17 de agosto de 2014. Em cima do carro do Corpo de Bombeiros, João Campos (PSB) acenava para uma multidão nas ruas do centro do Recife, enxugava as lágrimas e gritava o nome de seu pai, Eduardo.
À época com 20 anos, ele aparecia à frente do cortejo que levava o corpo do ex-governador de Pernambuco e então candidato à Presidência para o sepultamento no Cemitério de Santo Amaro. A cidade vivia um luto havia quatro dias pela morte trágica de Eduardo Campos, em acidente aéreo em Santos (SP).
Nos meses que se seguiram, João Campos sentiu o peso de um protagonismo repentino.
"É uma mudança muito grande na vida de uma pessoa quando você perde um pai, ainda mais do jeito como aconteceu", lembra o deputado federal Pedro Campos (PSB), irmão de João.
"Isso acabou nos colocando em uma posição de responsabilidade e, principalmente, colocando João em um processo de amadurecimento muito rápido."
Dez anos depois, o jovem político de 30 anos não só se firmou como o herdeiro do clã político mais dominante de Pernambuco, como criou uma marca própria.
Neste domingo (5/10), João Campos (PSB) se reelegeu prefeito do Recife, com mais de 77% dos votos às 18h40, uma das maiores votações nas capitais do país.
Com uma forte presença nas redes sociais — o número de seguidores de João Campos apenas no Instagram (2,5 milhões) é maior do que toda a população do Recife (1,5 milhão) e supera em muito prefeitos de capitais maiores como Eduardo Paes, do Rio, ou Ricardo Nunes, de São Paulo —, o jovem prefeito de Recife já se cacifa como virtual candidato ao governo de Pernambuco em 2026, segundo analistas políticos.
A conquista de seguidores bem além dos limites recifenses, que frequentemente deixam comentários o chamando de "meu prefeito" (mesmo sem ser), coloca o político nos holofotes dos algoritmos e da política nacional.
João esteve presente até na campanha à prefeitura de São Paulo, nas redes da candidata e deputada federal Tábata Amaral (PSB), sua namorada.
De acordo com Túlio Velho Barreto, cientista político da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), do Recife, a habilidade de João com as redes sociais de certa forma rompe uma barreira que políticos alinhados mais ao centro e à esquerda no espectro político têm encontrado.
"As mídias sociais viraram quase um meio de comunicação próprio da direita, enquanto o campo progressista utiliza muito mal. Então, considero que João consegue romper com isso com essa estratégia dele nas redes", diz Barreto.
Em entrevistas, João Campos, que é bisneto de Miguel Arraes, cassado pela ditadura e um dos nomes históricos da esquerda no Brasil, não responde diretamente se ele se define como de direita ou de esquerda. Prefere responder que faz um "governo eficiente”.
Pedro Campos lembra que o resultado expressivo nas eleições de João Campos mostra que o irmão "passou a contar com voto de gente do centro, da esquerda e dos identificados com a direita".
No Recife, na última eleição presidencial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu com 56,32% dos votos, contra 43,68% do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O prefeito hoje é vice-presidente do PSB, partido da base de Lula.
Na política pernambucana, o dominante PSB esteve por vezes em campo oposto ao do PT, especialmente quando Eduardo Campos, que chegou a ser ministro de Lula, rompeu com o petismo para se lançar presidente — o que culminou com o apoio da família a Aécio contra Dilma Rousseff em 2014.
Foi João, o segundo dos cinco filhos de Eduardo e Renata Campos (a primeira, Eduarda, é um ano mais velha), quem leu a carta da família anunciando o apoio a Aécio.
Mas, com a chegada de Bolsonaro ao poder e a volta de Lula ao Palácio do Planalto, o PSB — e João Campos — têm mostrado novamente afinidade com o governo.
Nas agendas de Lula em seu Estado natal, o prefeito sempre está ao lado.
Na campanha eleitoral no Recife, o assunto redes sociais foi protagonista. Os adversários de João Campos - especialmente o ex-deputado federal Daniel Coelho (Cidadania) e o ex-ministro do Turismo de Bolsonaro Gilson Machado (PL) – , acusaram o prefeito de mostrar na internet uma cidade maquiada, que não existia na vida real.
O prefeito também é criticado por setores à direita e à esquerda pelo aumento considerável de gastos na área de publicidade durante sua gestão.
