22 de Novembro de 2024

Como o cérebro se comporta quando estamos doentes


Se alguém nos diz que vamos pegar uma gripe, a primeira coisa que pensamos são os sintomas físicos: dores musculares, tosse e febre.

Porém, o que realmente nos impacta numa infecção dessas é o cansaço extremo, a apatia, a irritabilidade e aquele "nevoeiro mental" que parece ficar conosco para sempre.

Esse conjunto de sintomas é conhecido como "comportamento de doença" e, embora seja desagradável, tem um propósito bastante importante.

Descobertas recentes apontam que os sintomas comuns durante uma infecção viral ou bacteriana não são simplesmente efeitos secundários da doença, mas têm uma função benéfica.

Eles permitem que nosso corpo redirecione a energia para combater os agentes patogênicos que nos invadiram. Em outras palavras, nos sentimos mal para nos sentirmos bem depois.

No entanto, esse mecanismo também pode se tornar um efeito colateral indesejado em pacientes com câncer ou doenças autoimunes.

Essas pessoas são tratadas com medicamentos que atuam no sistema imunológico, conhecidas como interferons.

Os tais interferons são naturalmente produzidos e liberados pelas células do nosso sistema de defesa quando sofremos uma infecção.

Porém, o uso terapêutico deles pode desencadear esses sintomas desagradáveis típicos do comportamento de doença.

Mas como uma doença afeta a função cerebral e nosso estado mental?

Para tentar responder a essa questão, devemos primeiro conhecer a barreira hematoencefálica, uma estrutura complexa cuja principal função é proteger as células cerebrais.

Essa barreira hematoencefálica é um sistema protetor que impede a entrada da maioria dos patógenos e moléculas imunológicas no cérebro.

Durante muito tempo, acreditou-se que essa estrutura também bloqueava os sinais do sistema imunológico.

No entanto, hoje sabemos da existência de toda uma série de mecanismos que permitem que certos mensageiros químicos de defesa atravessem a barreira e influenciem até o nosso comportamento.

Para esclarecer como uma infecção pode levar ao comportamento da doença, um grupo de pesquisa alemão realizou um estudo no qual expôs camundongos a um vírus que causa um quadro mais leve.

Os especialistas então avaliaram os efeitos do patógeno no comportamento dos animais. Para isso, usaram um teste que detecta depressão nos roedores.

Essa ferramenta de diagnóstico, conhecida como labirinto aquático de Morris, consiste em colocar os animais em um recipiente com água. Eles devem nadar até encontrar uma plataforma que os permita sair daquele ambiente.

Ratos saudáveis ??geralmente lutam até conseguirem escapar. No entanto, animais com sintomas depressivos desistem rapidamente e flutuam para longe do destino.

E aí vem o mais interessante: os ratos de laboratório infectados com o vírus passaram quase o dobro do tempo nesse estado de flutuação, o que sugere que o patógeno alterou o comportamento deles.

Em outras palavras, quando estavam doentes, os animais avaliados ficaram visivelmente deprimidos.

Neste estudo, foi detectado que o vírus induziu os camundongos a produzir um tipo de interferon, o interferon-β, uma molécula imunológica que, por sua vez, estimula receptores que estão localizados em estruturas que fazem parte da barreira hematoencefálica.

Para determinar se os tais receptores localizados na barreira hematoencefálica desencadeiam o comportamento de doença, os investigadores alemães compararam ratos normais com animais geneticamente modificados, que não possuíam esses receptores.

Para isso, os cientistas ativaram as mesmas respostas imunológicas causadas pelo vírus nos dois grupos de ratos. Na sequência, todos foram submetidos ao teste de flutuação.

Durante a prova, os ratos com os genes modificados (que não possuíam os receptores) demoraram aproximadamente 50% menos tempo para encontrar a plataforma quando comparados aos ratos normais (que possuíam os receptores).

Isso indica que o primeiro grupo é muito menos vulnerável ??à depressão, ao não carregar os receptores.

Como já mencionamos, os pesquisadores conseguiram identificar as duas partes de um mecanismo que transmite sinais imunológicos através da barreira hematoencefálica: o interferon-β e os receptores que ele estimula.

Porém, ainda era necessário determinar qual molécula, nessa cascata de sinalização, causava de fato as alterações no cérebro.

Eles descobriram que, em resposta ao interferon-β, as células dos vasos sanguíneos produzem outra molécula: a CXCL10, que possui uma atividade inflamatória conhecida em quadros de artrite reumatóide.

Quando os especialistas mediram a atividade elétrica dos neurônios no hipocampo, uma parte do cérebro que ajuda a formar memórias e também influencia as emoções, eles observaram que o CXCL10 alterou as respostas dos neurônios de uma forma que poderia reduzir a capacidade de aprendizagem dos animais.

Assim, os cientistas foram capazes de explicar, a base celular e eletrofisiológica do tal comportamento de doença.

Uma implicação importante deste trabalho é que ele abre portas para encontrar maneiras de interromper o comportamento de doença em pacientes com câncer ou quadros autoimunes que recebem tratamento com interferon.

Porém, o que está claro é que a sensação de estar doente não envolve simplesmente um aborrecimento sem propósito.

Os sintomas que sentimos são uma parte vital da resposta do corpo às infecções — e permitem que o sistema imunológico se concentre na luta contra os invasores.

*Francisco José Esteban Ruiz é professor de Biologia Celular na Universidade de Jaén, na Espanha.

**Este artigo foi publicado no The Conversation e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original.

Fonte: correiobraziliense

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