15 de Novembro de 2024

'Estamos avaliando nova emissão externa', afirma secretário do Tesouro


Apesar de o país seguir crescendo acima das estimativas, a questão fiscal continua na corda bamba, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, segue otimista. Em entrevista ao Correio, ele reforça a promessa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que é possível que o país consiga recuperar o grau de investimento até 2026, no fim do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo com a dívida pública bruta se estabilizando em torno de 81% e 82% do Produto Interno Bruto (PIB) por volta de 2028.

Ceron ainda garante que as recomendações da Moody's serão ouvidas pelo governo e que a meta fiscal não será modificada e não deverá perder a oportunidade para recuperar o grau de investimento. "O país está em um esforço de virar uma página de uma década de problemas fiscais, e nós estamos muito próximos disso", afirma. 

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O secretário, inclusive, admite que está de olho nas oportunidades até mesmo de uma nova emissão de títulos públicos no exterior neste ano, aproveitando o upgrade da nota do Brasil pela Moody's, que está a um degrau abaixo do selo de bom pagador, e o novo ciclo de corte de juros nos Estados Unidos, iniciado no mês passado. "Estamos avaliando e acompanhando o mercado. Pode ser que nós façamos mais alguma emissão ainda neste ano. Vai depender, obviamente, das condições de mercado, ter uma boa oportunidade, mas não está descartada uma nova emissão", afirma Ceron. A última emissão em dólar ocorreu em junho deste ano.

 O fato de o presidente Lula retomar as promessas de isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil tem mexido com o mercado, mas mantém o otimismo de Ceron. Ele ainda vê o Brasil como um país "cheio de oportunidades, em um novo patamar de crescimento econômico". A seguir, os principais trechos da entrevista:

O ano está acabando e o governo tenta fechar as contas perseguindo o piso da meta fiscal (de -0,25% do PIB), mas com vários descontos…

Temos três coisas, neste ano, por fora, de créditos extraordinários. Tem uma decisão do TCU (Tribunal de Contas da União), em torno de R$ 1 bilhão, tem os R$ 40 bilhões para o Rio Grande do Sul e, agora, tem a decisão do Judiciário que abriu crédito de R$ 500 milhões para as queimadas. O regulamento estabelece que seja usado em determinadas situações, como aconteceu com a pandemia, ou qualquer outro fato de comoção nacional. Em relação à banda do primário, iniciamos o ano com uma meta fixada em zero, com banda de 0,25% do PIB, e havia uma completa descrença de que ela seria atingida. No início do ano, as expectativas do mercado quanto ao deficit primário estavam mais próximas de 1% do PIB e, em março, achavam que faríamos uma mudança na meta. Nós evoluímos e cá estamos. O mercado já entende que vamos atingir o piso da meta e a projeção de deficit está em torno de 0,6% do PIB, e só não vai ficar exatamente no limite da banda por conta dos desastres no Rio Grande do Sul, que está no processo de recuperação com um impacto bem menor que o estimado anteriormente. Então, o ano está terminando muito bem. E cumprimos o que nós nos propusemos e a meta não foi alterada. Mas ainda existe uma preocupação de que, nos próximos anos, a dinâmica de que a despesa obrigatória está crescendo muito e vai ter uma pressão sobre as discricionárias.

O Tesouro deve ter, então, um olhar em especial para o ritmo do crescimento das despesas obrigatórias?

Ele precisa. Temos que compatibilizar a dinâmica da despesa obrigatória para que ela não gere um problema impossível de ser solucionado, em detrimento da compressão da discricionária, em que pode ser criado um caos fiscal novamente no país. O país está em um esforço de virar uma página de uma década de problemas fiscais, e nós estamos muito próximos disso. Não há por que a gente desperdiçar essa oportunidade.

Recentemente, a Moody's elevou a nota de crédito do Brasil. Quais os desafios para que o país alcance o grau de investimento até o fim do mandato?

Mantiveram uma perspectiva positiva dizendo que vão conceder o grau de investimento no horizonte de 12 a 18 meses, caso a gente consiga provar que vai respeitar, de fato, o regramento do arcabouço, e que as despesas terão uma dinâmica compatível, em que vamos atingir os resultados fiscais prometidos. Não é muito. É um voto de confiança que se transforma em uma oportunidade, e eu tenho falado sobre isso. O país está diante de uma grande oportunidade e precisa fazer ações, precisa garantir a dinâmica das despesas obrigatórias. O governo precisa tomar essa decisão firme de garantir que as despesas obrigatórias tenham essa dinâmica, mas a sociedade precisa abraçar esse projeto.

Mas dá para voltar a ter superavit primário não vinculando o salário mínimo aos benefícios previdenciários e continuar com aumento real no mínimo?

Claro. Não existe só uma fórmula de ajustar essas dinâmicas. Há várias possibilidades, mas não é o que nós enxergamos como melhor movimento. Quem é do mercado entende claramente os benefícios do grau de investimento, mas a sociedade precisa entender o quanto isso se reverte em benefício para todo mundo, com mais emprego, mais desenvolvimento, mais renda e menos juros. Esse passo que a Moody's deu, por exemplo, fez com que a nota de muitas empresas subisse automaticamente. A Moody's foi muito clara e honesta sobre o que é necessário para atingir o grau de investimento. Nós precisamos, primeiro, atingir os resultados fiscais que estão contratados, sem alterações de meta, e garantir os ajustes necessários para que a dinâmica de despesas não gere um descumprimento das regras do arcabouço fiscal.

A Moody's foi clara, mas o presidente Lula entendeu?

Foi o presidente Lula que conquistou o grau de investimento para o país.

