22 de Novembro de 2024

Pandemia da covid-19 'encolheu' o cérebro de adolescentes; entenda


O isolamento social durante a primeira fase da pandemia de covid-19 deixou, literalmente, marcas no cérebro de adolescentes. Um estudo das Universidades de Washington e Wisconsin, nos Estados Unidos, analisou exames de imagem realizados antes e depois da medida restritiva e constatou sinais físicos que apontam a maturação precoce do órgão. As meninas foram mais afetadas, diz a pesquisa, publicada na revista Pnas. 

O estudo começou em 2018 e tinha como objetivo estudar as mudanças naturais na estrutura cerebral durante a adolescência. Cento e sessenta meninos e meninas de 9 a 17 anos fizeram exames de ressonância magnética funcional. Pelo calendário original da pesquisa, os testes seriam refeitos em 2020, mas, devido aos bloqueios impostos pela pandemia, houve atraso de um ano. 

Neva Corrigan, principal autora e cientista do Instituto de Aprendizagem e Ciências do Cérebro da Universidade de Wisconsin (I-Labs), conta que, assim que o Sars-CoV-2 começou a avançar pelo mundo, a equipe de pesquisadores percebeu que a ocasião era propícia para investigar mudanças cerebrais causadas por adversidades. "Começamos a pensar sobre quais medidas nos permitiriam estimar os efeitos do bloqueio no cérebro em desenvolvimento", diz. "Nos perguntamos o que significava para nossos adolescentes estar em casa, em vez de em seus grupos sociais."

Os cientistas optaram por avaliar a maturação cerebral, medida pela espessura do córtex, a camada externa do órgão. Estudos anteriores sugerem que o estresse crônico e a adversidade aceleram o afinamento da chamada "massa cinzenta". 

Transtornos

A redução do volume é normal com o avanço da idade, mas, quando ocorre precocemente, pode aumentar o risco de transtornos neuropsiquiátricos e comportamentais. Alguns desses distúrbios, como ansiedade e depressão, geralmente surgem na adolescência, sendo mais prevalente em mulheres. 

Usando os dados originais de 2018, os pesquisadores criaram um modelo de afinamento cortical esperado durante a adolescência. Mais de 80% dos participantes retornaram para o segundo conjunto de medições, em 2021. Ao comparar os exames, os cientistas notaram que os cérebros dos voluntários sofreram um efeito de redução volumétrica acelerado, algo mais pronunciado entre as meninas.

Os efeitos do afinamento cortical nas participantes foram vistos em todo o cérebro, nos seis lobos e em ambos os hemisférios. Nos adolescentes do sexo masculino, porém, as alterações foram observados apenas no córtex visual. Patricia Kuhl, vice-diretora do I-Labs, acredita que essa diferença pode ser porque, geralmente, as meninas dão mais importância à interação social do que os meninos. 

Relacionamentos

"As adolescentes do sexo feminino geralmente dependem mais dos relacionamentos com outras meninas, priorizando a capacidade de se reunir, conversar entre si e compartilhar sentimentos. Os meninos tendem a se reunir para atividade física", destaca a neurocientista. Quando medido em termos do número de anos de desenvolvimento cerebral, a aceleração média foi de 4,2 anos em mulheres e 1,4 anos em homens. "O que a pandemia realmente parece ter feito foi isolar as meninas. Todos os adolescentes ficaram isolados, mas as meninas sofreram mais. Isso afetou seus cérebros de forma muito mais dramática", acredita Kuhl.

A pesquisadora observa que é improvável que o córtex cerebral ganhe espessura. Porém, há outras maneiras de o cérebro se recuperar, como passar a afinar mais lentamente ao longo do tempo. "É possível que haja alguma recuperação", diz Kuhl. "Por outro lado, também é possível imaginar que a maturação cerebral permanecerá acelerada nesses adolescentes." Ela destaca a necessidade de mais estudos. 

Para Richard Bethlehem, professor de Neuroinformática da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, os resultados precisam ser revalidados por mais pesquisas. "Primeiramente, as amostras são bem pequenas, então precisamos ser cautelosos para não generalizar essas descobertas para todos os adolescentes", diz. "Mesmo se essas mudanças sejam estabelecidas em estudos posteriores, mais trabalho precisa ser feito para avaliar quais fatores durante a pandemia são responsáveis por essas mudanças, pois há muitos outros, além do lockdown, que precisam ser considerados e estudados."

Ignacio Morgado, professor de psicobiologia da Universidade de Barcelona, na Espanha, lembra que doenças poderiam também provocar as mudanças morfológicas observadas nos participantes. "O estudo e seus resultados são de especial interesse porque abrem a porta para considerarmos e investigarmos possíveis fatores ambientais, incluindo processos infecciosos, que podem modificar a velocidade de maturação cerebral em adolescentes."

 


O que já se sabe, hoje, sobre os impactos do isolamento social na saúde mental de adolescentes?
Durante o isolamento, houve uma intensificação do contato com o próprio mundo interno, muitas vezes não mediado pelos laços sociais que ajudam a integrar desejos, angústias e defesas. O ambiente, que antes funcionava como um campo para projeções e identificações, foi limitado ao espaço doméstico, gerando um empobrecimento do "outro" como objeto de construção do sujeito.

Quais são as principais queixas, no consultório, de pessoas que eram adolescentes ou crianças na época do isolamento?
As principais queixas envolvem sentimentos de vazio, ansiedade generalizada, dificuldade de socialização, depressão e, frequentemente, uma sensação de "tempo perdido". Muitos relatam a experiência de uma paralisia emocional, como se o desenvolvimento tivesse sido interrompido, gerando dificuldades na transição para a fase adulta e na elaboração de experiências fundamentais para a formação de identidade.

É possível recuperar experiências que essas pessoas perderam devido ao isolamento?
Por meio da terapia, esses indivíduos podem reencontrar suas capacidades de simbolização, reintegrando as partes fragmentadas do eu. No entanto, essa recuperação não se dá no sentido de “recuperar o tempo perdido”, mas, sim, de criar novas formas de viver e elaborar o que foi experienciado como perda. Ressignificando e adquirindo novas experiências emocionas com essas emoções vividas.

Fonte: correiobraziliense

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