A atriz britânica Kate Winslet lutou por oito anos até a finalização do seu filme biográfico da fotógrafa de guerra americana Lee Miller (1907-1977).
O filme Lee foi finalmente lançado no Reino Unido no início de setembro. A Lee em questão é Elizabeth "Lee" Miller, uma mulher notável nascida nos Estados Unidos, cuja vida repleta de cores e glamour costuma ofuscar sua carreira como fotógrafa.
Miller não foi só uma top model de revistas de moda como Vogue, Harper's Bazaar e Vanity Fair. Ela foi também uma importante fotógrafa surrealista e corajosa correspondente de guerra, que documentou as atrocidades da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Lee Miller nasceu em 1907, em Poughkeepsie, uma pequena cidade industrial a cerca de 145 km da cidade de Nova York, nos Estados Unidos.
Seu pai, Theodore, era engenheiro, inventor e fotógrafo amador. Ele incentivou o interesse de Miller pela fotografia, comprando sua primeira câmera, uma Kodak Box Brownie, quando ela tinha 10 anos de idade.
Foi no quarto escuro do seu pai que Miller começou suas primeiras experiências com o processo fotográfico. Ela também serviu de modelo para o pai, que tirou milhares de fotografias da filha, desde o nascimento até a idade adulta, incluindo diversos retratos nus.
Jovem com espírito livre, Lee Miller acabou se cansando da vida pacata em Poughkeepsie. Em 1925, com 18 anos, ela convenceu seu pai a permitir que ela fizesse uma viagem de estudos para Paris, na França. Lá, ela encontrou uma cidade vibrante, com forte vida cultural, artística e intelectual.
Ela voltou em 1926 para Nova York, onde teve um encontro casual com o fundador da revista Vogue, Condé Nast (1873-1942). Ele ficou tão encantado com a beleza e sofisticação de Miller que a convidou para trabalhar como modelo para a revista.
Ao longo dos anos 1920 e 1930, Miller trabalhou com alguns dos principais fotógrafos de moda da época, como Edward Steichen (1879-1973) e George-Hoyningen-Huene (1900-1968). Mas ela sempre preferiu ficar por trás da câmera, em vez de ser fotografada.
Steichen foi quem a apresentou ao fotógrafo surrealista americano Man Ray (1890-1976), que trabalhava como artista e fotógrafo comercial em Paris. Miller foi a musa, amante e colaboradora de Ray na capital francesa entre 1929 e 1932.
Às vezes, ela cuidava dos trabalhos de fotografia comercial de Ray, para que ele pudesse se concentrar nos seus projetos artísticos. Mas Miller raramente recebia o crédito pelas suas fotografias publicadas.
Seu trabalho também foi importante para a redescoberta de um processo fotográfico chamado solarização, que produz "linhas em forma de halos em torno das formas e áreas de tonalidade parcialmente reversa para enfatizar os contornos do corpo". Este processo passou anos sendo atribuído apenas a Man Ray.
Em 1932, Miller voltou a Nova York, onde abriu seu próprio estúdio comercial, chamado Lee Miller Studios Inc. Lá, ela trabalhou até 1934, quando se mudou para o Egito para se casar com um rico empresário do país, Aziz Eloui Bey (1890-1976).
O Egito inspirou Lee a criar diversas imagens surrealistas, incluindo sua obra Retrato do Espaço, de 1937. Mas a sua passagem pelo Egito teve vida curta, bem como seu casamento com Aziz.
Em 1937, Miller conheceu em Paris o pintor surrealista britânico Roland Penrose (1900-1984). Ela entrou para o círculo de conhecidos dele no sul da França, que incluía Man Ray, o poeta francês Paul Eluard (1895-1952) e o pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973), que pintou um retrato memorável de Lee Miller.
Miller se mudou com Penrose para Londres em setembro de 1939, na mesma época em que o Reino Unido declarava guerra à Alemanha. E, como fotógrafa com formação surrealista, ela viu na Blitz de Londres em 1940 uma oportunidade fascinante para capturar os aspectos curiosos e estranhos da Segunda Guerra.
Vinte e duas fotografias de Miller sobre os ataques aéreos sobre a capital britânica foram incluídas na publicação do Ministério da Informação britânico Grim Glory: Pictures of Britain Under Fire ("Glória sinistra: imagens do Reino Unido sob ataque", em tradução livre).
Ela foi certificada pelo Exército dos Estados Unidos em 1942 e passou a ser uma das poucas mulheres correspondentes de guerra viajando com o exército pela Europa.
Miller foi a única a fotografar os combates e presenciar a libertação de Saint-Malo, na França, onde os americanos testaram sua nova arma secreta, o napalm. As fotografias de Miller foram publicadas na forma de ensaio fotográfico nas edições britânica e americana da revista Vogue.
A editora da Vogue britânica, Audrey Withers (1905-2001), não queria cobrir apenas moda e beleza. Ela queria manter seus leitores a par de temas da atualidade e dos problemas sociais.
Miller e Withers trabalharam em estreita cooperação para transformar a revista de moda e estilo de vida em uma publicação que também falasse sobre o que estava acontecendo no mundo, publicando artigos sobre moda ao lado de reportagens e imagens da guerra.
Miller sempre procurava mostrar a verdade nas suas fotografias de guerra. Nas suas imagens da libertação dos campos de concentração de Buchenwald e Dachau, na Alemanha, em abril de 1945, ela documentou as mais terríveis atrocidades do regime nazista.
Um dia depois de fotografar Dachau, ela posou para seu mais famoso retrato da época da guerra. Ele foi tirado pelo seu amigo e colega de profissão, o fotógrafo David E. Scherman (1916-1997), da revista Life.
O retrato mostra Lee Miller se lavando na banheira do apartamento de Adolf Hitler em Munique, na Alemanha. Sua aparência é cansada, mas bela, com suas botas no chão e uma fotografia do Führer apoiada na borda da banheira.
Depois da guerra, em 1947, Miller ficou grávida do seu único filho, Antony Penrose. Ele é o autor do livro The Lives of Lee Miller ("As vidas de Lee Miller", em tradução livre), que serviu de base para o filme de Winslet. E Miller se casou com o pai de Antony, Roland Penrose.
A família se mudou de Londres para Farley Farm, na zona rural de East Sussex, no sudeste da Inglaterra, em 1949. Lá, Miller voltou sua atenção para o cenário doméstico, passando a ser uma reconhecida cozinheira e anfitriã.
Mas as visões que ela presenciou durante a guerra a assombraram pelo resto da vida. Miller se tornou dependente de álcool. Nos dias de hoje, ela seria diagnosticada com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).
Lee Miller morreu em Farley Farm em 1977. Ela deixou um legado fotográfico extraordinário e foi objeto de inúmeras exibições desde então.
*Lynn Hilditch é professora de belas artes e práxis de design da Universidade Hope de Liverpool, no Reino Unido.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.
Fonte: correiobraziliense
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