Andando em meio às ruínas do que costumava ser sua casa, Ahmad Musa al-Qumbar, de 29 anos, diz que sempre temeu que um dia as autoridades da cidade de Jerusalém viessem atrás dele.
O palestino casado e pai de quatro filhos construiu uma modesta casa de apenas um pavimento há sete anos, em terras de sua propriedade e onde sua família vive há gerações.
Mas Ahmad nunca teve autorização oficial para construir.
Ele mora no distrito de Jabal Mukaber, em Jerusalém Oriental. Com vista para a Cidade Velha e seus muitos monumentos religiosos históricos, trata-se de uma das partes mais densamente povoadas e fortemente disputadas da região.
O distrito foi tomado por Israel da Jordânia na guerra do Oriente Médio de 1967 e depois anexado, mas é internacionalmente amplamente considerado território palestino.
O controle de Jerusalém é uma das questões mais controversas do conflito de décadas. Os palestinos reivindicam oficialmente Jerusalém Oriental como sua capital, enquanto Israel considera toda a cidade sua capital.
“Quem” tem permissão para construir e “onde” é grande parte do conflito.
E o ritmo com que casas palestinas estão sendo demolidas na Jerusalém Oriental ocupada quase dobrou desde o início do conflito em Gaza, dizem grupos de direitos humanos e organizações de monitoramento. As demolições são ordenadas pela autoridade municipal de Israel, que diz que muitas construções, como a de Ahmad, foram erguidas de forma ilegal, sem permissão.
Uma ONG, Ir Amim, diz que “sob o disfarce da guerra”, Israel está “deslocando os palestinos à força de suas casas e da cidade”.
“Eu tive que demolir minha casa após ser alvo de penalidades pela polícia e pelos tribunais israelenses”, conta Ahmad nos escombros do que costumava ser sua cozinha.
“Eu não poderia pagar as multas e correr o risco de perder coisas como plano de saúde e o seguro das crianças. Claro, recorremos ao tribunal, mas eles se recusaram.”
Como muitos na mesma situação, Ahmad contratou ele mesmo, a contragosto, máquinas pesadas para derrubar sua casa. E conta que as autoridades da cidade de Jerusalém teriam cobrado o equivalente a US$ 100 mil se tivessem sido elas a realizar o serviço.
O que talvez tenha tornado tudo ainda mais doloroso - destruir o trabalho de sua família e o futuro de seus filhos com as próprias mãos.
Quase todas as tentativas de solicitar permissão de planejamento feitas por famílias palestinas em Jerusalém Oriental são negadas pelas autoridades israelenses. E famílias em crescimento dizem não ter escolha a não ser construir ilegalmente e enfrentar as possíveis consequências - multas enormes e ordens de demolição.
Alguns dizem que a lei e os tribunais estão sendo deliberadamente usados para suprimir o crescimento e as ambições palestinas.
“Essas comunidades palestinas pedem permissão, e entre 95% e 99% dos pedidos são negados”, diz Shay Parnes, porta-voz da organização israelense de direitos humanos B'Tselem.
“Isso vem acontecendo há anos”, continua Parnes.
“Às vezes eles usam motivos de segurança para justificar, mas é sempre sob parte do mesmo processo de expulsar palestinos... porque a lei é diferente para diferentes comunidades que vivem lado a lado na mesma cidade.”
No lado ocidental predominantemente judaico da cidade, o que costumava ser um horizonte de edifícios de pedra branca relativamente baixos mudou drasticamente nos últimos anos. A construção está em ritmo acelerado.. Os guindastes operam praticamente 24 horas por dia, 7 dias por semana, com novos arranha-céus residenciais e comerciais subindo e aquele lado de Jerusalém se expandindo.
A construção também é intensa em algumas áreas de Jerusalém Oriental em que a terra foi reivindicada por Israel para dar lugar aos assentamentos judaicos. Em Har Homa, estima-se que 25.000 pessoas agora vivem em casas novas, em terras formalmente expropriadas por Israel em 1991.
Do outro lado da estrada estão as aldeias palestinas de Umm Tuba e Sur Baher, onde muitas instalações públicas são claramente inferiores às de Har Homa.
Em forte contraste com o trabalho de construção do outro lado da rodovia, várias casas foram demolidas à força por aqui nos últimos anos, no que a Anistia Internacional descreve como “uma violação flagrante do direito internacional e parte de um padrão sistemático das autoridades israelenses para deslocar os palestinos à força”.
A situação é semelhante no assentamento de Gilo, que se expande rapidamente no que é considerado internacionalmente como Jerusalém Oriental ocupada, enquanto, argumenta-se, aos subúrbios palestinos vizinhos não é permitido crescer no mesmo ritmo.
A comunidade internacional considera os assentamentos israelenses em Jerusalém Oriental ilegais sob o direito internacional, mas o governo israelense contesta. Israel também nega que as demolições fazem parte da política deliberada de discriminação que ganhou ritmo coberta pela distração acusada pela guerra em Gaza.
Em um comunicado, o município de Jerusalém disse que as acusações eram “absolutamente falsas” e que tinha apoio local para “grandes planos de construção em quase todas as áreas de Jerusalém Oriental”.
Os planos “visam dar opções para a expansão do bairro, abordar a questão generalizada da construção ilegal e designar áreas para a construção de estruturas de serviço municipal”, acrescentou.
Mas não é difícil encontrar exemplos de onde as ordens de demolição israelenses contra casas palestinas estão sendo aplicadas em Jerusalém Oriental.
No subúrbio de Silwan, logo abaixo da Cidade Velha, encontramos outra casa palestina em ruínas. Lutfiyah al-Wahidi diz que o anexo havia sido construído para a família de seu filho há mais de uma década, mas agora as autoridades vieram atrás.
“Mesmo que ergamos apenas um tijolo, as autoridades vêm e o demolem. Como nossa casa os prejudicou? É em terra na qual duvido que as autoridades tenham interesse.”
A avó diz que pagou milhares de dólares em multas judiciais ao longo dos anos em vã tentativa de manter a propriedade.
“Meu filho tem uma família de seis pessoas com apenas um provedor. Que mal eles estão fazendo? Ainda querem demoli-la”, diz ela, com sua família ainda maior e dispersa por outras partes da cidade.
Em uma análise compreensiva, a organização Ir Amim descobriu que, desde a eclosão da guerra em Gaza, em 7 de outubro de 2023, "houve uma grande aceleração na promoção e liberação de novos planos de assentamento em Jerusalém Oriental e um aumento dramático na taxa de demolições de casas palestinas".
"O governo israelense está claramente explorando a guerra para criar mais fatos", continua.
Estima-se que haja pelo menos 20.000 pedidos de demolição pendentes em Jerusalém Oriental - pedidos que não têm limite de validade.
Especialistas também dizem, no documento, que desde 7 de outubro, membros de extrema-direita do governo de Benjamin Netanyahu e do Município de Jerusalém ficaram mais seguros para expressar publicamente sua intenção de ver mais casas judaicas construídas em terras ocupadas ou contestadas.
E embora os palestinos, como as famílias de Ahmad e Lutfiyah, ficam visivelmente com mais medo de perder suas casas, eles insistem que ficarão e, eventualmente, reconstruirão suas vidas aqui em Jerusalém Oriental.
Fonte: correiobraziliense
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