O local e o convidado escolhidos por Kamala Harris não poderiam ser mais simbólicos. A candidata democrata à Casa Branca discursou, na noite desta quinta-feira (24/10), em Clarkston, a 30km de Atlanta, na Geórgia — berço do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos e terra natal de Martin Luther King Jr. Ao seu lado, Barack Obama, o primeiro presidente afroamericano da história dos Estados Unidos. Em Tempe, no Arizona, outro estado-pêndulo, o magnata republicano Donald Trump não poupou munição contra a adversária e comparou o 5 de novembro ao "dia da libertação" dos EUA, em referência à data das eleições. Mais cedo, em entrevista a uma rádio, chamou a União Europeia de "miniChina".
Obama discursou antes de Kamala e pediu aos americanos: "Se ainda não o fizeram, votem! Levem seus amigos e familiares. Juntos, temos a chance de construir uma nova geração de lideranças nos EUA". Carismático, ele respondeu ao grito de uma eleitora: "Eu amo você também!". Segundo o ex-presidente, não existe evidência de que Trump pensará em alguém que não seja em si próprio. "Ele disse que 6 de janeiro foi o 'dia do amor'", ironizou, ao mencionar a invasão ao Capitólio, em 2021. "O fato de ele ser pateta não quer dizer que sua presidência não será perigosa", acrescentou. "As eleições são mais do que sobre política: são sobre valores e cuidados", concluiu.
Chamada ao palco por Obama às 19h55 (20h55 em Brasília), Kamala posou para fotos com o amigo e aliado político. "Trump chama os americanos de inimigos. Alguém que sugere pôr fim à Constituição não deveria estar, novamente, atrás do selo da Presidência dos Estados Unidos. Nunca mais! Nunca mais!", bradou a candidata democrata. "Em 12 dias, teremos uma das eleições mais consequentes da nossa geração. Temos a oportunidade de virar a página do medo, e forjar um novo caminho para seguirmos adiante", declarou.
Mais uma vez, ela procurou fazer um contraponto entre as duas candidaturas: "Em toda a minha carreira, coloquei o povo à frente do partidarismo. (...) Trump se foca no passado e em si mesmo. Nós nos atemos ao futuro e em vocês." Kamala avisou que "o bastão da luta pela liberdade" está na mão dos eleitores.
A parte musical do comício de Kamala ficou por conta de Bruce Springsteen, que se apresentou às 18h45 (19h45 em Brasília) e cantou The promised land e Land of hope and dreams, acompanhado de gaita e violão. "Estou aqui para apoiar Kamala Harris e me opor a Donald Trump. Para apoiar uma presidente que luta pela Constituição e pelo Estado de direito, que respeita os direitos das mulheres. (...) Donald Trump será um tirano americano", declarou Springsteen.
M.V. (Trey) Hood III, professor de ciência política da Universidade da Geórgia, lembrou ao Correio que a Geórgia é um estado de tendência republicana, mas considerado um campo de batalha na corrida presidencial deste ano. "Tanto Kamala quanto Trump precisam vencer em alguns dos estados-pêndulo para obter a maioria dos votos eleitorais; daí a razão pela qual a Geórgia é importante", disse.
Com a canção God Bless the USA, de Lee Greenwold, Trump subiu ao palco de Tempe às 17h35 (hora local). O republicano disse que 5 de novembro será "o dia mais importante da história dos EUA". Ele acusou Kamala de derramamento de sangue, ao associá-la com um suposto aumento de criminalidade no país. "Ela abriu os portões para criminosos, assassinos", acrescentou, citando a entrada de imigrantes ilegais do Congo e da Venezuela. "Kamala é horrível."
Trump disse que assistiu à participação de Kamala na CNN Town Hall, evento em que candidatos respondem a perguntas de eleitores, e classificou a participação dela como "patética". "Quando ganharmos em 5 de novembro, a invasão de imigrantes se encerrará e começará a restauração do país. Os EUA são uma nação ocupada. Chamamos o 5 de novembro de 'o dia da libertação dos EUA'", declarou o republicano, que qualificou a imprensa como "inimiga do povo".
