23 de Novembro de 2024

Por que nossos corpos e os da maioria dos animais são simétricos (mas só por fora)


Ao observar a incrível beleza e diversidade da vida na Terra, nota-se que quase todo o reino animal compartilha uma característica em comum: a simetria bilateral.

De borboletas às morsas, do Tiranossauro ao Homo sapiens, a maioria dos animais apresenta um lado direito e um lado esquerdo.

Se refletirmos a metade direita de um animal em um espelho, veremos que ela é quase idêntica à metade esquerda. Por que essa forma é tão comum?

Para entender, precisamos viajar até as profundezas do oceano... e até um passado remoto.

Estamos retrocedendo 570 milhões de anos, ao período Ediacarano, quando a vida animal existia apenas nos oceanos.

Se mergulhássemos, veríamos "uma espécie de florestas cobrindo o fundo do oceano, com folhas estranhas flutuando, provavelmente translúcidas ou cinzentas, de até um metro de altura", descreve Frankie Dunn, paleobióloga do Museu de História Natural da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Essas folhas estranhas, diz ela, "são as coisas mais antigas que podemos afirmar com segurança que são animais".

Exemplos incluem a charnia.

"Parece uma planta, mas sabemos que é um animal porque cresce da mesma forma que os animais, excluindo qualquer outra possibilidade", explica Dunn.

"Além disso, como vivia em profundidades onde a luz não chegava, não podia realizar fotossíntese. À primeira vista, pode parecer simetricamente bilateral, mas os ramos se desenvolvem sequencialmente, o que chamamos de simetria de reflexão com deslizamento, característica de muitos organismos do período Ediacarano."

Chamamos dessa forma porque é como se você cortasse um padrão simétrico ao meio e deslizasse um lado ligeiramente para cima.

Atualmente, não encontramos nada parecido com essas charnias.

Elas existiram em uma época em que os primeiros animais experimentavam diversas formas corporais inusitadas, como se a vida estivesse testando diferentes "roupas" até encontrar um que realmente funcionasse.

"Havia muitas formas diferentes de simetria naquela época, algumas das quais desapareceram, mas que podem ter sido muito úteis durante o Ediacarano, já que o mundo era muito distinto e os organismos respondiam a diferentes pressões ambientais", observa a especialista.

Esse período de grande diversidade simétrica não durou para sempre.

Eventualmente, começaram a surgir criaturas semelhantes a vermes, cuja forma — com cabeça e cauda — revolucionou tudo.

O domínio bilateral facilitou a locomoção: "Se você tem uma boca em uma extremidade e um ânus na outra, pode se mover muito mais facilmente, já que não está expelindo resíduos enquanto se desloca", explica Dunn.

"Com a simetria bilateral, você pode ser mais aerodinâmico ao longo de seu eixo corporal principal, organizar músculos ao longo das extremidades do corpo e concentrar estruturas sensoriais em uma extremidade, permitindo a diversificação de comportamentos complexos. Os animais começaram a escavar no sedimento, nadar e explorar o mundo em três dimensões."

É difícil subestimar o quanto a simetria bilateral alterou as regras do jogo.

Um trato digestivo, onde a comida entra por uma extremidade e sai pela outra, oferece uma direção natural de movimento que, de forma simplificada, é em direção à comida e longe dos resíduos.

Animais como esses vermes ediacaranos se moviam muito melhor do que outras formas de vida.

Assim, a competição por fontes de alimento se tornou muito mais intensa. Os animais bilaterais superaram todos os outros, e, com seu sucesso, mudaram tanto o ambiente que redesenharam o planeta.

Dunn observa que "os animais que habitavam o fundo marinho do Ediacarano tinham simetrias diversas. Eles mudaram o mundo completamente ao começarem a interagir com o solo microbiano, que tinha pouco oxigênio. Ao penetrá-lo, oxigenaram-no e começaram a destruir o ambiente onde outras criaturas habitavam, condenando-as à extinção."

A aparição e diversificação de animais com simetria bilateral é um ponto de inflexão profundo na história da vida na Terra.

Mas por que quase todos os animais têm simetria bilateral?

Porque esse design corporal se mostrou tão eficaz que, uma vez surgido há 570 milhões de anos, tornou-se um sucesso duradouro, dominando até hoje.

A simetria bilateral é o molde dos animais. Bem, quase todos os animais.

Um grupo de animais que desafia essa regra da simetria bilateral são os equinodermos, que incluem estrelas-do-mar, ouriços-do-mar, pepinos-do-mar e estrelas quebradiças.

"Eles são muito diferentes em seu plano corporal e design, e podem nos ensinar muito sobre a evolução e seus limites", aponta Imran Rahman, pesquisador principal no Museu de História Natural de Londres.

Rahman confessa: "Sempre me fascinaram os animais raros, às vezes chamados de maravilhas estranhas".

E com razão: eles são surpreendentes e intrigantes.