Entre as peças favoritas de divulgação de João, estão aquelas em que ele visita obras pela cidade e faz dancinhas com passos de brega funk, o ritmo mais popular da periferia recifense, usando óculos no estilo juliet, acessório espelhado que viralizou entre os jovens nas redes sociais.
Quem conviveu de perto com João Campos diz que o prefeito tem um tino natural para as redes sociais.
Enquanto mantém os mesmos assessores de comunicação desde a época da primeira campanha à prefeitura, ele ouve conselhos, mas também percebe as próprias oportunidades de viralizar. Uma fonte ouvida pela BBC diz que é comum o prefeito tirar o celular do bolso e gravar uma única vez o que quer dizer, sem precisar de ensaio.
João Campos costuma acordar cedo e ir direto às agendas, de onde sempre sai um vídeo. Para manter a equipe engajada nas muitas horas de trabalho, costuma usar palavras como "missão" e "sacrifício". Com namorada à distância e sem filhos, é comum sair do prédio da prefeitura já pela madrugada.
"Ele teve um marketing durante os quatro anos na prefeitura muito bem feito, tanto na divulgação do que ele realizou quanto na linguagem utilizada para isso, atingindo um eleitorado jovem. Para ele, que é nativo digital, a utilização desses recursos é muito mais natural", diz o cientista político Túlio Velho Barreto, da Fundaj.
Desde o dia um na prefeitura, o prefeito disse à sua equipe que o seu marketing seria focado no digital, deixando para um plano secundário áreas tradicionais do marketing político, como peças de TV e relações com a imprensa. A equipe do prefeito é, em geral, jovem.
Na campanha eleitoral de 2024, essa característica de inversão de prioridades não é exclusiva da capital pernambucana, como explicam especialistas em marketing político.
O publicitário Ricardo Amado, com décadas de experiência como marqueteiro nas campanhas e, neste ano, à frente da estratégia de candidatos como Dr. Furlan, candidato com vitória recorde em Macapá, avalia que o caminho para o sucesso nas urnas vai bem além do período eleitoral em si.
“Não é só sobre campanha. Ter uma boa gestão de redes sociais é fundamental para alavancar projetos futuros, definir os próximos passos do político e manter sua base. Então, o digital tem sido cada vez mais fundamental”, diz Amado.
Para Bruno Oliveira, estrategista de comunicação do prefeito de Florianópolis, Topázio Neto (PSD), outro que tem viralizado com vídeos divertidos nas redes, a escolha do que vai pra TV hoje começa na tela do celular.
"Óbvio que a televisão ainda é um canhão, óbvio que os outros tipos de vídeos ainda têm muita relevância, mas o digital [Instagram Reels e TikTok] veio com mais força agora", diz Oliveira.
O deputado federal Pedro Campos, ele mesmo um usuário ativo nas redes sociais e quem troca figurinhas com o irmão sobre conteúdo digital, avalia que o maior trunfo de João foi conseguir suavizar sua imagem.
Logo após a morte de Eduardo, diz Pedro, João se tornou alguém mais sério, aparecendo publicamente com cara mais fechada e sisuda. "Agora, ele conseguiu mostrar que também é um cara leve".
"Nosso bisavô costumava dizer que, se fosse visitar uma cidade, tinha que passar na feira e dar uma entrevista numa rádio local para conseguir se comunicar com as pessoas. Hoje, é a rede social, né? E João virou referência nisso."
O primeiro cargo público de João Campos foi aos 22 anos, como chefe de gabinete do então governador de Pernambuco Paulo Câmara (PSB), sucessor de Eduardo Campos.
Quando assumiu a posição no Palácio do Campo das Princesas, sede do governo estadual, João justificou sua presença no cargo dizendo: “até quando criança, eu trocava as brincadeiras para acompanhar meu pai”.
Pedro Campos conta que, em casa, política era um assunto frequente, mas que Eduardo nunca estimulou que os filhos fossem candidatos.
O pai foi um dos políticos mais populares da história de Pernambuco e começou na política do mesmo jeito que João - aos 22 anos, como chefe de gabinete do governador, o avô Miguel Arraes, quando este voltou a Pernambuco do exílio da ditadura e se elegeu.
Eduardo Campos tentou ser prefeito do Recife, mas não conseguiu. Acabou se elegendo governador em 2006 e foi reeleito em 2010 com 82,83% dos votos, um recorde nacional.
