22 de Novembro de 2024

Nobel envia um basta para os arsenais nucleares e um apelo à paz


Depois de uma espera de 39 anos, quando a candidatura foi enviada a Oslo, o Comitê Norueguês do Nobel concedeu o Prêmio Nobel da Paz à organização não governamental japonesa Nihon Hidankyo. "Este movimento popular de sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki, também conhecido como Hibakusha, está recebendo o Prêmio da Paz por seus esforços para alcançar um mundo livre de armas nucleares e por demonstrar, por meio de depoimentos de testemunhas, que as armas nucleares nunca mais devem ser usadas", declarou o Comitê. Segundo o comunicado, o trabalho incansável da Hidankyo, fundada em 1956, levou ao estabelecimento de uma norma internacional poderosa, o "tabu nuclear," estigmatizando o uso de armas atômicas como algo moralmente inaceitável. 

"Nunca sonhei que isso pudesse ocorrer", declarou Tomoyuki Mimaki, copresidente da Nihon Hidankyo, durante entrevista em Tóquio. Ele comparou o cenário de destruição após os ataques israelenses ao território palestino. "Em Gaza, (os pais) tomam em seus braços as crianças ensanguentadas. É como no Japão há 80 anos", lamentou Mimaki. Ele teme que o arsenal atômico possa ser novamente utilizado e desencadear uma reação em cadeia. "Se a Rússia usar as armas contra a Ucrânia, ou Israel contra Gaza, não terminará aí. Os políticos deveriam saber disso." Joergen Watne Frydnes, presidente do Comitê Norueguês, disse que o prêmio se concentra na necessidade de defender o veto nuclear. "Todos nós temos uma responsabilidade, especialmente as potências nucleares", alertou.

Japoneses liberam lanternas de papel no Rio Motoyasu, diante do prédio do Salão de Promoção Industrial da Prefeitura de Hiroshima
Japoneses liberam lanternas de papel no Rio Motoyasu, diante do prédio do Salão de Promoção Industrial da Prefeitura de Hiroshima (foto: Philip Fong/AFP)

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil felicitou a Nihon Hidankyo pelo Nobel da Paz e destacou que ela "colabora para a conscientização sobre as catastróficas consequências humanitárias advindas do uso de armas atômicas". "O papel desempenhado (por ela) reforça a importância do desarmamento nuclear. Em contexto de deterioração da segurança internacional, (...) os países nuclearmente armados têm levado a cabo a modernização de seus arsenais, o que não contribui para a promoção da paz e da segurança internacionais", afirmou o Itamaraty. "O Brasil reafirma seu compromisso constitucional com o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear."

O mesmo domo acima, um mês após o bombardeio: símbolo do horror
O mesmo domo acima, um mês após o bombardeio: símbolo do horror (foto: AFP)

Falecido em 12 de agosto passado, aos 100 anos, Takashi Morita, sobrevivente do ataque a Hiroshima, ficaria feliz com o Nobel para a Nihon Hidankyo. É o que garante ao Correio Yasuko Saito, 77, filha de Takashi, fundador da Associação Hibakusha Brasil pela Paz, sediada em São Paulo e dissolvida depois da pandemia. "Seria o reconhecimento da sociedade para uma entidade que sempre se preocupou em eliminar o perigo das armas nucleares para a humanidade", explicou Yasuko, cuja mãe, Ayako, também escapou da explosão.

Nascida dois anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, Yasuko disse que a Hidankyo surgiu com os objetivos de divulgar os horrores da detonação da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki e dar assistência aos sobreviventes. "A importância do Nobel é grande, principalmente quando a reutilização de armas nucleares está muito próxima. Infelizmente, o ser humano repete os erros. O desejo de todos os sobreviventes é o de que nunca mais ocorra isso na face da Terra. As armas nucleares acabarão destruindo a humanidade', advertiu Yasuko.

Ainda de acordo com ela, a Associação Hibakusha Brasil pela Paz recebeu ajuda da Nihon Hidankyo. "Ficamos muito felizes porque, finalmente, a Hidankyo foi reconhecida. Desde sua fundação, ela tenta  eliminar as armas nucleares. O problema desse armamento é o fato de deixar resíduos nocivos a todos os seres humanos e à natureza", disse Yasuko. "Meu pai foi vítima."

Takashi Morita contou à reportagem, em 2005, que tinha 22 anos quando a bomba foi lançada sobre Hiroshima, cidade onde nasceu, às 8h15 de 6 de agosto de 1945. "Apenas vi uma bola de fogo e tudo ficou muito quente. Fui arremessado a uns dez metros e desmaiei. Quando acordei, levantei a cabeça e vi que tudo havia sido queimado. Estava escuro e as casas ficaram em ruínas. Nunca me esquecerei das crianças gritando 'Mamãe!' e das pessoas pedindo água ou implorando por socorro. A cidade virou um inferno", afirmou o hibakusha. 

Em entrevista ao Correio, o também japonês Masao Okawa, 83, morador de São Paulo e filho de um hibakusha, relatou que morava em uma ilha, a 110km de Nagasaki. "Meu pai tinha família na cidade e foi procurar os parentes. Tudo o que achou foram duas crianças. O restante dos familiares morreu. Ele teve que ajudar a carregar cadáveres para serem incinerados. Por isso, recebeu radiação no corpo inteiro e faleceu com sarcoma." Ele defende que as armas nucleares jamais voltem a ser usadas, mesmo em testes.

Masao Okawa, filho de sobrevivente de Nagasaki
Masao Okawa (foto: Arquivo pessoal)

"O Nobel dá muita força para continuar o movimento pela paz mundial. Temos muitos loucos ditadores. A situação é perigosa na Ucrânia. O Japão tem as ameaças da China e da Coreia do Norte. Sem falar no Oriente Médio. Que Hiroshima e Nagasaki nunca mais se repitam. Infelizmente, a explosão nuclear pode ocorrer em qualquer lugar do planeta."

Masao Okawa, 83 anos, marceneiro, morador de São Paulo, filho de um sobrevivente de Nagasaki 

 

Fonte: correiobraziliense

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