Um mundo em que as pessoas comem carnes produzidas não em fazendas, mas em laboratórios, sem necessidade de uso intensivo de terras, água e fertilizantes.
Com uma medicina que não precisa esperar sintomas de doenças para começar a diagnosticar pacientes — já que as doenças são detectadas por biomarcadores muito antes de se tornarem fatais.
Ou um mundo em que toda a energia e materiais utilizados nas indústrias são cultivados por seres humanos, e não retirados da Terra.
Esse mundo utópico é descrito pelo autor americano Jamie Metzl em seu livro Superconvergence: How the Genetics, Biotech, and AI Revolutions Will Transform our Lives, Work, and World (“Superconvergência: como as revoluções da genética, da biotecnologia e da IA transformarão nossas vidas, nosso trabalho e o mundo”, em tradução livre).
Metzl é considerado um autor futurista — alguém que monitora o estado atual das tecnologias e busca tendências que vão orientar o progresso da humanidade.
Segundo ele, o futuro descrito acima pode parecer utópico e distante, mas está mais próximo do que imaginamos, já que muitas tecnologias estão perto do alcance da geração atual de cientistas.
Para Metzl, a humanidade está alcançando o feito de Prometeu — figura da mitologia grega que roubou o fogo dos deuses do Olimpo e deu aos mortais esse poder.
Segundo essa ideia, uma série de revoluções tecnológicas em curso — na genética, na biotecnologia, na inteligência artificial — estão dando à humanidade um poder que antes era considerado apenas dos deuses: de usar engenharia para redesenhar a vida e para interferir no planeta em uma escala inimaginável antes.
No entanto, apesar de seu entusiasmo com as revoluções tecnológicas, Metzl se mantém cético e às vezes até mesmo horrorizado com alguns avanços.
Em seu livro, ele diz que se a humanidade não aprender a controlar a tecnologia, sobretudo com cooperação internacional e transparência, “iremos nos desviar para o Armagedom”.
Um exemplo desse perigo, segundo ele, aconteceu há seis anos.
Em 2018, o cientista chinês He Jiankui anunciou ter alterado o DNA dos embriões de duas bebês para torná-las resistentes ao HIV, caso elas entrassem em contato com o vírus.
A edição genética tem o potencial de prevenir que doenças hereditárias sejam transmitidas de pais para filhos.
Mas especialistas temem que modificações em genomas de embriões não apenas causem danos aos indivíduos, mas levem futuras gerações a herdar essas modificações de efeito ainda pouco conhecido.
O caso chocou a comunidade científica internacional. Um estudo posterior apontou que pessoas com a mutação genética que He tentou recriar têm probabilidade significativamente maior de morrer ainda jovens.
He Jiankui foi condenado a três anos de prisão na China.
Jamie Metzl participou do comitê consultivo de especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre edição do genoma humano que analisou o caso.
Para ele, esse episódio ilustra o perigo envolvido em novas tecnologias: a falta de transparência internacional e governança pode levar laboratórios a desenvolverem tecnologias perigosas e fora de controle. Isso pode acontecer em qualquer indústria — da engenharia genética a armas de destruição de massa.
Jamie Metzl tem experiência no mundo da política. Formado em História e Direito, ele trabalhou em diversos órgãos dos EUA: Conselho de Segurança Nacional dos EUA, Departamento de Estado e Comitê de Relações Exteriores do Senado — além de ter servido como Oficial de Direitos Humanos da ONU no Camboja. Seu livro anterior — Hackeando Darwin — foi publicado no Brasil.
Para ele, boa parte das soluções necessárias hoje para a humanidade não são mais tecnológicas, e sim políticas.
Preocupado com a falta de debate público sobre as tecnologias, ele criou o OneShared.World, um movimento global que propõe ações coletivas para lidar com o que chama de os desafios mais urgentes do mundo.
Nesta entrevista, ele conversou com a BBC News Brasil sobre os diversos riscos e oportunidades envolvendo as revoluções tecnológicas. E comentou sobre temas que vão desde as vacinas para covid até o desmatamento do Cerrado brasileiro.
BBC News Brasil: Você fala que hoje, para a maioria das pessoas, é a melhor época para se estar vivo e esse é um tema central do seu livro. Por que você está tão otimista com o momento atual e com o que está por vir em seguida?
Jamie Metzl: Se pegarmos qualquer medida de bem-estar humano, estamos melhores do que nossos ancestrais em praticamente qualquer momento da história.