Mais cedo, comparou a União Europeia (UE) a uma "miniChina" em questões comerciais. "Eles não levam os nossos carros, não levam os nossos produtos agrícolas, não levam nada", disse, em uma entrevista de rádio. "A UE é uma miniChina, mas não tão mini."
Na quarta-feira (23/10), durante participação no Town Hall, Kamala foi questionada se considerava Trump um fascista. "Acho que sim", respondeu. Horas antes, ela demonstrou preocupação com as declarações de John Kelly, ex-chefe de gabinete do ex-presidente, que revelou ter ouvido o magnata dizer que o líder nazista Adolf Hitler "também fez coisas boas".
Professor de história e estudos alemães da Universidade de Michigan, Geoff Eley não tem dúvidas de que Trump representa um perigo para a democracia. "Ele adota uma linguagem de retaliação autoritária coercitiva (como 'Eu sou o seu castigo merecido') mais brutal e diretamente ameaçadora, com tons duros de repetição. Agora, investe contra os 'inimigos internos' (marxistas), de maneiras que parecem muito mais ameaçadoras e contundentes. A linguagem da 'batalha final' e da 'última chance' ou 'última resistência' também parece nova", explicou ao Correio.
Para o estudioso, o fato de Trump performar bem nas pesquisas pode ser explicado pela fragmentação e pelo empobrecimento geral da "esfera pública" — a dissolução geral da civilidade e a prevalência da desinformação. Autor de Trump and Hitler: A comparative study in lying ("Trump e Hitler: Um estudo comparativo sobre a mentira") e professor da Universidade de Sheffield (Reino Unido), Henk de Berg afirmou à reportagem que, com base na retórica e nas ações, está "bastante claro" que o republicano tem uma abordagem essencialmente autocrática em relação à liderança. "Ele parece ver os vários freios e contrapesos do poder presidencial como obstáculos", disse.
John Connelly — professor de história europeia na Universidade da Califórnia (Berkeley) — disse ao Correio que Trump demonstra ter pouco conhecimento sobre o modo como o governo democrático funciona. "Podemos ter certeza de que ele fará tudo o que estiver ao seu alcance para adotar as políticas que desejar, incluindo a perseguição daqueles a quem chama de 'inimigos internos'. Veremos se um sistema de soberania popular com seus três poderes de governo, estabelecido na década de 1780, pode se defender."
"É claro que Trump não é uma espécie de Hitler. O líder nazista começou a Segunda Guerra Mundial e foi responsável pelo Holocausto. Trump não fez nada remotamente tão mau como isso, e não creio que o faça. Mas é uma ameaça real à democracia. Veja suas críticas à imprensa livre. Não há sociedade livre sem liberdade de opinião. É por isso que os nazistas, quando tentavam chegar ao poder, chamaram a grande mídia de 'Luegenpresse', ou 'imprensa mentirosa'. É por isso que os nazistas, e todas as ditaduras, aboliram a liberdade de imprensa."
Henk de Berg, autor de Trump and Hitler: A comparative study in lying ("Trump e Hitler: Um estudo comparativo sobre a mentira") e professor da Universidade de Sheffield (Reino Unido)
Sobre a mesa de Nancy Pelosi, ex-presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, fezes. A misteriosa instalação artística em bronze foi colocada diante do prédio do Capitólio às 8h de ontem (9h em Brasília). Debaixo da peça, uma placa com a seguinte explicação: "Este memorial honra os corajosos homens e mulheres que invadiram o Capitólio dos EUA, em 6 de janeiro de 2021, para saquear, urinar e defecar por aqueles corredores sagrados, a fim de anular a eleição. O presidente Trump celebra esses heróis do 6 de janeiro como 'patriotas inacreditáveis' e 'guerreiros'. Este momento é um testemunho de seu sacrifício ousado e de seu legado duradouro". Um grupo autodenominado Civil Crafting ("Artesanato Civil", pela tradução livre) seria o responsável pela instalação. Em 6 de janeiro de 2021, simpatizantes de Trump irromperam o prédio do Congresso dos EUA e se deixaram fotografar sentados à mesa do gabinete de Pelosi.
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