22 de Novembro de 2024

Massacre no Líbano desperta o temor de escalada e guerra aberta


Foi o dia mais sangrento no Líbano em 34 anos, desde o fim da guerra civil libanesa. Cerca de 1,6 mil bombardeios da Força Aérea israelense contra o sul e o leste do país deixaram pelo menos 492 mortos, incluindo 35 crianças e 58 mulheres, e 1.645 feridos. A milícia xiita libanesa Hezbollah disparou 210 foguetes em direção à Alta Galileia, na fronteira norte de Israel, e à cidade de Haifa. A Operação Flechas do Norte destruiu "dezenas de milhares" de foguetes do grupo fundamentalista liderado pelo xeque Hassan Nasrallah, anunciou o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant.

O governo de Israel estima que o Hezbollah possua 150 mil projéteis. Em vídeo, o premiê Benjamin Netanyahu aconselhou os libaneses a "se afastarem das áreas perigosas". Quase ao mesmo tempo, cidadãos que moram em áreas com forte presença do Hezbollah receberam mensagens, por meio do celular, com a mesma advertência. Os militares também anunciaram um ataque em Beirute que era direcionado contra o comandante para o front sul da milícia. O grupo assegurou que ele está "bem" e em "local seguro". 

Foto divulgada pelo Exército israelense mostra foguete do Hezbollah pronto para ser lançado de dentro de casa civil, no vilarejo de Houmine al-Tahta (sul do Líbano)
Foto divulgada pelo Exército israelense mostra foguete do Hezbollah pronto para ser lançado de dentro de casa civil, no vilarejo de Houmine al-Tahta (sul do Líbano) (foto: IDF)

Chefe do Estado-Maior do Exército israelense, Herzi Halevi declarou que os bombardeios visaram infraestruturas de combate e acrescentou que as tropas "se preparavam para as próximas fases" da operação. Um funcionário de alto escalão do governo dos Estados Unidos assegurou à agência France-Presse que a Casa Branca se opõe a uma invasão terrestre. Ele prometeu que os EUA apresentarão "ideias concretas" para reduzir a tensão no Líbano. 

Porta-voz da Organização das Nações Unidas (ONU), Stéphane Dujarric disse que o secretário-geral (António Guterres) está "muito preocupado  com a escalada da situação e com o grande número de vítimas civis". O governo da França  pediu uma reunião de emergência do Conselho de Segurança para debater a escalada e alertou sobre a necessidade de evitar uma "conflagração regional que seria devastadora para todos". Josep Borrell, chefe de diplomacia da União Europeia (UE), advertiu: "Estamos à beira de uma guerra total". 

Sistema de defesa antiaérea Domo de Ferro dispara foguete, perto de Haifa, no norte de Israel
Sistema de defesa antiaérea Domo de Ferro dispara foguete, perto de Haifa, no norte de Israel (foto: Menahem Kahana/AFP)

Hospital

Nasser Farran, cirurgião do Hospital Hiram, em Tiro (80km ao sul de Beirute), está confinado na sala de operações desde terça-feira (17/9), quando chegaram as vítimas das detonações de pagers e walkie-talkies. "Não escutamos as explosões, porque estamos no subsolo. Mas, vez ou outra, podemos ouvir algo como se fosse o som de uma porta batendo. Sabemos que se trata de um bombardeio. Soube que nenhuma aldeia ficou sem ser alvo de mísseis. Hoje (ontem), nós recebemos dezenas de feridos. O hospital atua em sua capacidade máxima", relatou ao Correio, por telefone. "Os ferimentos atingiram diferentes partes do corpo de homens, mulheres e crianças. Há queimaduras de membros e muitas amputações." 

Farran contou que trabalhou no Hospital Hiram durante os conflitos de 1993, 1996 e 2006. "Nunca vi algo assim. Dessa vez, é uma guerra muito mais frontal, com mais feridos e mortos. Nenhuma zona, em todo o Líbano, está a salvo", admitiu. A mulher de Farran deixou Tiro às 14h desta segunda-feira (hora local), em direção ao Beirute. Dez horas depois, ela não tinha chegado a Sidon, situada a apenas 25 minutos de sua cidade natal. "Acho que estamos vivendo uma guerra aberta. Quanto a uma invasão terrestre, ninguém sabe. O conflito está começando."