Estamos vivendo de forma mais saudável, por mais tempo, somos mais educados, temos maior acesso a ferramentas e habilidades que nos permitem fazer mais. E essas tendências estão quase que todas se movendo na direção certa.
Estamos desenvolvendo essas capacidades quase divinas de fazer coisas ainda melhores. Nem tudo melhorou, mas a maioria está melhorando.
Mas esse otimismo também requer um pouco de pessimismo – e de ansiedade com o que pode dar errado caso não acertemos com a transição. Ninguém deve ser um otimista ou um idealista cego. Isso seria perigoso.
Se acertarmos nas nossas decisões, poderemos ter um futuro de grande abundância, sem bilhões de pessoas vivendo em extrema pobreza, onde todos têm acesso à educação, saúde e nutrição de qualidade — essas ferramentas que podem construir um planeta mais sustentável para humanos e para a vida como um todo.
Por outro lado, se errarmos, temos agora a capacidade de provocar dano incrível em uma escala planetária.
BBC News Brasil: No livro, você fala sobre os benefícios da biotecnologia para o futuro. Mas você fala bastante sobre o caso de cientistas chineses que em novembro de 2018 anunciaram que tinham conseguido editar genes humanos. Nesse caso, você não achou que isso era uma boa coisa. Por que você criticou esse episódio, que parece um pouco o futuro que você prevê no seu livro?
Metzl: Meu livro anterior, Hackeando Darwin, falava sobre o futuro da engenharia genética humana, o que inclui edição de genes. E eu sempre acreditei que os humanos poderão em algum ponto do futuro editar os genomas de embriões pré-implantados para eliminar os riscos de doenças terríveis e potencialmente fatais. E talvez fazer até mais do que isso. Mas isso não significa que estamos prontos para fazer isso agora.
Em 2018, quando o cientista chinês He Jiankui anunciou que tinha editado o genoma de dois bebês, eu fiquei horrorizado. Só porque temos a capacidade de fazer algo, não significa que devemos fazer.
Acho que o que Jiankui fez equivale a uma espécie de experimentação no estilo de Nuremberg, que é completamente inaceitável. Precisamos ser extremamente críticos de pessoas que estão assumindo riscos desnecessários, e isso é ainda mais sensível quando é feito com pessoas.
BBC News Brasil: Mas quem pode dizer quando estaremos prontos para fazer isso?
Metzl: Sim, é uma questão essencial. O maior desafio do mundo é que nossos maiores problemas são globais e comuns, incluindo de governança das tecnologias revolucionárias. Não temos estruturas suficientes de governança, e isso é fundamental. Temos alguns processos e temos a ONU. Temos padrões estabelecidos por cientistas.
Mas se você olha para o caso da China, o que He Jiankui fez foi inicialmente apoiado pelo governo chinês. He Jiankui foi saudado como um herói pela imprensa chinesa.
Mas quando começou uma onda de repercussão internacional, o governo e a imprensa da China mudaram de lado, e ele acabou preso por três anos como resultado das suas ações.
Precisamos fazer tudo que for possível para estabelecer padrões nacionais e internacionais de governança dessas tecnologias.
Está claro que o mundo está cheio de “buracos negros” de regulação, o que vemos em vários tratamentos não-licenciados com células tronco que são banidos na Europa e nos Estados Unidos. As pessoas estão indo para o Caribe e para a Ásia Central em busca desses tratamentos. E acho que muitas pessoas estão sendo prejudicadas por isso.
Precisamos estabelecer fundamentos de sistemas de governança que nos ajudem a administrar essas tecnologias de Prometeu que temos.
BBC News Brasil: Sua posição sobre as origens da Covid se tornou famosa: você foi um dos primeiros a sugerir que o vírus pode ter surgido em um laboratório, e não ocorrido naturalmente em um mercado de comida. É um assunto ainda polêmico entre cientistas e mesmo dentro da Organização Mundial da Saúde (OMS). Qual é sua visão sobre isso?
Metzl: Sim. Tenho uma visão bastante forte de que existem evidências avassaladoras que apontam para uma origem da Covid relacionada a pesquisas. Ainda não temos uma resposta completa para isso. E o único motivo é que o governo da China fez de tudo para evitar uma investigação científica e forense completa.
Na minha opinião, houve um acidente de pesquisa, e não uma tentativa deliberada de criar uma arma biológica. Acredito que deveríamos estar cobrando sem parar do governo chinês maior acesso para uma investigação completa sobre as origens da Covid.