A estrela-do-mar, por exemplo, começa sua vida como uma larva com simetria bilateral.

"Depois, na metamorfose, o adulto cresce de um lado, enquanto o outro lado desaparece."

Uma vez adultas, essas estrelas com simetria pentarradial parecem feitas para adornar o fundo do mar, mas onde está a cabeça delas? "Esse é um assunto em debate", diz Rahman.

"Uma pesquisa recente sugere que quase todo o animal é a cabeça, sem a extremidade posterior que vemos em outros animais. Assim, uma estrela-do-mar seria uma espécie de cabeça incorpórea rastejando sobre seus lábios."

Apesar de seus corpos distintos, os equinodermos existem há centenas de milhões de anos. Por que sobreviveram em um mundo dominado por animais com simetria bilateral? Ninguém sabe ao certo.

Ser bilateral foi uma receita de sucesso para os animais, mas nas plantas o panorama é mais variado.

"Para entender por que as plantas não parecem simétricas, é preciso observar seu desenvolvimento", afirma a botânica Sophie Nadeau, da Universidade Paris Saclay, na França.

"Nos animais, o plano corporal é definitivo: quando você é adulto, não cresce mais. As plantas são compostas por módulos (caule, folhas, flores). Basta empilhar esses módulos e você obtém uma planta que pode crescer indefinidamente."

Se uma planta crescesse em condições perfeitamente controladas, provavelmente seria bastante simétrica, acrescenta Nadeau.

Mas a verdade é que não crescem isoladamente; os ventos, a luz do sol e o espaço disponível influenciam seu crescimento.

"Às vezes, uma parte se desenvolve mais que a outra, resultando em uma arquitetura que não é perfeitamente regular."

No entanto, mesmo que raramente sejam perfeitamente simétricas, as plantas exibem simetria em diversos aspectos: suas folhas, por exemplo, frequentemente têm simetria bilateral.

"Se olharmos para cada órgão, eles apresentam simetria. Os caules têm uma simetria radial quase perfeita. Se você cortar o tronco de uma árvore, ele apresentará simetria radial. Portanto, cada órgão é, na verdade, simétrico."

Assim, é possível encontrar simetria nas plantas, dependendo de onde se olha... até mesmo internamente.

E isso é interessante, porque, se voltarmos aos animais, a situação é oposta. Apesar de nossa simetria externa, internamente as coisas são muito menos simétricas.

"Existem muitas assimetrias fascinantes no corpo humano", observa o professor Mike Levin, da Universidade Tufts, em Massachusetts, nos EUA.

"Algumas são anatômicas, como órgãos como o coração, o estômago e o fígado, que em indivíduos normais estão localizados apenas de um lado do corpo. Outras assimetrias, menos óbvias, ocorrem no cérebro, que é ligeiramente diferente de um lado para o outro. Também há assimetrias funcionais ou fisiológicas interessantes; por exemplo, certas doenças ocorrem com mais frequência de um lado do corpo, como o câncer de mama, que tende a ser mais comum em um lado."

"Essas assimetrias ocultas revelam que as células realmente sabem que não são iguais."

A razão para essa assimetria em nossos órgãos internos, com o fígado ou o baço de um lado e nossos intestinos enroscados para trás, pode ser simplesmente a forma mais eficiente de organizar tudo.

"Mas a maneira como os embriões determinam de forma confiável qual lado do corpo deve conter o coração, o intestino, etc., é uma questão fascinante", comenta Levin.

A assimetria é um enigma, pois é algo difícil de alcançar para sistemas biológicos. Você pode usar a gravidade para determinar sua posição vertical, mas calcular esquerda e direita é muito mais complexo. Como as células fazem isso? Realmente não sabemos.

"Em que momento do desenvolvimento embrionário as células descobrem em que lado do corpo estão? Se você é uma bola de células, como sabe onde está sua linha média e quais mecanismos permitem distinguir a esquerda da direita?"

Essas são muitas perguntas. Uma resposta pode estar relacionada ao modo como as moléculas das células se auto-organizam em espirais, criando uma assimetria que depois é amplificada durante o desenvolvimento. Mas, independentemente de como ocorre, segundo Levin, a assimetria pode ser fundamental para a vida.

"A assimetria permeia toda a biologia, desde eventos quânticos que quebram a simetria até o desenvolvimento, comportamento e até nossas obras de arte. É surpreendente como se conecta desde as sutis propriedades moleculares do mundo quântico até o impacto cultural e social."

Embora a assimetria continue sendo um mistério, as razões para a simetria, pelo menos em humanos e em outros animais bilaterais, são claras.

É um design muito vantajoso, como ressalta Frankie Dunn: "Os bilaterais estavam destinados a triunfar porque seu plano corporal é muito adequado para muitas atividades, como voar, nadar e caminhar, além de ser altamente suscetível à inovação."

Fonte: correiobraziliense

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