13 de Novembro de 2024

Poluição e calor extremo estão ligados a doenças cardiovasculares


Em um mundo cada vez mais sufocado pela emissão de gases de efeito estufa, as consequências das mudanças climáticas, como o excesso de calor, podem comprometer os esforços das últimas décadas para reduzir a incidência de doenças cardiovasculares (DCVs) e a mortalidade precoce associada. Enquanto campanhas educativas e ações de prevenção de fatores de risco como hipertensão arterial, obesidade e tabagismo tentam diminuir o fardo global das DCVs, intervenções humanas no meio ambiente aumentam os casos de infarto, acidente vascular cerebral (AVC) e óbitos por essas causas. 

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"A população está exposta a agentes tóxicos, como o chumbo, presentes na poluição do ar, e isso tem um impacto negativo sobre a saúde vascular, aumentando o risco de AVC", diz Maciel Pontes, neurologista no Hospital de Base do Distrito Federal. "Além disso, as altas temperaturas estressam o sistema cardiovascular, provocando desidratação e elevação da pressão arterial, ambos fatores que também elevam esse risco."

A edição deste ano do relatório anual da Federação Mundial do Coração (WHF) foi dedicada aos impactos da poluição de origem antropogênica na saúde cardiovascular. Segundo o documento, a contaminação atmosférica é o sexto maior fator de risco de mortalidade por todas as causas globalmente. Os agentes tóxicos suspensos no ar estão associados à doença arterial coronária, doença cerebrovascular, AVC, insuficiência cardíaca, arritmia cardíaca, tromboembolismo e hipertensão pulmonar, entre outras DCVs.

As estatísticas são alarmantes: combinadas, a poluição interna (muito comum em casas com fogão à lenha) e da atmosfera estão relacionadas a cerca de 7 milhões de mortes prematuras por ano. Mais de 50% são atribuídas a causas cardiovasculares. Um quinto de todos os óbitos por DCVs tem relação com o ar contaminado. 

A maioria dos estudos que associam perturbações no meio ambiente a problemas de saúde são observacionais, ou seja, não estabelecem uma relação de causa e efeito. Porém, há diversos mecanismos fisiológicos que explicam como a poluição e as mudanças climáticas aumentam o risco de DCVs. No caso dos poluentes — especialmente partículas muito pequenas chamadas PM2,5 —, ao serem inalados, entram na corrente sanguínea, estreitam e endurecem as artérias, além de aumentar a tensão do músculo do coração. 

Em setembro, um estudo publicado na revista The Lancet Neurology alertou que, além de fatores metabólicos, a poluição e o calor são alguns dos principais agentes por trás da explosão nos casos de AVC. Entre 1990 e 2021, a prevalência aumentou 70%, e a mortalidade por essa causa subiu 44%. "Notavelmente, a contribuição das altas temperaturas para a saúde precária e a morte prematura devido a acidente vascular cerebral aumentou 72% desde 1990, uma tendência que deverá crescer no futuro", alerta o artigo. 

Além do AVC, condições cardíacas são afetadas pelo clima. "O risco de infarto pode subir em até 20% em dias de calor intenso", atesta Cláudio Catharina, gestor de cardiologia da Unidade Coronariana do Hospital Icaraí, em Niterói, e membro da Sociedade Europeia de Cardiologia. "Isso ocorre porque o corpo humano, ao tentar se adaptar às altas temperaturas, aumenta o esforço cardíaco, acelerando os batimentos e causando vasodilatação", diz. 

O médico explica que a perda excessiva de líquidos por meio da transpiração também pode desidratar o organismo, afetando o sistema circulatório. "Isso eleva a pressão arterial e a viscosidade do sangue, fatores que contribuem diretamente para a formação de coágulos e, consequentemente, para o risco de infarto."

Pacientes de insuficiência cardíaca — quando o coração não consegue bombear o sangue adequadamente — são particularmente impactados por temperaturas extremas, descobriu um estudo internacional com dados de 27 países, incluindo o Brasil. A pesquisa, coordenada pela Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, constatou um aumento de 12% no risco de morte por essa causa em dias muito quentes. Já períodos de frio excessivo foram associados a 37% mais chance de óbito. 