A revista The Economist estima que houve 28 milhões de mortes em excesso por causa da Covid, dezenas de trilhões de dólares em prejuízo econômico, centenas de milhões de pessoas, se não mais, que caíram na pobreza. Se dissermos “ah, é só a China sendo a China, vamos deixar isso para lá”, a China ou qualquer outro Estado autoritário terá todo incentivo para repetir isso.
BBC News Brasil: Nos dois casos – da Covid e da edição de genomas – estamos falando de um mesmo país: a China. Você acredita que a forma como a China lida com ciência e pesquisas é um obstáculo para a sua ideia de superconvergência?
Metzl: Sim. Acredito que a comunidade científica chinesa está fazendo contribuições incríveis para o mundo em saúde, agricultura e muitas outras áreas. E sou grato por essas contribuições. Mas acredito que o Partido Comunista Chinês (PCC) está usando a ciência e a tecnologia como meio para seu fim de ultrapassar os outros países rumo à liderança mundial.
A combinação da ideologia do PCC com o tremendo poder da ciência chinesa é uma ameaça fundamental para a comunidade global e toda a humanidade.
A China, por conta de seu tamanho e ambições, está se tornando uma ameaça à humanidade. E não precisa ser assim. Acho que é fácil imaginar um mundo em que a China desempenha um papel bem mais construtivo.
Sou um grande crítico da China, mas também sou muito crítico do meu próprio governo, os Estados Unidos.
BBC News Brasil: Qual é sua crítica aos EUA?
Metzl: Os EUA são a maior superpotência científica do mundo. O Instituto Nacional de Saúde (NIH, em inglês) faz um trabalho incrível de financiar ciência de base. E essa ciência se difunde pelo mundo. No caso dos bebês CRISPR [caso do geneticista chinês He Jiankui], se você olhar para a ciência de base que está por trás disso, muito dela foi financiada pela NIH. No caso da Covid também.
O problema é porque vivemos em um mundo onde a ciência é aberta, essas capacidades são difundidas por todo o planeta, e essas tecnologias são repassadas intencionalmente ou não.
Para cientistas que são éticos mas podem estar trabalhando em Estados autoritários, é inevitável que a política desses Estados se misture com a pesquisa científica.
BBC News Brasil: Então se no caso da China, você diz haver pouca transparência, no caso dos EUA haveria transparência demais, que pode prejudicar o mundo?
Metzl: É difícil responder a isso porque vivemos em um mundo de ciência aberta. Nós nos beneficiamos disso. É por isso que temos esses incentivos para os cientistas. No momento em que eles descobrem algo, eles publicam um artigo que é submetido a revisão por pares para avaliar se aquilo é válido ou não.
O problema é que integramos a China no mundo da ciência aberta como se fosse o Canadá ou a Suíça.
BBC News Brasil: A Covid parece ser um bom exemplo dos desafios que a humanidade tem em controlar seus “poderes quase divinos”, que você menciona no livro. Por um lado, a humanidade produziu vacinas em tempo recorde, mas do outro lado surgem esses problemas de governança, confiança pública e transparência. Como você avaliaria a humanidade nesse teste?
Metzl: É o ponto central de tudo. Mesmo no nível pessoal das nossas vidas, nossas melhores e piores qualidades são duas faces de uma mesma moeda.
A Covid mostrou os benefícios milagrosos das nossas habilidades. Fomos capazes de desenvolver, a partir do genoma sequenciado de um vírus, uma vacina de mRNA completamente funcional em apenas 11 meses. Foi inacreditável.
Isso abriu caminho para vários outros tratamentos, seja contra câncer ou muitas outras coisas. Deveríamos estar gratos que, enquanto humanidade, conseguimos fazer isso juntos. E, ao mesmo tempo, essas tecnologias nos permite fazer coisas com consequências terríveis.
A questão que fica é: como otimizamos as coisas que queremos e minimizamos os riscos para evitar o que não queremos. É esse o jogo. E não é impossível. Mas requer que muito trabalho seja feito agora.
BBC News Brasil: No caso da Covid, foi um sucesso?
Metzl: Acho que não fomos bem. Fomos no caso do desenvolvimento das vacinas. Mas na distribuição das vacinas, não fomos bem. Certamente os EUA precisariam ter feito mais para compartilhar as vacinas.
Também não empoderamos a OMS, que poderia ter tido um papel mais ativo. Não construímos uma OMS assim. E não é culpa dos líderes da OMS, é culpa nossa. Eu acredito que toda a pandemia de Covid poderia ter sido completamente evitada.
