Quando os mais de 240 milhões de americanos aptos a votar forem às urnas no próximo dia 5 de novembro, eles irão escolher entre a vice-presidente democrata Kamala Harris e o ex-presidente republicano Donald Trump.
No entanto, o candidato que receber o maior número de votos não será necessariamente o vencedor da eleição presidencial.
Nos Estados Unidos, o presidente não é eleito de maneira direta, e sim pelo chamado Colégio Eleitoral, que é formado por 538 delegados representando os 50 Estados americanos e o Distrito de Columbia, onde fica a capital, Washington D.C.
O candidato que conquistar o apoio da maioria do Colégio Eleitoral, ou seja, no mínimo 270 votos de delegados, é eleito presidente, independentemente de ter vencido o voto popular ou não.
Esse sistema, criado há mais de 200 anos, é muitas vezes criticado por distorcer o processo democrático e não refletir a vontade da maioria.
Tanto democratas quanto republicanos já foram beneficiados por esse método em diferentes anos eleitorais. Nos últimos pleitos, porém, a vantagem tem sido do Partido Republicano.
"Eu não diria que é favorável ao Partido Republicano de maneira geral. Mas tem sido assim nas últimas décadas", diz à BBC News Brasil o cientista político Hans Noel, professor da Universidade de Georgetown, em Washington.
“Quando há uma vantagem, às vezes beneficia um lado, outras vezes, o outro. Não é uma vantagem estrutural a favor dos republicanos”, ressalta Noel.
Em duas das últimas seis eleições presidenciais, apesar de o candidato democrata ter recebido a maioria do voto popular, foi o republicano que venceu no Colégio Eleitoral e, assim, chegou à Casa Branca.
Isso aconteceu em 2016, quando a democrata Hillary Clinton recebeu 2,9 milhões de votos a mais do que o republicano Donald Trump, mas mesmo assim perdeu a eleição. O desempenho de Trump em certos Estados e grupos demográficos garantiu a ele mais votos no Colégio Eleitoral.
Em 2000, o republicano George W. Bush também foi eleito apesar de ter perdido o voto popular para o democrata Al Gore.
Resultados como esses são raros, e o mais comum é que o Colégio Eleitoral reflita a escolha do voto popular. No entanto, caso haja discrepância na eleição deste ano, a expectativa de analistas é de que o candidato republicano seja novamente o beneficiado.
No mês passado, o estatístico Nate Silver calculou que Harris precisaria vencer o voto popular com pelo menos dois pontos e meio de vantagem para ser eleita no Colégio Eleitoral. Para garantir uma vitória “segura”, precisaria de margem de cerca de 4 pontos.
Quando o sistema de votação dos Estados Unidos foi estabelecido pela Constituição, em 1787, uma das preocupações era a de que “as massas” pudessem ser manipuladas ou não tivessem informações suficientes para eleger o presidente de forma direta.
“O povo escolhe os eleitores. Isso pode ser feito com facilidade e conveniência, e tornará a escolha mais criteriosa”, disse James Madison, um dos autores da Constituição, que se tornaria presidente de 1809 a 1817.
Nesse sistema, o voto popular serve simplesmente para indicar qual o candidato favorito em cada Estado. Com base nos resultados das eleições gerais, os Estados escolhem delegados, chamados de “eleitores”, para enviar ao Colégio Eleitoral.
Esses delegados são nomeados pelo partido político estadual do candidato vencedor do voto popular naquele Estado, e se comprometem a votar no nome escolhido pelos eleitores comuns.
Cada um dos 50 Estados tem suas próprias regras para alocar delegados. Em 48 deles, o candidato que recebe mais votos leva todos os delegados, mesmo que a vitória tenha sido por apenas um voto de vantagem.
Isso leva a muitos votos “desperdiçados”. Em grandes Estados que historicamente votam nos democratas, como Califórnia ou Nova York, candidatos do partido costumam vencer com ampla margem, o que impulsiona seu desempenho no voto popular nacional.
“Eles (democratas) conseguem muito mais votos nesses Estados do que precisam para vencer”, diz à BBC News Brasil o cientista político Jonathan Hanson, da Universidade de Michigan.
Em 2016, Clinton venceu o voto popular nacional graças aos mais de 4 milhões de votos de vantagem que obteve na Califórnia. No entanto, bastaria um voto de vantagem para levar todos os delegados do Estado.
Os milhões de votos extras recebidos, apesar de aumentarem o resultado no voto popular nacionalmente, não fazem diferença no Colégio Eleitoral.
“De certa forma, esses votos extras são desperdiçados, porque seria preferível que estivessem em outro Estado (mais competitivo)”, observa Hanson.
Os Republicanos, por sua vez, costumam vencer no Texas e na Flórida, que também são Estados grandes. Mas essas vitórias têm margem menor e, portanto, menos votos desperdiçados
A vitória apertada para os republicanos nesses casos significa que os democratas também receberam muitos votos nesses Estados, mas não o suficiente para vencer e levar os delegados. A derrota por pouca margem se traduz em milhões de votos desperdiçados para o lado perdedor.
“Em muitos Estados há votos desperdiçados, em ambas as direções”, salienta Hanson. “Mas, de modo geral, os democratas estão desperdiçando muito mais votos do que os republicanos.”