Os pesquisadores afirmaram que mais estudos são necessários para explicar os efeitos dos extremos climáticos em pacientes com insuficiência cardíaca. Mas destacam a necessidade de ações imediatas. "É urgente desenvolver medidas que ajudem nossa sociedade a mitigar o impacto das mudanças climáticas nas doenças cardiovasculares", disse o coautor Haitham Khraishah, pesquisador do Centro Médico da Universidade de Maryland (UMMC).

 

O arsenal de tratamento das doenças cardiovasculares foi reforçado com os inibidores da PCSk9, anticorpos monoclonais que reduz significativamente os níveis de "colesterol ruim", o LDL, especialmente em casos de hipercolesterolemia familiar, que não responde às abordagens tradicionais. Inibidores de neprislina, para hipertensão, e da SGLT-2, indicado para insuficiência cardíaca, são algumas novidades na área. "Um dos maiores avanços na prevenção de DCVs são os agonistas dos receptores do GLP-1. Essas medicações, inicialmente concebidas para o manejo do diabetes, têm mostrado grande benefício no controle da obesidade e, por isso, a longo prazo, podem impactar de maneira positiva os riscos de DCVs", explica Renato David, cardiologista do Instituto do Coração de Taguatinga.

Com o envelhecimento da população, a Organização Mundial da Saúde (OMS) projeta em 78 milhões o número de pessoas convivendo com demências. Estudos relacionam a neurodegeneração a condições cardiovasculares. Neste mês, por exemplo, um artigo publicado na revista Heart, afirmou que pessoas com fibrilação atrial (tipo de arritmia) têm risco 39% maior de apresentar problemas de memória e pensamento. A doença coronariana eleva em 27% a chance de declínio cognitivo, e 50% dos pacientes de infarto sofrem com essa mesma condição. 

"As pessoas não relacionam um infarto ou uma arritmia aos 60, 70 anos à chance muito maior de desenvolver um problema neurológico-cognitivo 20 anos depois", afirma Carisi Polanczyk, chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. "Precisamos trazer esse tema para as pessoas pensarem e atuarem muito mais cedo, com uma devida atenção às mudanças dos fatores de risco que são comuns a muitas doenças cardíacas e neurológicas", diz. 

Combinação

Segundo a médica, a associação é complexa e envolve o compartilhamento de fatores de risco, como hipertensão, inflamação, dislipidemia, tabagismo, doença vascular e doença aterosclerótica. "Quando juntos, acabam potencializando o aparecimento de ambas as doenças — cardíaca e neurológica", alerta.

Carisi Polanczyk destaca que doenças cardíacas não necessariamente vasculares, como insuficiência, arritmia e fibrilação atrial, também têm sido relacionadas com prejuízo à saúde mental, seja pelo desenvolvimento de pequenos AVCs, seja por micro hemorragias. "Pacientes de insuficiência cardíaca acabam tendo uma redução da perfusão, uma redução da circulação sanguínea no cérebro, o que prejudica, ao longo da vida, as condições essenciais para a função cerebral." (PO)

"A mudança climática já está afetando nossa saúde cardiovascular; a exposição ao calor extremo pode afetar negativamente a frequência cardíaca e a pressão arterial; a exposição ao ozônio ou à poluição atmosférica consequentes de incêndios florestais pode desencadear inflamação sistêmica; viver em meio a um desastre natural pode causar sofrimento psicológico; e furacões e inundações podem interromper a prestação de cuidados de saúde por meio de quedas de energia e interrupções na cadeia de suprimentos. A longo prazo, as projeções mostram que a mudança climática reduzirá a produção agrícola e a qualidade nutricional do suprimento de alimentos, o que também pode comprometer a saúde cardiovascular."

Dhruv S. Kazi, cirurgião cardiovascular do Beth Israel Deaconess Medical Center, nos Estados Unidos e autor de um estudo publicado na Jama sobre o impacto do clima nas doenças do sistema circulatório 

Fonte: correiobraziliense

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