodeados por tubulações que liberavam ozônio e óxidos de nitrogênio, que são gases poluentes normalmente produzidos pelas usinas energéticas e pelos automóveis convencionais. Já outros canteiros incluíam canos que liberavam ar normal não poluído.
Os resultados alarmaram os cientistas. As plantas sufocadas pelos poluentes foram visitadas por até 70% menos insetos e suas flores receberam 90% menos visitas do que as plantas em canteiros não poluídos. E a concentração de poluentes estava bem abaixo da considerada segura pela regulamentação dos Estados Unidos.
"Nós não esperávamos que fosse algo tão significativo", afirma o entomólogo Robbie Girling, da Universidade do Sul de Queensland, na Austrália, e um dos autores do estudo. Ele também é professor visitante da Universidade de Reading, no Reino Unido.
Cada vez mais pesquisas indicam que a poluição pode prejudicar a atração dos insetos às plantas – justamente em uma época em que muitas populações de insetos já estão sofrendo fortes declínios, devido aos agrotóxicos, à perda de habitat e às mudanças climáticas.
Cerca de 75% das flores silvestres e cerca de 35% das plantas agrícolas dependem dos animais para movimentar seu pólen, fazendo com que as plantas possam se fertilizar umas às outras e formar sementes.
As plantas de mostarda-preta, utilizadas no experimento, podem se autofertilizar. Mesmo assim, elas exibiram uma queda de 14% a 31% da polinização, segundo a análise do número de vagens, sementes por vagem e peso das vagens de plantas envolvidas pelo ar poluído.
Os cientistas também estudam a potência e a disseminação desses efeitos da poluição, além da sua forma de operação. Eles estão aprendendo que a poluição pode trazer uma diversidade surpreendente de efeitos. Ela pode alterar os aromas que atraem os insetos para as flores e até prejudicar a capacidade das criaturas de cheirar, aprender e relembrar.
Esta pesquisa ainda é nova, segundo o neurocientista Jeff Riffell, da Universidade de Washington, nos Estados Unidos. Segundo ele, "estamos apenas tocando a ponta do iceberg, por assim dizer, em termos de como estes efeitos influenciam os polinizadores".
Os insetos costumam depender do cheiro para se localizar. E, enquanto voam pela vizinhança, eles aprendem a associar as flores que são boas fontes de néctar e pólen aos seus aromas.
Algumas espécies, como as abelhas, também usam indicações dos seus colegas de colmeia e marcos visuais, como árvores, para navegar. Ainda assim, elas dependem fundamentalmente do sentido do olfato para identificar suas flores favoritas à distância.
E os polinizadores noturnos, como as traças, são farejadores particularmente talentosos. "Eles podem cheirar os canteiros de flores a um quilômetro de distância", segundo Riffell.
Um dos efeitos da poluição é o seu nível de interferência sobre esses aromas florais. E Girling suspeita que esta seja a principal razão do declínio da polinização na Inglaterra.
Cada fragrância é uma combinação exclusiva de dezenas de compostos quimicamente reativos, que se degradam no ar. E gases como ozônio ou óxido de nitrogênio irão reagir rapidamente com essas moléculas, causando o desvanecimento dos odores com velocidade ainda maior do que o normal.
"Para odores muito reativos, a pluma só consegue viajar por um terço da distância do que na ausência de poluição", afirma o cientista atmosférico José D. Fuentes, da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Ele simulou a influência do ozônio sobre os compostos dos aromas florais.
Caso alguns compostos se degradem mais rapidamente do que outros, o buquê de aromas associado pelos insetos a plantas específicas se transforma, possivelmente se tornando irreconhecível.
Girling e seus colegas observaram este fenômeno em experimentos em um túnel eólico com fornecimento de ozônio. O túnel também foi equipado com um aparelho que liberou de forma estável uma combinação sintética de odores florais.
Uma flor real teria murchado, segundo o químico atmosférico Ben Langford, do Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido, e um dos autores do estudo.
Usando detectores químicos, a equipe observou que a pluma de aroma floral se reduziu e ficou mais estreita, enquanto o ozônio fluía pelas bordas. Alguns compostos desapareceram totalmente, enquanto outros persistiram.
Os cientistas treinaram abelhas para detectar o aroma floral original. Eles expuseram os insetos ao odor e ofereceram água açucarada em seguida, até que elas estendessem automaticamente suas probóscides em forma de língua para provar, cheirando o aroma.
Mas quando as abelhas foram testadas com o cheiro alterado pelo ozônio, representando as extremidades da pluma de odor a 6 ou 12 metros de distância da fonte, apenas 32% e 10% delas, respectivamente, estenderam suas probóscides.
A abelha estava "farejando um odor completamente diferente naquele momento", segundo Langford.
Os pesquisadores também observaram que besouros-listrados-do-pepino e mamangavas-de-cauda-amarela-clara têm dificuldade para reconhecer suas plantas hospedeiras acima de certos níveis de ozônio.
Algumas das observações mais pronunciadas ocorrem à noite, quando se acumulam poluentes extremamente reativos – os chamados radicais de nitrato.
Riffell e seus colegas descobriram recentemente que a prímula-pálida atrai cerca de 50% menos mandarovás-do-fumo, quando esses poluentes alteram o aroma da planta. E as mariposas-esfinge-de-capa-branca não reconhecem o aroma.
Com isso, a equipe concluiu que o número de sementes e frutos sofreu redução de 28% em experimentos de polinização externos.
"Existe um efeito muito grande sobre a capacidade da planta de produzir sementes", explica Riffell.
Mas será que os insetos conseguem aprender a reconhecer esses aromas transformados?
Para que os insetos possam distinguir novos aromas como sendo positivos, eles precisam cheirá-los enquanto se alimentam de néctar doce. O problema é que o aroma só se transforma a alguma distância das flores, segundo Girling.
