Neuchâtel, Suíça — Ao longo da última quarta-feira (9/10), na pequena e nublada cidade de Neuchâtel, no noroeste da Suíça, a Philip Morris International (PMI) realizou pela 30ª vez o evento Technovation. A gigante da produção de tabaco promove o encontro mundial anualmente — que na prática é uma espécie de balanço de ganhos e vendas, com pressão por liberação de dispositivos eletrônicos para fumar em países onde ainda existe a proibição das vendas, como no Brasil.
No prédio chamado “the cube” (“o cubo”) no complexo da empresa em Neuchâtel, com decoração envolta em telões, tons avermelhados e ares futuristas, diversos executivos da empresa subiram ao palco para apresentar os produtos eletrônicos sem fumaça.
Na prática, esses produtos têm um carro-chefe: um dispositivo chamado iqos (de acordo com empresa, não é um vape), que em 2023 ultrapassou o lucro do cigarro mais popular da marca, o Malboro. Segundo a PMI, esses dispositivos eletrônicos para fumar não tem tantos malefícios quanto os cigarros tradicionais (apesar de ainda haver riscos), por não levarem à combustão do tabaco, apenas ao aquecimento.
Ao Correio, Tommaso Di Giovanni, vice-presidente de comunicação internacional da empresa, aponta que o iqos têm 95% menos de componentes tóxicos do que um cigarro tradicional. O produto, assim como diversos outros, é proibido no Brasil pela resolução 855/2024 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Jacek Olczak, CEO da PMI, argumenta que os produtos eletrônicos sem fumaça são uma alternativa aos cigarros. “As pessoas têm de saber dos riscos dos cigarros, elas têm de tentar parar, mas se elas não conseguem, devem tentar mudar. E se elas não puderem mudar, elas vão continuar a fumar. Não existe um país no mundo que proíbe o cigarro, mas tem países que proíbem as alternativas, e existe toda a ciência que prova os riscos e males do cigarro. Então, isso é sobre ciência ou sobre outra coisa?”, questiona.
Ainda segundo Olczak, a pressa para a regulação (e aceitação) dos dispositivos eletrônicos é justificada porque “está estendendo o tempo de uso de cigarros". "Enquanto o tempo passa discutindo o uso desses produtos (sem fumaça), as pessoas continuam a fumar.”
Durante todo o evento, diversos executivos entoaram o mantra de que existem ciência e fatos que embasam os benefícios de produtos sem fumaça em relação aos cigarros tradicionais. “Quando as pessoas dizem que não tem muita ciência envolvida, eu concordo, mas não podemos ignorar os 10 anos de estudos que temos até agora. Eles existem. E enquanto essa ciência é ignorada, mais pessoas fumam cigarros. E quem vai tomar responsabilidade por mais 10 anos dessa ciência não levada em consideração e por todas as pessoas que continuarão a fumar?”, diz Olczak.
O Brasil não é o único país do mundo a proibir o consumo de nicotina em dispositivos sem fumaça — mesmo legalizado o consumo de cigarros tradicionais. Na outra ponta da discussão existem países que regulamentaram o consumo. Tais locais viraram pontos de exemplo durante todo o evento.
“A Nova Zelândia tem uma abordagem completamente diferente (em relação à proibição de produtos eletrônicos para fumar). A prevalência de fumantes caiu duas vezes mais rápido (depois que o banimento de produtos como o vape foram regularizados) e segue com o objetivo de eliminar o consumo de cigarros (tradicionais)”, apontou Vassalis Gkatzelis, presidente de negócios da empresa no Leste da Ásia e Austrália.
Christos Harpantidis, sênior vice-presidente de assuntos externos da PMI, ponderou sobre os riscos do tráfico e contrabando com a proibição do uso de produtos eletrônicos para fumar. “A proibição não funciona. Os ganhos ilegais (do comércio) só vão para organização criminosa. Brasil e Argentina são sociedades sensíveis, que se importam com as pessoas, e exatamente por isso deviam focar na saúde pública. Acredito que esses avanços serão feitos”, comenta.
“Para mim, como europeu, (a proibição) é uma coisa muito difícil de entender. Nós devemos conversar, pois estamos perdendo muito em relação à saúde pública. Se você proibir, você empurra as pessoas para o cigarro ou para produtos ilícitos”, completa.
Mais especificamente sobre o Brasil, Di Giovanni falou sobre o consumo de tabaco e nicotina em produtos eletrônicos, que chega a 4 milhões de brasileiros. “O consumo de cigarros (no Brasil) baixou até uns 2, 3 anos atrás e depois estabilizou. No comércio ilícito continua igual, então, na totalidade, o país provavelmente consome mais nicotina, o que é um problema de saúde pública. É urgente no Brasil mudar as leis e começar a regulamentar.”
A Anvisa baseou a decisão de atualizar a suspensão dos dispositivos eletrônicos para fumar em junho deste ano, no relatório Cigarros Eletrônicos: o que sabemos?, lançado em dezembro de 2016 e produzido a partir de uma parceria entre a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA).
De acordo com o documento, “a cada ano, 6 milhões de pessoas morrem em decorrência do tabagismo, e, se ações não ocorrerem agora, em 2030, as mortes por doenças tabaco-relacionadas ultrapassarão 8 milhões por ano, e, no final deste século, 1 bilhão de pessoas terão morrido”.
Sobre os cigarros eletrônicos, a agência é enfática: “Em 2009, a Anvisa, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) no 46, proibiu o comércio, a importação e a propaganda dos DEF, tanto como substituto ao cigarro, a cigarrilha, ao charuto, ao cachimbo, quanto como alternativa ao tratamento da cessação do tabagismo, pois, até a presente data, não há estudos toxicológicos e testes científicos específicos que comprovem qualquer dessas finalidades”.
Sobre a regulação em outros países do mundo dos dispositivos, a Anvisa pondera: “A maioria dos países (no mundo) não regulou os cigarros eletrônicos, o que explica a ausência de padronização da composição e da formulação, levando à ampla variedade atualmente disponível desse produto. Essas variações tornam difíceis as pesquisas e, principalmente, a generalização dos resultados de qualquer estudo. Portanto, no presente momento, não há como prever quais as consequências à saúde em longo prazo e qual será o cenário na saúde pública decorrente do uso e/ou da exposição a esse novo produto”.
*O repórter viajou para Neuchâtel a convite da PMI
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