Quando Sukitha e seu marido, Prasad, se mudaram para a Finlândia, país que seus habitantes consideram o lugar mais feliz do mundo, uma das primeiras coisas que receberam foi uma caixa de papelão.
"Não é uma caixa qualquer, mas uma caixa para maternidade repleta de itens essenciais", exclama Sukitha Herath, relembrando o momento em que a abriu pela primeira vez.
O casal já estava esperando o primeiro filho quando se mudou para lá há seis anos.
O presente do governo, com roupas quentes, um saco de dormir e um pequeno colchão, além de outros itens, é uma tradição finlandesa há 75 anos. A caixa oferece a todas as futuras mães um começo igual, independentemente de sua origem ou nível socioeconômico.
"Colocar o colchão no fundo transforma a caixa na primeira cama do bebê", explica Prasad Jayathurathnage, agora pai de duas meninas, de seis e três anos.
Assim como a mais velha, a mais nova também tirou sua primeira soneca em uma caixa de papelão semelhante.
E não para por aí.
Sukitha conta que, seguindo o conselho da enfermeira de família, desde que as filhas tinham apenas duas semanas de vida — e mesmo quando estava um frio congelante lá fora —, ela e Prasad agasalhavam as meninas e as levavam para tirar uma soneca ao ar livre no carrinho de bebê. Essa é uma rotina diária comum na Finlândia e em outros países nórdicos
Prasad é engenheiro, e Sukitha fisioterapeuta esportiva. Ambos são originalmente do Sri Lanka, e se mudaram para Singapura em 2012, antes de se estabelecerem na Finlândia. Embora Sukitha tenha crescido em uma ilha tropical, ela descobriu que a oportunidade de tirar uma soneca ao ar livre no clima frio beneficiou suas duas filhas.
"Se ficamos dentro de casa, eles choram. Mas quando saímos, tem ar fresco e pássaros cantando, e os bebês pegam no sono rápido. Na verdade, é mais fácil para o bebê e para a mãe. E as caminhadas também me ajudaram a perder peso após a gestação", diz ela.
O casal não vê a caixa de papelão que serve de berço apenas como uma medida de segurança, mas também como um lembrete da importância que a Finlândia dá ao sono, desde os primeiros dias de vida de uma criança.
Sukitha e Prasad acreditam que o sistema de saúde e seguro nacional do país os ajudou a priorizar o horário em que seus filhos deveriam dormir — e os incentivou a estabelecer uma rotina consistente de sono.
Os especialistas enfatizam que cultivar bons hábitos de sono, como os da Finlândia, é essencial para o desenvolvimento mental, físico, social e emocional das crianças.
No entanto, um número cada vez maior de pais atualmente está preocupado com o fato dos filhos dormirem muito pouco. Uma causa comum, de acordo com muitos especialistas em crianças, é o uso excessivo de celular ou telas.
Dagmara Dimitriou, professora especialista em educação do sono na University College London (UCL), no Reino Unido, adverte que a qualidade do sono — e não apenas a quantidade — faz diferença.
"O sono é como uma alimentação balanceada. A qualidade do sono também é importante", diz ela à BBC.
Segunda ela, a falta de sono afeta o desempenho acadêmico e mental das crianças.
Maleeka Macadam, diretora de uma creche no Malauí, concorda, observando que as crianças com padrões de sono irregulares enfrentam mais dificuldade em sala de aula.
"Vi pessoalmente que as crianças que não dormem o suficiente têm falta de concentração, são irritáveis e parecem letárgicas durante o dia todo na escola", afirma.
Dimitriou desafia, por outro lado, a percepção de que as crianças que causam problemas em sala de aula são "malcriadas".
"Elas não estão se comportando mal; estão simplesmente privadas de sono", explica.
“Às vezes, as crianças recebem aulas extras, têm professores particulares e muitos aplicativos. Mas eu sempre digo: 'Seu professor particular é o sono. Durma o suficiente, e você vai otimizar o aprendizado'", acrescenta.
De acordo com alguns estudos, a privação do sono também foi associada a problemas de saúde física, como pressão alta, obesidade e doenças cardíacas.
Uma nova pesquisa da Universidade de Birmingham, do Reino Unido, sugere que crianças que sofrem consistentemente de privação do sono desde a infância podem enfrentar um risco maior de desenvolver psicose no início da vida adulta. Os cientistas reconhecem há muito tempo que a falta de sono tem um impacto no desenvolvimento do cérebro.
Uma pesquisa liderada pelo pesquisador Ze Wang, professor da Universidade de Maryland, nos EUA, descobriu que não dormir o suficiente altera as conexões cerebrais em crianças, causando potencialmente deficiências cognitivas permanentes ou de longo prazo.
A equipe concluiu que as crianças estudadas que não dormiam o suficiente "tinham mais problemas de saúde mental e comportamentais do que aquelas que dormiam o suficiente".
Os especialistas também acreditam que a falta de sono pode não apenas influenciar como as crianças se sentem, mas também suas escolhas alimentares.