Outra crítica comum ao Colégio Eleitoral é a de que os votos de alguns eleitores têm mais peso do que os de outros, e que Estados menores e rurais, onde os republicanos costumam ter força, ganham proporcionalmente mais delegados.
Isso ocorre porque cada Estado tem direito a um número de delegados igual ao da sua bancada na Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados) e no Senado.
Enquanto o número de deputados é proporcional ao de moradores e baseado no Censo, o de senadores é fixo, com dois por Estado, independentemente do tamanho da população.
Assim, a Califórnia, Estado mais populoso do país, com quase 39 milhões de habitantes, tem o mesmo número de senadores que Wyoming, o menos populoso, com menos de 600 mil habitantes. Isso se reflete no Colégio Eleitoral.
No total, Wyoming tem três delegados no Colégio Eleitoral, equivalente a um para cada cerca de 200 mil habitantes. A Califórnia tem 54, ou seja, um para cada cerca de 722 mil moradores.
“Estados pequenos têm muito mais poder eleitoral por pessoa do que Estados muito populosos. Há um viés rural inerente no Colégio Eleitoral”, diz Hanson. “Se isso beneficia republicanos ou democratas em um ano específico é uma questão à parte.”
O sistema eleitoral dos Estados Unidos também dá peso desproporcional a um pequeno grupo de eleitores em um punhado de Estados considerados decisivos, chamados de “swing states”, ou “Estados-pêndulo”, pois podem pender para um partido ou outro, sem preferência clara.
Essa característica contrasta com a maioria dos outros Estados, onde um dos dois partidos sempre tem clara vantagem, deixando o adversário sem chances reais de obter a maioria dos votos e, assim, conquistar todos os delegados.
Os Estados considerados “swing states” mudam a cada eleição, dependendo de fatores como resultados anteriores, pesquisas e mudanças demográficas, entre outros. Neste ano, são Arizona, Carolina do Norte, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin.
Pesquisas mostram Harris e Trump praticamente empatados nesses Estados, e é neles que as campanhas estão investindo todos os seus recursos, pois sabem que dependem desse grupo reduzido de eleitores para vencer.
Avanços tecnológicos e novas ferramentas permitem cada vez mais precisão para concentrar os esforços em determinados grupos demográficos e na pequena fatia de eleitores nesses Estados que ainda estão indecisos.
Como o voto não é obrigatório no país, parte dos esforços também é convencer esses eleitores a comparecer às urnas.
Além disso, o próprio número de “swing states” vem diminuindo a cada pleito. Tudo isso reduz cada vez mais o universo de eleitores que recebem atenção dos candidatos, que nem sempre é representativo da maioria do país.
“Os candidatos estão focados apenas nesses sete Estados”, observa Hanson. “Em muitos (outros) Estados, (a disputa) não é competitiva e, essencialmente, seu voto para presidente não importa tanto.”
Tendências recentes sugerem que o Colégio Eleitoral poderá ficar mais alinhado com o voto popular no futuro.
Trump surpreendeu analistas ao conquistar o apoio de muitos eleitores negros e latinos, e poderá ser o candidato presidencial republicano com o melhor desempenho nessas duas fatias do eleitorado em 60 anos.
Esses grupos ainda votam majoritariamente nos democratas, mas o percentual vem caindo. Em 2020, Biden conquistou o voto de 90% dos eleitores negros e 62% dos latinos, mas pesquisas indicam que Harris deverá levar, respectivamente, 78% e 56%.
A distribuição geográfica desses eleitores, porém, significa que os ganhos de Trump devem ter impacto limitado no resultado final neste ano.
Um exemplo é a Califórnia, que tem grande população de origem latina. Mesmo que Trump aumente seu percentual nessa fatia do eleitorado, não será o suficiente para ganhar a maioria dos votos no Estado (e, assim, conquistar seus delegados).
No Texas e na Flórida, onde também há grande população latina, os republicanos já devem obter a maioria e levar todos os delegados. Nesses Estados, os ganhos de Trump, apesar de aumentarem a margem de vitória, não devem mudar o resultado no Colégio Eleitoral.
No caso dos eleitores negros, muitos também estão concentrados em Estados que já votam em republicanos, como Mississippi.
“Se Trump começar a ganhar espaço entre os eleitores negros e latinos, isso poderá reduzir as margens em Estados como Califórnia. E poderá aumentar a margem republicana em locais como Texas e Flórida”, diz Noel.
“Isso reduziria a desconexão entre o voto popular e o Colégio Eleitoral em relação aos republicanos.”
Pesquisas de opinião ao longo das décadas indicam que a maioria dos americanos gostaria de abolir o Colégio Eleitoral. Na mais recente, divulgada no mês passado pelo instituto Pew Research Center, 63% dos entrevistados disseram preferir que o vencedor do voto popular seja o eleito.
Segundo os Arquivos Nacionais dos EUA, nos últimos 200 anos mais de 700 propostas para reformar ou eliminar o Colégio Eleitoral foram apresentadas ao Congresso. Mas qualquer mudança dependeria da aprovação de emenda constitucional, o que não ocorreu até hoje.
Fonte: correiobraziliense
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