Depois de uma espera de 39 anos, quando a candidatura foi enviada a Oslo, o Comitê Norueguês do Nobel concedeu o Prêmio Nobel da Paz à organização não governamental japonesa Nihon Hidankyo. "Este movimento popular de sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki, também conhecido como Hibakusha, está recebendo o Prêmio da Paz por seus esforços para alcançar um mundo livre de armas nucleares e por demonstrar, por meio de depoimentos de testemunhas, que as armas nucleares nunca mais devem ser usadas", declarou o Comitê. Segundo o comunicado, o trabalho incansável da Hidankyo, fundada em 1956, levou ao estabelecimento de uma norma internacional poderosa, o "tabu nuclear," estigmatizando o uso de armas atômicas como algo moralmente inaceitável.
"Nunca sonhei que isso pudesse ocorrer", declarou Tomoyuki Mimaki, copresidente da Nihon Hidankyo, durante entrevista em Tóquio. Ele comparou o cenário de destruição após os ataques israelenses ao território palestino. "Em Gaza, (os pais) tomam em seus braços as crianças ensanguentadas. É como no Japão há 80 anos", lamentou Mimaki. Ele teme que o arsenal atômico possa ser novamente utilizado e desencadear uma reação em cadeia. "Se a Rússia usar as armas contra a Ucrânia, ou Israel contra Gaza, não terminará aí. Os políticos deveriam saber disso." Joergen Watne Frydnes, presidente do Comitê Norueguês, disse que o prêmio se concentra na necessidade de defender o veto nuclear. "Todos nós temos uma responsabilidade, especialmente as potências nucleares", alertou.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil felicitou a Nihon Hidankyo pelo Nobel da Paz e destacou que ela "colabora para a conscientização sobre as catastróficas consequências humanitárias advindas do uso de armas atômicas". "O papel desempenhado (por ela) reforça a importância do desarmamento nuclear. Em contexto de deterioração da segurança internacional, (...) os países nuclearmente armados têm levado a cabo a modernização de seus arsenais, o que não contribui para a promoção da paz e da segurança internacionais", afirmou o Itamaraty. "O Brasil reafirma seu compromisso constitucional com o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear."
Falecido em 12 de agosto passado, aos 100 anos, Takashi Morita, sobrevivente do ataque a Hiroshima, ficaria feliz com o Nobel para a Nihon Hidankyo. É o que garante ao Correio Yasuko Saito, 77, filha de Takashi, fundador da Associação Hibakusha Brasil pela Paz, sediada em São Paulo e dissolvida depois da pandemia. "Seria o reconhecimento da sociedade para uma entidade que sempre se preocupou em eliminar o perigo das armas nucleares para a humanidade", explicou Yasuko, cuja mãe, Ayako, também escapou da explosão.
Nascida dois anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, Yasuko disse que a Hidankyo surgiu com os objetivos de divulgar os horrores da detonação da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki e dar assistência aos sobreviventes. "A importância do Nobel é grande, principalmente quando a reutilização de armas nucleares está muito próxima. Infelizmente, o ser humano repete os erros. O desejo de todos os sobreviventes é o de que nunca mais ocorra isso na face da Terra. As armas nucleares acabarão destruindo a humanidade', advertiu Yasuko.
Ainda de acordo com ela, a Associação Hibakusha Brasil pela Paz recebeu ajuda da Nihon Hidankyo. "Ficamos muito felizes porque, finalmente, a Hidankyo foi reconhecida. Desde sua fundação, ela tenta eliminar as armas nucleares. O problema desse armamento é o fato de deixar resíduos nocivos a todos os seres humanos e à natureza", disse Yasuko. "Meu pai foi vítima."
Takashi Morita contou à reportagem, em 2005, que tinha 22 anos quando a bomba foi lançada sobre Hiroshima, cidade onde nasceu, às 8h15 de 6 de agosto de 1945. "Apenas vi uma bola de fogo e tudo ficou muito quente. Fui arremessado a uns dez metros e desmaiei. Quando acordei, levantei a cabeça e vi que tudo havia sido queimado. Estava escuro e as casas ficaram em ruínas. Nunca me esquecerei das crianças gritando 'Mamãe!' e das pessoas pedindo água ou implorando por socorro. A cidade virou um inferno", afirmou o hibakusha.
Em entrevista ao Correio, o também japonês Masao Okawa, 83, morador de São Paulo e filho de um hibakusha, relatou que morava em uma ilha, a 110km de Nagasaki. "Meu pai tinha família na cidade e foi procurar os parentes. Tudo o que achou foram duas crianças. O restante dos familiares morreu. Ele teve que ajudar a carregar cadáveres para serem incinerados. Por isso, recebeu radiação no corpo inteiro e faleceu com sarcoma." Ele defende que as armas nucleares jamais voltem a ser usadas, mesmo em testes.
"O Nobel dá muita força para continuar o movimento pela paz mundial. Temos muitos loucos ditadores. A situação é perigosa na Ucrânia. O Japão tem as ameaças da China e da Coreia do Norte. Sem falar no Oriente Médio. Que Hiroshima e Nagasaki nunca mais se repitam. Infelizmente, a explosão nuclear pode ocorrer em qualquer lugar do planeta."
Masao Okawa, 83 anos, marceneiro, morador de São Paulo, filho de um sobrevivente de Nagasaki
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