22 de Novembro de 2024

Guerra tecnológica: novas formas de conflito bélico ganham espaço


A explosão de pagers, de walkie-talkies, de placas de energia solar e de dispositivos de biometria usados pela milícia xiita Hezbollah, no Líbano, chocou o planeta. O ataque sem precedentes, provavelmente obra do serviço secreto israelense Mossad, matou, pelo menos, 45 pessoas e feriu quase 3 mil — 500 militantes do grupo perderam um ou dois olhos. Além do número impressionante de vítimas, o atentado fez com que a rede de comunicações do Hezbollah entrasse em colapso. Nos ataques de 17 e 18 de setembro, Israel não disparou um míssil ou um tiro sequer. Na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, drones (aeronaves não tripulados) são cada vez mais utilizados para coletar informações e destruir o inimigo.

Professor de relações internacionias da Universidade de Nova York, o iraquiano-americano Alon Ben-Meir admitiu ao Correio que, na guerra moderna, a tecnologia desempenhará um papel cada vez mais importante. Ele acrescentou que, nesse sentido, Israel se mostra na vanguarda. "Nem é preciso dizer que, para aproveitar ao máximo qualquer ferramenta militar tecnológica, os militares precisam do apoio total da comunidade de inteligência para identificar onde e como usar essas tecnologias sensíveis. O serviço secreto israelense Mossad é considerado um dos mais sofisticados do mundo e é inigualável em sua capacidade de executar qualquer missão com precisão e eficiência", ressaltou. 

Ben-Meir lembrou que, antes dos ataques de terça-feira e quarta-feira, o líder do Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah, alertou os membros do movimento xiita a não usarem celular para se comunicarem. "Ele sabia o risco de Israel espionar as comunicações. Agora, advertiu seus seguidores a não utilizarem esses e outros dispositivos com o medo de que também explodam."

Tito Lívio Barcellos Pereira — geógrafo pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorando em relações internacionais pelo Instituto San Tiago Dantas — explicou ao Correio que a tecnologia sempre foi vista como instrumento de poder que acaba conferindo vantagens da força militar em relação ao oponente. "Isso é algo histórico. Desde o advento do arco e flecha até o surgimento dos drones suicidas, existe um esforço constante de buscar novas soluções para assegurar a supremacia no campo de batalha. Hoje, temos uma indústria e uma ciência que se coloca a serviço da guerra e dos interesses de Estado e, obviamente, busca capacitar a projeção de força desse Estado", afirmou. 

Para o professor da USP, uma das vantagens da tecnologia de informática na guerra é facilitar a comunicação entre diferentes tipos de tropas no front. "O fenômeno das armas combinadas se intensificou nas últimas décadas. Hoje, estamos entrando na quinta geração das comunicações, a 'internet das coisas'. Isso permitiu a popularização dos sistemas de armas remotos, os quais podem ser controlados por um operador a distância ou manipulados por técnicas de inteligência artificial e mecatrônica", disse Tito Pereira. Ele observa que atores menores buscam alternativas para não dependerem de comunicações sofisticadas, passívels de serem rastreadas, e cita a aquisição de meios de comunicação mais rudimentares pelo Hezbollah. 

A tecnologia, segundo Tito Pereira, permite aos decisores visualizarem um retrato em tempo real do campo de batalha e monitorarem o inimigo. "Os drones não servem somente para funções de ataque, como os 'suicidas' e aqueles que carregam mísseis antitanques. Uma das primeiras funções deles é fazer a observação à distância do front, com câmeras de altíssima resolução, que podem aproximar a imagem até centenas de milhares de vezes", acrescentou. Ele cita também o papel da cibernética na guerra — o uso de meios virtuais para interferir nas comunicações civis e militares do inimigo. Entre as desvantagens da guerra tecnológica, o professor vê uma vulnerabilidade ante interferências do inimigo. "Se houver uma interrupção no fluxo de dados, as capacidades bélicas ficam comprometidas."

De acordo com Braden Allenby, professor de engenharia sustentável e de engenharia e ética na Universidade Estadual do Arizona, existem duas tendências de longo prazo que os ataques sem precedentes no Líbano destacam. "Transformar em armas cadeias de  suprimento civis, como Israel parece ter feito, continua a decadência acelerada entre as esferas militares e civis. Outro exemplo é o uso da Starlink, rede de comunicações espaciais civis, por parte das forças ucranianias, e o direcionamento de infraestrutura civil americana por entidades cibernéticas norte-coreanas, iranianas, chinesas e russas, incluindo organizações criminosas quase estatais. O resultado é que todas as infraestruturas e instituições civis, incluindo empresas privadas, estão se tornando participantes críticas em grandes conflitos e alvos militares potencialmente aceitáveis", advertiu ao Correio. 

A segunda tendência, para Allenby, é o fato de as leis tradicionais que regem a guerra se tornarem cada vez mais obsoletas ou disfuncionais. "Como o propósito do direito humanitário internacional ou das leis de conflito armado é reduzir o impacto da guerra sobre os civis, extrapolar leis, práticas e normas atuais traz riscos substanciais. Há muitos fatores contribuintes que apoiam essa tendência, mas armar cadeias de suprimentos civis, como parece ter acontecido no Líbano, certamente contribui." O professor de Arizona destacou que nenhuma dessas tendências parece reversível. "Sob essa luz, os eventos no Líbano, embora tecnicamente impressionantes, não são atípicos, mas parte de uma evolução do conflito humano que a comunidade mundial ainda não entende."

 

Fonte: correiobraziliense

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