Alguns insetos talvez possam aprender a seguir aromas poluídos enquanto se aproximam das flores, mas, até agora, isso só foi demonstrado para o mandarová-do-fumo. E a poluição também pode dificultar o aprendizado dos insetos.
Em um estudo de 2019, Girling e seus colegas treinaram primeiramente as abelhas a reconhecer os odores, utilizando o método de probóscides com água açucarada.
Em seguida, eles expuseram os insetos a escapamento de diesel. E, posteriormente, eles examinaram as abelhas para determinar quantas delas haviam retido o que aprenderam e continuavam reagindo à combinação de odores estendendo suas probóscides.
Surpreendentemente, 44% menos abelhas conseguiram relembrar o odor 72 horas após a exposição a diesel, em comparação com os insetos que não foram expostos.
"Parece que, potencialmente, elas não são capazes de formar essas memórias e retê-las com a mesma capacidade", explica Girling. Mas não se sabe exatamente por quê.
Talvez o gás cause estresse fisiológico no cérebro das abelhas de alguma forma, gerando impedimentos neurológicos. Isso pode hipoteticamente significar que, em ar poluído, as abelhas podem esquecer os odores originais das flores – ou esquecer os aromas poluídos, se conseguirem aprendê-los.
O ar sujo também poderá afetar o sentido do olfato dos insetos.
Alguns anos atrás, a ecologista química Magali Proffit e sua equipe do Centro Francês de Ecologia Funcional e Evolutiva conectaram eletrodos às antenas da mamangava-de-cauda-branca e da vespa-do-figo.
Eles concluíram que a exposição dos insetos ao ozônio, muitas vezes, faz com que esses órgãos de verificação de odores reajam muito menos aos cheiros. As abelhas e vespas expostas a níveis moderados de ozônio se moveram sem rumo e não em direção aos odores das suas plantas hospedeiras.
Em altos níveis de ozônio, a vespa-do-figo chega a evitar o odor. "Algo está acontecendo no seu sistema olfativo", explica Proffit.
Os poluentes do ar também exercem influência quando são absorvidos pelas plantas, segundo a ecologista Laura Duque, da Universidade de Würzburg, na Alemanha. Eles podem alterar o metabolismo vegetal e, portanto, a combinação de compostos odoríferos emitidos pelas flores.
Dependendo da espécie, o ozônio pode aumentar ou reduzir o número de flores e, possivelmente, alterar a qualidade e a quantidade do néctar ou do pólen.
O ozônio também pode influenciar o momento da floração, segundo Duque. "É possível que a planta não se reproduza, se houver total divergência entre a floração e a atividade dos insetos."
É difícil determinar a magnitude desses efeitos sobre a polinização das plantas, segundo a ecologista de insetos urbanos Elsa Youngsteadt, da Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Ela é uma das autoras de um estudo de 2023 sobre a polinização nas cidades, publicado na Annual Review of Ecology, Evolution and Systematics ("Revista anual de ecologia, evolução e sistemática", em tradução livre).
Apenas alguns estudos quantificaram os efeitos, como o de Girling no Reino Unido e o de Riffell sobre as traças.
De forma geral, a ocorrência de impactos maiores seria esperada nas cidades. Afinal, elas sofrem a maior parte da poluição desde o início da era industrial. Mas isso pode também ter gerado adaptações, segundo Youngsteadt.
Estudos sobre plantas e insetos não urbanos "poderão fornecer um quadro diferente dos estudos sobre as plantas e populações de insetos que já foram expostas a poluentes urbanos por centenas de anos", segundo ela.
Também não está claro qual é o impacto da poluição sobre os insetos.
Quando os insetos deixam de detectar flores, eles perdem a possibilidade de conseguir néctar ou pólen para si próprios, para os mais jovens ou para suas colmeias. Eles precisam viajar para mais longe em busca de aromas florais, o que consome sua energia, segundo Fuentes.
Já a transformação dos aromas das flores pode ser apenas mais um fator em jogo.
As partículas de poluição podem afetar a capacidade das moscas-domésticas de sentir o odor dos alimentos, por exemplo. E o ozônio altera os feromônios dos machos das moscas. Com isso, eles ficam com mais cheiro de fêmeas, fazendo os machos perseguirem outros machos.
A poluição também pode afetar, de forma mais geral, a reprodução e a sobrevivência dos insetos. E, reunindo todos estes impactos, um estudo recente estimou que a poluição do ar reduz o desempenho dos polinizadores em mais de 30%.
Os cientistas precisam realizar mais pesquisas sobre diferentes espécies, para determinar sua sensibilidade à poluição e suas interações com as plantas, especialmente em regiões pouco estudadas, como o Sul Global.
Passando pelos agrotóxicos até chegar às mudanças climáticas, "temos todos estes outros fatores desgastando e enfraquecendo as condições, oferecendo mais dificuldades para os insetos atravessarem seus ciclos de vida e processos normais", segundo Girling.
"Se você ainda dificultar um pouco mais a busca por aquela flor, será que este não será o momento crítico que irá levar aquele inseto ou colmeia específica para além do seu limite?"
* Katarina Zimmer é jornalista de ciência e meio ambiente, que reside atualmente na Alemanha. Seus trabalhos foram publicados pela BBC Future, National Geographic, Scientific American e The Atlantic, entre outros. Como colaboradora especial da revista Knowable, ela cobre a transição energética e saúde planetária.
** Este artigo foi publicado originalmente na revista jornalística independente Knowable, da editora norte-americana Annual Reviews, e republicado pelo site BBC Earth sob licença Creative Commons. Leia a versão original (em inglês).
Fonte: correiobraziliense
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