A milícia xiita libanesa Hezbollah ainda assimilava o ataque sem precedentes da véspera, quando centenas de pagers explodiram, matando 12 pessoas e ferindo 2.750. Na tarde desta quarta-feira (18/9), uma nova onda de explosões, desta vez de walkie-talkies e dispositivos de biometria utilizados pelos integrantes do grupo, deixou 20 mortos e causou lesões em 450. Um dos aparelhos foi detonado durante o funeral de vítimas dos atentados de terça-feira. Todos os incidentes foram registrados em um subúrbio do sul de Beirute, considerado bastião do Hezbollah. Em dois dias, o Líbano contabilizou 32 mortos e 3,2 mil feridos.
Uma fonte da segurança libanesa disse à agência France-Presse que os pagers, usados para envio de mensagens, "estavam programados para explodir e continham materiais explosivos inseridos junto à bateria". O jornal The New York Times divulgou que eles foram fabricados em Taiwan e receberam a carga explosiva antes de chegarem ao Hezbollah. A empresa taiwanesa Gold Apollo, suposta fabricante, esclareceu que os equipamentos foram montados na Hungria pela companhia BAC.
Israel não comentou os incidentes. No entanto, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, reconheceu o "início de uma nova fase da guerra". "O centro de gravidade (da guerra) está se deslocando para o norte. Recursos estão sendo alocados (para essa frente), declarou. Hoje, o líder máximo do Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah, deve fazer um raro discurso e falar sobre a retaliação.
"As explosões de pagers e de walkie-talkies representam os mais graves ataques sofridos pelo Hezbollah em seus 42 anos. Elas equivalem a um atentado de 11 de setembro para o grupo e revelam o enorme e intransponível fosso tecnológico e de inteligência existente entre o Hezbollah e seus inimigos israelenses", afirmou ao Correio Habib Malik, professor aposentado de história da Universidade Libanesa Americana (em Beirute).
De acordo com ele, a milícia xiita ficou exposta, ao ser penetrada em todos os níveis pela inteligência de Israel. "O Hezbollah mostrou-se indefeso ante tais ataques tecnológicos sofisticados. A operação foi muito precisa na escolha de alvos. A um custo muito baixo, milhares de combatentes foram eliminados ou ficaram gravemente feridos, inviabilizados para a guerra", acrescentou Malik.
Resposta
O professor da Universidade Libanesa Americana aposta que as tensões aumentarão na região. Ele não descarta que o Hezbollah mantenha ataques de baixo nível em áreas do norte de Israel, perto à fronteira. "Mas isso será interpretado como resultado de fraqueza e de indecisão. Eventuialmente, e no momento que Israel desejar, uma guerra massiva com o Hezbollah parece inevitável, pois não será possível o retorno de 80 mil israelenses para suas casas e vilas, no norte do país, sem a neutralização da ameaça do Hezbollah", explicou Malik.
Ele reforçou que um grande confronto com o Hezbollah parece quase certo. "O norte de Israel está pronto para choques contínuos em várias frentes, que podem fluir e refluir de forma descontrolada até as eleições americanas, em 5 de novembro. Depois disso, o cálculo poderá ser modificado por Israel."
Para Emily Harding — diretora do Programa de Inteligência, Segurança Nacional e Tecnologia do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, em Washington) —, as operações no Líbano foram "extraordinariamente sofisticadas e efetivas". "Ataques à cadeia de suprimentos exigem extensiva coleta de dados de inteligência, o recrutamento da pessoa certa no lugar certo, e a habilidade técnica para construir um item que pareça normal e acima de qualquer suspeita", disse ao Correio.
Professor de relações internacionais da Universidade de Nova York, o iraquiano-americano Alon Ben-Meir avaliou que a mensagem enviada por Israel ao Hezbollah é de que o Estado judeu detém tecnologia para infligir um número importante de baixas no grupo. "Outro aviso é o de que Israel está na posição de precipitar o caos no Líbano e criar pânico", afirmou à reportagem. O estudioso vê uma mensagem ao regime do Irã. "Os ataques no Líbano alertam o governo iraniano que Israel tem as ferramentas eletrônicas mais avançadas para alvejar instalações civis ou militares."
"Os recentes ataques representam um duríssimo golpe para o Hezbollah, para suas habilidades e sua reputação. Com certeza, esta é, de longe, a mais grave violação de segurança da história do grupo. As fileiras do grupo estão em desordem. O seu líder, xeque Hassan Nasralla, enfrenta um dilema nada invejável: será condenado se retalia e se não reagir. Qualquer resposta provocará um contra-ataque israelense rápido e devastador. Qualquer falta de ação do Hezbollah será vista como fraqueza, covardia ou mesmo capitulação — uma situação em que nenhuma força de combate gostaria de estar."
Habib Malik, professor aposentador de história da Universidade Libanesa Americana (em Beirute)
"A escala do ataque é enorme. Pelo menos centenas de combatentes do Hezbollah ficaram gravemente feridos, e muitos desses ferimentos os impedirão de retornar à luta. Isso é uma vitória para Israel, que tem antecipado um ataque massivo do Hezbollah por meses. Além disso, o Hezbollah agora está questionando todos os seus dispositivos de comunicação, o que impedirá muito o funcionamento do grupo."
Emily Harding, diretora do Programa de Inteligência, Segurança Nacional e Tecnologia do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, em Washington)
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