A morte do xeque Hassan Nasrallah, 64 anos, secretário-geral do movimento xiita Hezbollah, em um bombardeio israelense jogou o Oriente Médio à beira de uma guerra em larga escala e levou Israel a se preparar para a retaliação do grupo libanês, do Irã e de atores regionais. As Forças de Defesa de Israel (IDF) anunciaram que estão em "alerta máximo" e a inteligência se mantém atualizada, à espera de uma possível resposta. Na noite deste sábado (28/9), a milícia anunciou o lançamento de mísseis de longo alcance em direção a Jerusalém. Pelo menos um dos artefatos caiu em uma área pouco populosa da Cisjordânia, sem ferir ninguém. A aviação israelense tornou a bombardear Beirute. Os ataques aéreos de ontem deixaram 33 mortos e feriram 195.
"A liderança do Hezbollah promete ao mártir mais supremo, sagrado e querido em nossa jornada, repleta de sacrifícios e mártires, que seguirá com a luta para confrontar o inimigo, em apoio a Gaza e à Palestina, e em defesa do Líbano e de seu povo honrado", afirmou o movimento. "Sua Eminência Sayyed Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah, juntou-se aos seus grandes e eternos companheiros mártires, a quem liderou por quase 30 anos, guiando-os de vitória em vitória", acrescentou. Gritos de lamento e tiros para o alto puderam ser ouvidos em vários bairros de Beirute.
O aiatolá Ali Khamenei, guia supremo do Irã, declarou cinco dias de luto e convocou os muçulmanos de todo o mundo à vingança. "É obrigatório a todos os muçulmanos apoiarem orgulhosamente o povo do Líbano e o Hezbollah com seus recursos e ajudá-los a confrontar o regime usurpador, cruel e maligno", declarou. Mais tarde, escreveu na rede social X: "O mundo islâmico perdeu uma figura nobre, a Frente de Resistência perdeu um eminente porta-estandarte e o Hezbollah do Líbano perdeu um líder incomparável". Khamenei afirmou que Nasrallah ascendeu aos céus. "Ele não era apenas uma pessoa, era um caminho e uma escola de pensamento", elogiou o aiatolá, que teria sido levado a um local secreto.
Os rebeldes separatistas huthis do Iêmen também prometeram que a morte de Nasrallah "não será em vão" e reivindicaram o lançamento de um míssil contra o aeroporto israelense de Ben Gurion, perto de Tel Aviv.
Nasrallah foi eliminado durante um bombardeio de Israel ao quartel-general do Hezbollah, em Dahiyeh, bairro xiita no sul de Beirute, na sexta-feira (27). "Hassan Nasrallah, o líder da organização terrorista Hezbollah e um de seus fundadores, foi eliminado, com Ali Karki, o comandante da Frente Sul do Hezbollah, e adicionais comandantes do Hezbollah. (...) O ataque foi conduzido enquanto a alta cadeia de comando do Hezbollah operava a partir do quartel-general e promovia atividades terroristas", informaram as IDF. "Durante seu reinado de 32 anos, Hassan Nasrallah foi responsável pelo assassinato de muitos civis e soldados israelenses, e pelo planejamento e execução de milhares de atividades terroristas."
Ainda segundo a nota, Nasrallah comandou e executou atentados terroristas ao redor do mundo, em que civis de várias nacionalidades foram assassinados. "Nasrallah era o tomador de decisões central e o líder estratégico da organização", destacaram as IDF.
Acerto de contas
Ao desembarcar em Israel, depois de encurtar a viagem a Nova York, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu falou à nação. "Eu dei a ordem, e Nasrallah não está mais entre nós", disse. O premiê afirmou que Israel "acertou as contas" com um "assassino em massa" e considerou a morte de Nasrallah como um "ponto de virada histórico", que muda o balanço de poder no Oriente Médio e pode acelerar a libertação de reféns pelo Hamas. "Ele era o motor central do eixo do mal do Irã." No ataque ao QG do Hezbollah, bombardeiros despejaram 85 bombas antibunker de 900kg em intervalos de dois segundos. A inteligência de Israel rastreou Nasrallah durante meses, revelou o The New York Times.
O presidente dos EUA, Joe Biden, classificou o assassinato de Nasrallah como uma "medida de justiça para suas muitas vítimas". O titular da Casa Branca assegurou que Washington "apoia plenamente o direito de defesa de Israel". Ao mesmo tempo, pediu um cessar-fogo.
Nicholas Blanford, especialista em Hezbollah pelo instituto Atlantic Council, admitiu ao Correio que a morte de Nasrallah representa um "golpe imenso na moral" do movimento. "Algo parecido ocorreu única vez. Em 16 de fevereiro de 1992, o antecessor de Nasrallah, Abbas Al-Musawi, foi assassinado em um ataque de helicóptero israelense. A morte dele lançou uma onda de choque gigantesca sobre o movimento. Al-Musawi tinha sido o líder da resistência na década de 1980. Depois, o Conselho Shura elegeu o xeque Nasrallah para sucedê-lo", contou.