Mas o perdeu quando a presidente Dilma Rousseff estava no poder…

O país perdeu o grau de investimento após a saída de Lula, e ele tem a possibilidade agora concreta de deixar esse legado. Ele retornou para a reconstrução do país, do ponto de vista político, para tentar pacificar um pouco o país, e está com a oportunidade de deixar esse legado de recuperação do grau investimento para a sociedade, para o Estado brasileiro. Todo mundo ganha. E nós chegamos até aqui, não só por mérito do governo. Houve um avanço importante com o apoio do Congresso e do Judiciário. Foi um pacto em torno da recuperação fiscal, e agora, precisamos de um novo pacto pelo grau de investimento. Estamos no momento de aproveitar uma grande oportunidade que o país não pode desperdiçar. Não é possível pensar em um argumento para o país não tomar as medidas para recuperar o grau de investimento.

E como seria esse caminho? Primeiro, é preciso voltar a registrar superavit. Seria via a taxação dos super-ricos?

Não acho que o que é necessário para continuarmos esse processo de recuperação fiscal envolvendo um grande movimento do ponto de vista de tributação. Não é sobre isso. O desafio, hoje, está posto muito mais pelo lado da dinâmica da despesa. A grande inquietude, seja para o mercado, seja pelas agências de risco, é por essa dinâmica. Precisamos tirar esse ruído, ou essa inquietude, e como se faz isso adotando medidas que mostrem de forma inequívoca que essas dinâmicas vão ser sustentáveis e compatíveis no tempo com os regramentos do arcabouço, com o limite de despesa e que as despesas obrigatórias não vão comprimir as discricionárias a ponto de você ter um colapso. Precisamos continuar nessa agenda de combater os gastos tributários ineficientes e atingindo os resultados fiscais. Naturalmente, isso vai reduzir a incerteza do mercado, vai se refletir nos prêmios de risco.

O senhor falou que a meta deste ano não muda, mas e a do ano que vem, existe possibilidade de ela ser alterada?

Nenhuma. Ao contrário, volto a nossa história sobre o grau de investimento, tudo que atrapalhar a oportunidade de recuperar o grau de investimento tem que ser combatido. Essa discussão não está posta e é incompatível com um país que deseja recuperar o grau de investimento.

O Tesouro inaugurou uma agenda neste ano de títulos sustentáveis. Temos expectativas de novas emissões de títulos verdes?

Nós fizemos duas emissões de títulos soberanos sustentáveis, as duas foram sucesso. Essa agenda de emissão de títulos sustentáveis está funcionando bem. Há um apetite grande, agora nossa discussão é preparar uma terceira emissão. Talvez a gente faça mais alguma emissão neste ano, mas não tenho certeza se ela será sustentável ou tradicional.

E emissão externa, tem alguma projeção para este ano? Já que os EUA podem em reduzir os juros em mais 0,5 ponto percentual, pode haver alguma janela?

Estamos avaliando e acompanhando o mercado. Pode ser que nós façamos mais alguma emissão ainda neste ano. Vai depender, obviamente, das condições de mercado, uma boa oportunidade. Não está descartada uma nova emissão até novembro.

E como o senhor está vendo a trajetória da dívida pública para estabilizar?

A nossa última atualização que está com os dados mais recentes, mostra uma estabilização em 2028. Antes, estava no patamar de 79,8% do PIB, e, agora, passou para entre 81% e 82% do PIB. É o efeito da política monetária que, enfim, tem lá as suas razões. Mas vai haver condições de ser flexibilizada mais à frente e isso tem lá um efeito positivo, mas ali com muita transparência.

E é possível o país conseguir recuperar o grau de investimento com a dívida nesse patamar de 80% do PIB?

Sim. Eu vi algumas avaliações sobre isso e, talvez, seja o desconhecimento, mas como são as metodologias dessas agências de risco quanto a esses pagamentos, quanto a como que elas avaliam o rating. Elas não olham só para as dívidas dos países e para o resultado primário. As agências olham para a atividade econômica, para a segurança jurídica, para as reformas estruturais e para para o conjunto do país…

Mas, quando o Brasil conquistou o grau de investimento, em 2008, a dívida pública bruta estava em 64% do PIB…

Mas não tinham muitos outros benefícios que têm hoje. De novo, as pessoas olham apenas um indicador. A agência de risco analisa também a capacidade de pagamento do país. O nosso desafio é sinalizar de forma consistente que essa trajetória da dívida vai se estabilizar em 2028, como nós estamos prometendo. Assim, não há nenhuma dificuldade de recuperar o grau de investimento como absolutamente posto no conjunto dos indicadores. Até pouco tempo atrás o Brasil tinha além do fiscal, um segundo ponto negativo, que era o baixo crescimento econômico, uma baixa capacidade de crescer. Isso foi revertido porque, de fato, o país vem crescendo de forma consistente e o debate agora é de outra natureza.

O país vem crescendo acima das expectativas, e alguns economistas falam que isso está relacionado com o impulso fiscal da PEC da Transição de 2023, além das reformas de governos anteriores...

O país está crescendo de forma consistente, em torno de 3% ou mais há quatro anos. E, se olharmos para os setores da economia, todos estão cheios de oportunidades pela frente. O país está bem. É difícil dizer que não vai haver um crescimento acima de 2%, 2,5%. E houve muitas reformas na última década. O que é relevante é que o país está andando para frente, avançou muito na reforma trabalhista, na previdenciária, na tributária e nas reformas microeconômicas e no próprio regramento fiscal. Agora, acho que o debate mudou. Houve mudança no PIB potencial, tanto que uma parte dos economistas concorda que é preciso dar uma revisada nos modelos. O país cresce de forma mais consistente, porque está bem e tem muita oportunidade pela frente.

 


Fonte: correiobraziliense

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