Acredito que essa foi uma pandemia política, e fracassamos em reagir à crise.
BBC News Brasil: No seu livro, você fala sobre bem-estar animal e vegetarianismo, dizendo que a tecnologia pode ajudar mais pessoas a ter acesso à comida de uma forma mais sustentável e eficiente. Você acha que a agricultura está mesmo se tornando mais sustentável e ecológica?
Metzl: Temos mais consciência ambiental do que no passado. Temos maior noção das implicações negativas do aquecimento global e mudanças climáticas. Mas como em todas as áreas, estamos tendo dificuldades em tomar as medidas necessárias para mudar nossa trajetória.
Muito mais precisa ser feito. Temos 8 bilhões de humanos, em breve seremos 10 bilhões. Todos precisam ser alimentados. Todos têm direito a alimentação de qualidade, para si e suas famílias. Cabe a nós fazer isso. Mas precisa ser feito de uma forma ecológica e sustentável.
E não estamos fazendo isso. Para isso, as ferramentas da genética e biotecnologia podem nos ajudar a aumentar a produtividade da nossa agricultura.
Vivemos em um mundo com aumento contínuo na produtividade da agricultura e uma produção global de alimentos em massa, que triplicou em 70 anos.
O Brasil fez um excelente trabalho, mas também estamos vendo no Brasil as consequências de precisarmos de tanta terra, tanta água e tantos fertilizantes.
A questão é como podemos melhorar, conseguir alimentos de alta qualidade mas com menos necessidade de terra, água e fertilizantes.
Um caminho é continuar desenvolvendo melhores variedades de sementes. Podemos reduzir nossa dependência em fertilizantes sintéticos pensando em formas diferentes de dar nutrientes às plantas e manipulando microbiomas.
E precisamos pensar a pecuária de forma diferente. Nós humanos, assim como a espécie anterior a nós, temos comido carne por muito tempo e isso é parte da nossa identidade e nossa cultura. Mas eu acho que seria saudável para os humanos comermos menos alimentos baseados em animais. Seria bom para o clima se todos virassem vegetarianos.
Eu mesmo não sou vegetariano e não estou pedindo aos brasileiros para serem. Mas podemos conseguir produtos animais de outras formas, sem continuar desmatando a floresta amazônica para pecuária.
A taxa de conversão calórica de plantas para gado para humanos é de 30. Uma vaca precisa consumir 30 calorias em plantas para produzir uma caloria de bife. Isso não é eficiente. Por isso, as novas ferramentas de cultura de célula ou de carne cultivada vão utilizar céulas-tronco de animais saudáveis, crescê-las, expandir essas células e criar produtos animais em bioreatores.
Pode não parecer algo natural para muitas pessoas, mas a pecuária industrial também não é normal, se olharmos para a nossa experiência histórica.
Estamos nos primórdios deste tipo de tecnologia. A maioria de nós nem se importa com o que está na carne que comemos. Mas poderíamos ter um produto biologicamente idêntico que usa menos água, menos fertilizantes, menos energia, menos impacto ambiental e talvez sendo até mais seguro, saudável e nutritivo.
Ainda poderíamos ter o produto premium e pagar mais por ele — como carne de maior qualidade ou outros produtos animais.
Eu não acho que as pessoas estejam preparadas para uma mudança radical, em sair de como vivemos hoje para amanhã estarmos vivendo como os Jetsons.
Mas acho que é possível mudar os sistemas que usamos agora.
No caso de combustíveis fósseis, eles foram um tremendo sucesso para humanos no passado e nos permitiram fazer coisas incríveis, possibilitando que se pusesse fim a abusos horríveis, como a escravidão.
O aquecimento global é, de certa forma, uma consequência do sucesso da humanidade. Mas ele criou outros problemas. Se resolvermos esse problema, talvez isso gere outros problemas.
BBC News Brasil: No caso do Brasil, muitas pessoas são céticas quanto aos benefícios da tecnologia na agricultura. Por um lado, é inquestionável o ganho de produtividade que se teve no campo. Mas por outro, a tecnologia permitiu que se plantasse no Cerrado, e hoje ele se tornou um dos biomas mais desmatados no Brasil. A tecnologia parece ter piorado a situação do Cerrado.
Metzl: Muitos dos brasileiros que estão infelizes com o papel da tecnologia no desmatamento só existem por causa da revolução verde. O motivo que temos 8 bilhões de humanos é a revolução verde.
