22 de Novembro de 2024

Debate Trump x Kamala: por que confrontos diretos nos EUA são os mais importantes desde os anos 1960


Quando a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump se posicionarem nos púlpitos do estúdio da rede de TV americana ABC News, na Filadélfia, na terça-feira (10/9), será a primeira vez que os dois presidenciáveis se encontrarão pessoalmente.

Munidos apenas de papel, caneta e água, ambos protagonizarão um dos eventos mais aguardados das eleições de 2024, o segundo debate de TV da campanha. Considerando que o primeiro dos confrontos dinamitou a candidatura à reeleição do presidente Joe Biden, alguns analistas politicos já veem a atual temporada eleitoral como a mais impactada pelos debates televisivos desde o pleito de 1960.

Aquela disputa, há 64 anos, entrou para a História não só por inaugurar o gênero do embate político televisivo nos EUA.

Foi o confronto diante das câmeras entre um jovial, sorridente e maquiado John F. Kennedy e o então experiente vice-presidente Richard Nixon - que se apresentou gripado, com a barba por fazer, e o olhar abaixo da linha da câmera -, que definiu a apertada corrida em favor do democrata. "Por Deus, eu não entendi direito (o que estava em jogo) em 1960. Eu odiava fazer programas de televisão. E eu estava totalmente errado”, reconheceu Nixon, anos mais tarde, quando já era um consenso entre os republicanos que o despreparo dele para o confronto televisivo com Kennedy, cujo pai era um produtor de Hollywood, custou-lhes o pleito.

“É razoável dizer que esta é uma eleição comparável a de 1960 em importância dos debates. Ali tivemos uma diferença de cem mil votos em favor do vencedor (Kennedy venceu por 112.827 votos). Agora, ninguém espera uma diferença maior do que algumas dezenas de milhares de votos, em uma situação já muito polarizada e com uma candidata entrando no jogo muito tarde, e em decorrência precisamwnte do mau desempenho do presidente atual em um debate”, afirmou à BBC News Brasil Aaron Kall, diretor de Debates da Michigan University.

Mais de 51 milhões de pessoas - ou o equivalente a um em cada seis habitantes - assistiram ao vivo, em junho, os momentos que selaram o destino de Biden como o primeiro presidente em 56 anos a não concorrer à reeleição nos EUA. No confronto com Trump, ele titubeou, demonstrou fragilidade e teve dificuldades de articular ideias e de responder às perguntas.

Seu desempenho levou doadores de campanha e correligionários democratas a uma intensa pressão para que Biden se retirasse da disputa, o que aconteceu no final de julho. E embora o partido tenha sido relativamente rápido para se aglutinar em torno do nome de Kamala Harris, sobrou a ela apenas 107 dias para convencer os eleitores de que merece ocupar a Casa Branca - é a campanha mais curta na história recente americana.

“A fórmula consagrada de obter votos é no engajamento pessoal, conversa um a um, candidato e voluntários literalmente batendo na porta dos eleitores”, afirmou à BBC News Brasil Michael Cornfield, professor de estratégias de campanha política na George Washington University.

Embora relembre que historicamente debates costumam ter um impacto “mínimo” na conquista de novos votos, Cornfield reconhece que o evento entre Harris e Trump é “sem precedentes” justamente pela limitação da agenda de viagens da democrata e por ser a primeira oportunidade dela, diante de uma plateia bipartidária, de “se apresentar aos eleitores, formular sua mensagem e tentar aumentar sua preferência junto a eles”.

Por isso mesmo, a candidata democrata desistiu de tentar alterar regras do debate já estabelecidas entre Trump e Biden e das quais ela discordava - como ter o microfone desligado quando o oponente estiver com a palavra. A equipe de Trump chegou a sugerir que ele poderia desistir do embate caso houvesse mudanças nas regras, algo que a campanha de Harris afirmou querer evitar. A candidata tem usado o bordão “Diga na minha cara” (“Say it to my face”, no original) ao responder comentários ou críticas de Trump sobre ela feitas a terceiros, como uma forma de provocá-lo a participar de todos os três debates previstos até 5 de novembro.

“Temos agora menos de 60 dias até o dia da eleição, em alguns estados-pêndulo os eleitores já começaram a votação antecipada e não haverá outros grandes eventos capazes de amealhar uma audiência comparável a do Super Bowl (a final do campeonato de futebol americano). Então o debate se tornou absolutamente crucial até para que Kamala explique a que veio. Eu não me surpreenderia se esse debate tivesse recorde de audiência”, afirma Kall.