Dimitriou aponta a tecnologia como uma barreira comum ao sono, mesmo para crianças pequenas. Ela incentiva os pais a monitorar o uso da tecnologia pelos filhos, principalmente antes de dormir.
No entanto, segundo ela, isso não parece ser uma preocupação para famílias sem acesso à tecnologia de ponta ou para aquelas que não têm condições de comprar dispositivos como smartphones ou tablets para os filhos.
"Isso não parece ser um problema em certas partes da Índia, onde as crianças não têm acesso a games interativos e redes sociais", ela cita como exemplo.
Prasad e Sukitha garantem que as filhas durmam mais de 10 horas — e limitam o tempo de uso de telas.
"Nunca deixamos nossas filhas com um telefone sozinhas em um canto. Nossa filha mais velha não teve absolutamente nenhum tempo de tela até os dois anos", conta Prasad.
Tendo morado no Sri Lanka e em Singapura, eles observaram que as crianças de lá passam mais tempo usando dispositivos do que na Finlândia — pelo menos em algumas das famílias que eles conhecem.
"Na minha infância no Sri Lanka, nós pegávamos no sono vendo televisão. Depois, éramos transferidos para a cama, o que pode ser prejudicial", acrescenta Sukitha.
Agora, a rotina de sono das filhas dela começa de 30 minutos a uma hora antes de dormir. Isso inclui atividades para ajudar as meninas a relaxar, como ler ou ouvir histórias na cama.
"Antes disso, elas tomam banho, escovam os dentes e escolhem a roupa para a creche no dia seguinte — assim, você não precisa perder tempo escolhendo roupa pela manhã. Depois que elas vão para a cama, não podem pedir comida", explica Sukitha.
Maleeka, mãe de três filhos — de quatro, sete e nove anos —, diz que quando eles ficam acordados até mais tarde do que o horário habitual de dormir, às 19h30, é difícil acordá-los na manhã seguinte.
"Eles também ficam muito sensíveis; qualquer coisinha pode deixá-los emburrados", acrescenta.
No entanto, como uma mãe que trabalha fora, manter uma rotina pode ser difícil.
"Às vezes, é difícil manter a rotina", admite.
Gavin English, vice-diretor da Alleyn's School, em Londres, afirma que o sono é a primeira coisa que eles verificam quando os alunos apresentam dificuldades comportamentais e acadêmicas..
"Posso dizer que, quando trabalho com jovens que tomam decisões erradas com os dispositivos, e que são impactados negativamente pelas redes sociais, eles costumam usar os dispositivos quando deveriam estar na cama dormindo", diz ele à BBC News.
"E, notoriamente, os jovens que enfrentam desafios relacionados ao uso do telefone e ao sono geralmente não conseguem administrar os dois problemas."
"Se os jovens têm telefones celulares em seus quartos, eles estão sendo preparados para o fracasso", adverte.
"Os celulares reproduzem as funções de muitos itens do dia a dia. Meu conselho: gaste alguns reais em um despertador, e tire esses dispositivos dos quartos deles."
Embora o sono seja uma necessidade biológica, fatores culturais também podem influenciar as rotinas de sono.
Por exemplo, durante o mês sagrado do Ramadã, quando os muçulmanos jejuam durante o dia, pode haver alterações no horário de dormir.
Dimitriou diz que, embora o sono possa ser afetado devido a esses costumes, em países como a Arábia Saudita, as crianças não são obrigadas a fazer provas durante esses períodos — uma prática que ela "recomenda fortemente".
Wang acrescenta que, embora fatores culturais ou religiosos possam influenciar os hábitos de sono, a necessidade biológica de sono é universal.
"Algumas culturas, como as do Leste Asiático, promovem o trabalho árduo no aprendizado. As crianças costumam ficar acordadas até muito tarde devido à carga pesada de dever de casa e revisão. Isso causa um grande déficit de sono e [tem] consequências prejudiciais, de acordo com nosso artigo. As consequências podem durar muito tempo ou até mesmo se tornar permanentes", diz ele.
Maleeka acha que as visitas da família também podem atrapalhar a rotina dos filhos. "Isso realmente atrapalha os ciclos de sono deles, mas é difícil de evitar", pondera.
Prasad e Sukitha, que frequentemente buscam a orientação da enfermeira de família — especialmente sobre alimentação saudável e rotinas de sono para as filhas pequenas —, admitem que ainda estão aprendendo.
"Não somos pais perfeitos, mas a maior lição que aprendemos é seguir uma rotina. Isso torna as coisas mais fáceis para todo mundo", diz Sukitha.
Dimitriou tem um recado para as crianças e os pais.
"Eu sempre digo: Não me importo com o que você faça, desde que você durma, tenha uma noite de sono de boa qualidade e entenda sua importância", afirma.
"Você precisa comer, e precisa dormir. Essas são as duas coisas mais importantes da vida."
Fonte: correiobraziliense
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.