Assim como o avô, apelidado no Estado como “pai dos pobres”, Eduardo Campos liderou a política estadual sem dar espaço a disputas internas e mexendo as peças políticas do jeito que desejava.
Nas eleições de 2024, a popularidade de João era tamanha que o prefeito escolheu um amigo da época do colégio, Victor Marques, para ser seu vice.
Marques trabalha com João desde o mandato de deputado federal e filiou-se ao PCdoB para as eleições. Caso João tente virar governador de Pernambuco em 2026, Marques assumirá a Prefeitura.
Além das semelhanças físicas com o pai, João (e também Pedro) é frequentemente comparado com Eduardo - inclusive os filhos fazem questão de postar quando um eleitor na rua faz esse tipo de relação.
Os trejeitos na hora de falar, a forma de contar “anedotas” antes de iniciar uma conversa mais séria e a cobrança com funcionários costumam impressionar quem trabalhou direto com os dois. Um ex-funcionário da Prefeitura diz esse jeito ajudou o própio João a romper desconfianças em relação à idade e à falta de experiência quando assumiu o Recife, aos 27 anos.
“Ele conseguiu ser uma figura política carismática muito parecida com o perfil de Eduardo. O bisavô, Arraes, também não deixava se der, mas mais do jeito dele, um sertanejo autêntico. Eduardo e João têm mais essa leveza que cria uma empatia eleitoral”, diz o cientista político Túlio Velho Barreto.
“E vale lembrar a força do eleitor ainda devoto a Eduardo e Arraes em Pernambuco, sobretudo com a tragédia com o avião”, completa.
Miguel Arraes, nascido de uma família de produtores rurais em Araripe, no Ceará, fez carreira política em Pernambuco. Casou-se primeiro com Célia de Souza Leão, de uma família da aristocracia dos engenhos no Estado, com quem teve oito filhos. Viúvo, teve mais dois filhos com a segunda esposa, Maria Magdalena.
Arraes foi governador em Pernambuco em três ocasiões. Primeiro, entre 1963 e 1964, quando foi deposto pelo regime militar e se exilou na Argélia.
Dos filhos de Arraes, quem mais seguiu a carreira política foi Ana Arraes, ex-deputada federal, ex-ministra do Tribunal de Contas da União (TCU) e mãe de Eduardo Campos - que herdou apenas o sobrenome do pai, o escritor Maximiano Campos.
Além de Ana, Eduardo, João e Pedro, a família conta ainda com a deputada federal Maria Arraes (Solidariedade) e a ex-deputada Marília Arraes, que disputou a prefeitura do Recife com João em 2020, numa campanha que estremeceu o clã político - em 2024, os dois estão unidos e posam sorrindo juntos na campanha.
Os tantos tentáculos da família na política costumam levantar críticas em Pernambuco sobre a perpetuação deles no poder, levando a comparações com uma “capitania hereditária”, o regime político no início da colonização brasileira em que o poder era herdado dentro da família.
Para Pedro Campos, dentro de casa, a família lida com esse tipo de crítica com “tranquilidade”.
“Nosso entendimento de mundo é que, na democracia, a vontade do povo é soberana e que o povo é quem escolhe onde a gente vai estar. E, se o povo quiser que nós estejamos à frente da prefeitura do Recife ou eu à frente de um mandato de deputado federal, a gente vai estar lá”, defende.
Sobre os planos futuros da família, e especialmente de João, os Campos não costumam se antecipar, mas, segundo o cientista político Túlio Velho Barreto, “se não acontecer nada muito sério, em condições normais, ele tem tudo para ser um político a galgar posição nacional”.
Barreto lembra que Miguel Arraes chegou a ser cotado como um sucessor do presidente João Goulart, que acabou não terminando o mandato com o golpe militar de 1964. Já Eduardo, que aparecia em terceiro nas pesquisas presidenciais em 2014, tinha esse objetivo claro, se colocando como "terceira via".
Pedro Campos diz que a família tinha “fé” de que Eduardo ganharia a Presidência ainda naquele ano. Isso, avalia o deputado, mudaria o destino dos Campos e especialmente dos dois filhos mais velhos, então estudantes de engenharia.
“Nosso papel nesse contexto ia ser um papel que não ia ser de protagonismo político. A gente nem imaginava que iria entrar na política e não iria entrar tão cedo”, diz.
Fonte: correiobraziliense
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.