Se o anedotário político sugere que é improvável ganhar uma enxurrada de votos por boa performance em debate de TV, o exemplo de Nixon, em 1960, e de Biden, em 2024, mostram que há muitos riscos em jogo. Pesquisas eleitorais feitas após o último embate entre Trump e Biden, em junho, e antes da desistência do presidente, mostraram que o republicano chegou a abrir 5 pontos percentuais de vantagem em estados chave no pleito, como Pensilvânia e Michigan. “Harris e Trump tem muito a perder se seus desempenhos não forem bons”, diz Cornfield.

Segundo ele, os efeitos do debate se arrastarão por muito mais do que os 90 minutos em que o programa durará. “Os cortes reverberam por muitos dias ou mesmo semanas nas redes sociais e vão consolidando votos ou fragilizando os candidatos. Por isso, vemos as duas campanhas tentando freneticamente discutir as regras e definir os temas e perguntadores, para garantir bom material para o pós-debate”, diz Cornfield.

Ainda assim, a campanha de Harris aposta muito nos programas, e não só porque o tempo de corpo a corpo da candidata é muito limitado. A mensagem entre os democratas é a de que o confronto de ideias estaria no DNA dela, por sua trajetória profissional. “Harris foi promotora, procuradora no estado da Califórnia. O palco do debate é sua arena natural, era o que ela fazia ao levar réus a julgamento”, disse à BBC News Brasil Thomas Whalen, analista político da Boston University.

Nos EUA, cargos como o de procurador ou o de xerife são definidos por meio do voto. Em 2010, Harris conquistou o posto de procuradora, que a catapultaria como uma estrela democrata, por uma margem de 0,85% dos votos. Sem ser favorita no pleito, segundo o jornal The New York Times, que recentemente entrevistou os envolvidos naquela disputa, Harris selou sua vitória ao responder com ironia - e sua característica gargalhada - à afirmação do oponente de que ele pretendia acumular o salário de procurador com uma pensão pública. “Você merece”, ela disparou. O trecho do debate, que não fora televisionado, viralizou. E Harris venceu. É exatamente repetir esta história que os democratas desejam.

Harris, porém, enfrentará pela primeira vez o palco de um debate presidencial contra um oponente extremamente experiente. Além de ter atuado como apresentador de televisão, Trump debaterá pela sétima vez - um recorde na política recente americana. E deve confrontá-la com aspectos impopulares da gestão na qual ela é vice-presidente: a inflação e a crise migratória na fronteira com o México são flancos da democrata.

“Resta saber também como ela lidará com um oponente que mente e insulta”, diz Whalen. Entre outras coisas, Trump já disse que ela tem uma risada de “louca” e “doida” e sugeriu que ela devia seu sucesso no início da carreira política a um relacionamento amoroso. E, segundo a BBC Verify, Trump fez uma série de afirmações falsas contra Biden no último debate: disse que o democrata presidia sob o maior déficit da história (enquanto que o pior dado é da gestão Trump), o acusou de estar por trás da condenação criminal do republicano em NY (instância judicial totalmente separada do governo federal) e afirmou que ele planejava quadruplicar impostos no país (algo que Biden não fez nem prometeu). Em menor quantidade, Biden também falseou a realidade ou errou dados. Para Kall, o pior cenário para Harris seria perder a paciência com o republicano. “Ela terá a oportunidade de fazer um fact-checking de Trump, mas tem que evitar passar para o eleitorado uma imagem de agressiva, descontrolada”, diz ele.

Já Trump enfrenta o desafio de atualizar seu arsenal contra uma nova oponente, depois de passar boa parte dos últimos meses formulando uma mensagem para derrotar Biden. Muito antes que o debate de TV revelasse a debilidade do candidato democrata, Trump o apelidara de “Sleepy Joe”, em referência à sua falta de energia pela idade avançada (81 anos), e seus aliados republicanos espalharam à exaustão em redes sociais clipes de Biden tropeçando, tendo atitudes aparentemente desconexas ou cometendo gafes, para sugerir que ele apresentava sinais de demência senil.

Aos 78 anos e com Biden fora do jogo, é Trump agora quem enfrenta questionamentos sobre sua boa forma intelectual e física. Em um evento em NY na semana passada, ao responder sobre como tornar creches mais baratas e acessíveis para famílias americanas, Trump deu uma longa explicação considerada como “incompreensível, na melhor das hipóteses” pelo apresentador que o questionava no palco. E viralizaram imagens nas quais Trump parece estar dormindo durante convenção republicana - segundo sua campanha, eram momentos de oração.

“Também é preciso ver se ele se comportará de forma disciplinada, estruturando a mensagem em torno de suas políticas, o que atrai o eleitorado, ou se vai se deixar levar por piadas e caracterizações negativas de inimigos políticos, algo que costuma espantar eleitores indecisos”, afirma Kall.

Fonte: correiobraziliense

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