Por volta de 1h20 desta terça-feira (24/9) (19h20 de segunda-feira em Brasília), o médico cardiologista Basma Adnan, 76 anos, percorria os 80 quilômetros que separam Tiro de Beirute, quando falou ao Correio, por telefone. Com a voz cansada, disse que chegaria à capital pela manhã. "Estamos viajando há 24 horas. Os bombardeios ocorrem em cima de nós, durante todo o caminho. O país está dividido em três partes, as quais não querem uma luta nacional. O Hezbollah é um dos partidos seculares que destruíram o país e a economia, e roubaram o povo libanês. Por desgraça, não temos nem sequer um refúgio", desabafou. "O povo libanês está pagando o preço. Nem todos queremos a guerra contra Israel, da maneira como o Hezbollah tem feito. Queremos eleger um presidente que não dependa de outras nações. Queremos um Líbano democrático, com um exército forte, capaz de liberar o território e defender toda a população, e não apenas uma parte."

Adnan acusou Israel de mentir e repetir o que tem feito na Faixa de Gaza. "Estão assassinando civis aqui. Meu vizinho, por exemplo, foi morto com sua mulher e quatro filhas. Eles dormiam em sua casa. Não estão atacando apenas o Hezbollah. Estão eliminando e exterminando um povo. Querem expulsar-nos do sul do Líbano para ocupar o território", acrescentou.

Em Beirute, Tania Baban — diretora da organização não governamental Medglobal no Líbano — explicou que milhares de civis libaneses abandonaram suas casas, no sul do país, e rumaram para o norte e para a capital. "Estamos assistindo ao momento mais crítico do deslocamento das pessoas, que começaram a migrar depois de 7 de outubro de 2023", disse ao Correio, ao citar o massacre cometido pelo grupo fundamentalista palestino Hamas na Faixa de Gaza. Ela ressaltou que essas pessoas precisam de atendimento médico, de apoio psicológico e de abrigo.

Sequestro

Para Eytan Gilboa, professor de relações internacionais da Universidade de Bar-Ilan (em Ramat Gan), a resposta de Israel à "agressão do Hezbollah" deveria ter sido feita meses atrás. "A organização terrorista sequestrou o Líbano, tornando-o satélite iraniano. Desde 8 de outubro de 2023, ela atacou cidades e vilarejos israelenses, matou civis e destruiu inúmeras casas. Israel teve que retirar 100 mil cidadãos da fronteira com o Líbano. Tanto o Hezbollah quanto Israel não querem uma guerra em larga escala, mas o governo de Netanyahu está determinado em expulsar as forças do Hezbollah para longe da fronteira", afirmou ao Correio.

O estudioso israelense crê que uma escalada depende do Irã, "que costuma repassar instruções" à milícia xiita. "A meta de Israel é forçar o xeque Hassan Nasrallah a deter a agressão e obter uma solução diplomática para o conflito ou encarar um confronto aberto, que levaria à destruição do Hezbollah."

Gilboa explicou que a Força Aérea israelense destruiu lança-foguetes, mísseis e drones escondidos pelo Hezbollah no telhado de casas de famílias. "Por isso, o número alto de vítimas. As Forças de Defesa de Israel (IDF) pediram aos moradores de casas repletas de armamentos que abandonassem o local. A guerra pode acabar se o Hezbollah parar com os ataques a Israel."

Barak Medina — professor de direito na Universidade Hebraica de Jerusalém — lembrou à reportagem que Israel esperou quase um ano para que a comunidade internacional tomasse uma iniciativa contra o Hezbollah. "O mundo ignorou. Os ataques de Israel não são contra o Líbano, mas contra o Hezbollah, que praticamente tomou o Estado. Os bombardeios alvejaram mísseis apontados para Israel e armazenados em residências. Como Israel emitiu um aviso, as operações militares estão em concordância com o direito internacional."

Eytan Gilboa, professor de relações internacionais da Universidade Bar-Ilan (em RamatGan, subúrbio de Tel Aviv) 
Eytan Gilboa, professor de relações internacionais da Universidade Bar-Ilan (em RamatGan, subúrbio de Tel Aviv)  (foto: Fotos Arquivo pessoal )

"Não espero muita pressão da comunidade internacional sobre Israel. O Hezbollah é reconhecido como uma organização terrorista por parte dos EUA, da União Europeia, da maioria dos países árabes sunitas e de outras nações. É parte da construção, por parte do Irã, de um anel de fogo em torno de Israel."

Eytan Gilboa, professor de relações internacionais da Universidade de Bar-Ilan (em Ramat Gan)

Barak Medina, professor de direito na Universidade Hebraica de Jerusalém
Barak Medina, professor de direito na Universidade Hebraica de Jerusalém (foto: Arquivo pessoal )

"É difícil prever os desdobramentos do conflito. O Hamas deseja firmar um cessar-fogo em troca da libertação de todos os reféns israelenses, uma oferta feita por pressão do Irã e do Hezbollah. Espero que Netanyahu concordará com ela, mas não parece algo crível, porque o governo vê a oportunidade de destruir o Hezbollah."

Barak Medina, professor de direito na Universidade Hebraica de Jerusalém

Fonte: correiobraziliense

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