O estudioso acredita que o conselho se reunirá para escolher um novo líder. "Hashem Safieddine, 59, primo de Nasrallah e chefe do Conselho Executivo do Hezbollah, tem sido considerado há muito tempo um potencial substituto. Apesar do golpe na moral, o Hezbollah é uma organização muito bem estruturada, dotada de forte cadeia de comando e maior do que seus componentes individuais. Mesmo depois dos ataques recebidos ao longo da última semana, eles continuaram a lançar foguetes contra Israel diariamente. Então, sob o ponto de vista tático e operacional, o movimento segue ativo", observou Blanford, que mora em Beirute.
Mísseis
Ele alerta que o Hezbollah não usou os principais armamentos. "O grupo tem poderosos mísseis teleguiados, capazes de explodir vários quarteirões em Tel Aviv. O Irã não quer que o Hezbollah se envolva totalmente na guerra", acrescentou Blanford. Yezid Sayigh, especialista do Carnegie Middle East Center (em Beirute), disse à reportagem que, se a morte de Nasrallah tivesse ocorrido há um ano, o movimento xiita se rearranjaria com facilidade. "É importante o fato de o assassinato se inserir no contexto de uma série de ataques contra o Hezbollah, a começar pelas explosões dos pagers. Também houve a eliminação de comandantes."
Sayigh ressaltou que os danos aos sistemas de comunicação levaram os comandantes do Hezbollah a se reunirem no QG. Meir Litvak, diretor do Centro Aliança para Estudos Iranianos da Universidade de Tel Aviv, admitiu que Nasrallah desfrutava da aura de líder que expulsou Israel do Líbano, em 2000. "Era um herói para muitos libaneses. Também despontava como o representante número um do Irã no Oriente Médio", afirmou ao Correio. "Apesar de representar um golpe no Eixo de Resistência comandado pelo Irã, sua eliminação não levará o Hezbollah ao colapso."
De acordo com Litvak, o movimento xiita sofreu três impactos em três semanas: perdeu um líder carismático, viu o alto comando ser eliminado — nove dos 10 comandantes seniores — e teve parte de suas reservas de mísseis destruídas.
O que é o Hezbollah
O "Partido de Deus" foi criado em 1982, depois da invasão israelense ao Líbano, por iniciativa da Guarda Revolucionária, o exército ideológico da República Islâmica do Irã. O movimento xiita virou a ponta de lança da luta contra Israel, que se retirou progressivamente do Líbano até que, em 2000, deixou o sul do país, encerrando 22 anos de ocupação.
Poder de fogo
O Hezbollah posssui, em seu arsenal, 130 mil foguetes Fala-2, Fajr, Khaibar, Raad e Zizal, além de mísseis teleguiados de longo alcance, como Fateh-110 e Scud. O grupo também tem utilizado drones suicidas e de vigilância em operações no norte de Israel.
Contingente
Sob o lema "Verdadeiramente, o Partido de Deus são aqueles que triunfarão" (trecho do Corão), o Hezbollah garante ter cerca de 100 mil combatentes em seus quadros.
O provável sucessor
Hashem Safieddine, 59 anos, primo de Nasrallah e chefe do Conselho Executivo do Hezbollah, tem sid preparado para suceder o líder assassinado do movimento xiita.
"Nasrallah era uma figura amada e venerada nos quadros do Hezbollah. Sua morte representa uma grande perda para o movimento. A depender da gravidade dos danos infligidos nos ataques de Israel, o Hezbollah poderá seguir adiante. A grande questão é se eles escalarão, ou não, os ataques contra Israel."
Nicholas Blanford, especialista em Hezbollah e em Oriente Médio pelo instituto Atlantic Council
"O Hezbollah provavelmente sentirá que não pode parar de lutar e, por isso, continuará a disparar foguetes contra Israel, mesmo que o impacto deles seja mínimo. O grupo ainda não usou, em large escala, suas armas mais pesadas, como os mísseis balísticos. Provavelmente, o Hezbollah não deseja escalar o conflito. Ao mesmo tempo, está sendo fortemente golpeado e poderá ser forçado a usar os mísseis balísticos e de precisão."
Yezid Sayigh, especialista do Carnegie Middle East Center (em Beirute)
"A morte de Nasrallah mostra que o Hezbollah está profundamente penetrado por Israel, e isso deve aumentar as suspeitas internas entre seus comandantes. Acredito que, eventualmente, o grupo se recuperará, com muita ajuda iraniana, mas pode demorar um pouco. Nasrallah era o líder mais poderoso do Líbano."
Meir Litvak, diretor do Centro Aliança para Estudos Iranianos da Universidade de Tel Aviv
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