Quando ela aconteceu no México nos anos 1950, o país estava passando por fome, que afetava milhões de pessoas. O país não tinha comida para alimentar sua população e em poucas décadas havia tanta comida que o México começou a exportar grãos.
Mas a tecnologia nos ajuda a resolver problemas e acaba criando novos problemas. Por isso, quando cometemos erros, precisamos ter sistemas para identificar o que aconteceu de errado e nos responsabilizar pelos erros.
Eu escrevo no meu livro como os humanos quase acabaram com várias espécies de baleia porque aperfeiçoamos tanto as formas de matar. Se não fosse a ONU dizer que precisamos de mecanismos de controle, muitas dessas espécies teriam sido extintas.
BBC News Brasil: No caso do Cerrado, qual seria uma boa solução? É possível aumentar ainda mais a produtividade sem expandir o uso de terras?
Metzl: Se diminuirmos nossa dependência em produtos animais, precisaremos de menos gado. Digamos que consigamos substituir 50% da carne que os humanos consomem hoje. Ou seja, 50% viriam de carne cultivada (em laboratório) e 50% de animais abatidos. Ainda teríamos acesso a bifes de qualidade, mas precisaríamos de muito menos gado e terras. A Terra quer se repovoar com vida selvagem, são os humanos que estão colocando pressão no planeta através do desmatamento.
Duas coisas são necessárias: uma é essa parte da demanda. A outra é a governança.
Governos precisam fazer um trabalho melhor na proteção de espaços naturais.
BBC News Brasil: Você acha que as pessoas já estão prontas para consumir carne artificial? Me parece que é algo que os consumidores ainda não estão preparados.
Metzl: A tecnologia para se criar carne cultivada existe e está avançando rapidamente, mas não está em um estágio em que possa competir com produtos animais “naturais”. Não em termos de custo e escala. Acho que ainda é preciso investir muito para se ganhar escala.
Precisamos lidar com o sucesso que foi a agricultura industrial. A boa notícia é que essa agricultura não é a que praticamos desde sempre. Nessa escala, ela existe há menos de cem anos. E podemos mudar isso.
BBC News Brasil: Em seu livro, você pinta um cenário de um futuro em que a humanidade controla poderes quase como deuses. Qual é o cenário ideal que você vê para a humanidade, em que os desafios foram vencidos?
Metzl: Quando eu estava escrevendo o livro, meu pai foi diagnosticado com câncer neuroendócrino, o mesmo que matou Steve Jobs. Ao contrário de Jobs, eu fui atrás de tudo que é tecnologia que pudesse combater esse câncer. Eu insisti que fizéssemos um sequenciamento das células de câncer e acabamos encontrando uma mutação.
E encontramos um tratamento para bloquear a habilidade desta célula de se reproduzir, um tratamento que praticamente nunca tinha sido usado neste câncer. Isso funcionou por um ano e meio, mas parou de funcionar porque o câncer evoluiu.
Sequenciamos as células de novo e achamos outra mutação.
Meu pai, pelo diagnóstico que recebeu, deveria ter seis meses de vida. Desde então ele já viu o Kansas City Chiefs ganhar dois Super Bowls. Ele foi ao bat mitzvah [comemoração judaica] de sua neta. Ele e minha mãe estavam no lançamento do meu livro em Nova York.
É um exemplo pequeno. As pessoas têm medo de um apocalipse com inteligência artificial. Esses medos não são necessariamente sem fundamento. Mas vivemos em um mundo mediado pela tecnologia. A agricultura é uma forma de biotecnologia.
Qual é minha visão para um futuro melhor? Viver com mais saúde, talvez por mais tempo, com vidas mais robustas, onde transformamos nosso sistema saúde baseado em sintomas de doença para algo preventivo e proativo.
Onde cultivamos comida para que todos no planeta tenham acesso a maior qualidade de nutrição, utilizando menos terra e água e coisas que dilapidam grande parte do nosso planeta.
Onde transformamos nosso modelo de transformação de materiais industriais, em que cortamos ou cavamos coisas da natureza, e passamos a cultivá-los.
Nossa espécie consegue viver em partes do universo que são inóspitas para nós.
O principal desse momento da humanidade nesse planeta é que depois de quatro bilhões de vida, uma espécie finalmente consegue usar engenharia para criar inteligência e redesenhar a vida. O que vai definir se fomos bem-sucedidos ou não é se saberemos usar sabiamente essas capacidades de Prometeu.
Fonte: correiobraziliense
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