Enquanto se multiplicavam as homenagens pela morte do ex-vocalista do grupo One Direction, Liam Payne (1993-2024), no último dia 16 de outubro, as intrigas do setor musical diminuíram de ritmo.
Payne era mais um músico que chegou à estratosfera da fama ainda jovem. Ele tinha 16 anos quando surgiu sua boy band no reality show da TV britânica The X Factor, em 2010.
Mas a fama precoce teve impacto devastador sobre sua saúde mental. E ele fez uso da bebida e das drogas como tentativa de automedicação.
Em entrevista para o portal Esquire Middle East, em 2019, Payne expôs as pressões de ficar constantemente submetido ao escrutínio do público global.
"A luta é principalmente mental", explicou ele. "É questão de estar preparado e sempre saber que você pode ser fotografado."
"Tenho dias em que simplesmente não quero sair de casa. Mesmo se for apenas para ir até a loja... Fico suando, sem saber se estou fazendo a coisa certa ou não. Infelizmente, isso acontece com todos neste setor."
O compositor britânico Guy Chambers observou paralelos perturbadores entre a história de Payne e a do seu antigo parceiro musical de longa data, Robbie Williams, que entrou na boy band Take That com 16 anos de idade, em 1990.
Williams sofria de ataques de pânico incapacitantes desde o início da carreira, o que também gerou seus conhecidos problemas com a dependência química.
Em entrevista ao DJ Scott Mills em 2022 sobre aquela época, Williams declarou:
"[Eu estava] prestando meus exames da escola secundária, fui reprovado e, de repente, estava no Japão com 3 mil fãs no lado de fora, o que acontecia em todo lugar aonde eu ia. Não havia segurança, aquilo era irreal e, aliado ao que eu ingeria para lidar com a minha vida e à reação do meu corpo e da minha mente, não era uma boa mistura."
Alguns dias após a morte de Payne, em entrevista ao jornal britânico The Observer, Chambers sugeriu que menores de 18 anos fossem proibidos de se tornarem astros do pop. "Acho que colocar uma pessoa de 16 anos em um mundo de adultos como aquele pode ser muito prejudicial", explicou ele.
"Sei que, no caso de Robbie, com o Take That, não havia proteção adequada para cuidar dos meninos adolescentes. Aquilo foi muito tempo atrás, mas não vejo muitos sinais de mudança."
"Não aumentaram muito os cuidados reais, que eu tenha observado, por parte das pessoas envolvidas nos grandes shows de talentos da TV. Eu sugeriria que as pessoas não deveriam entrar em uma boy band antes dos 18 anos de idade e o setor também deveria respeitar esta regra", segundo ele.
Esta é certamente uma proposta interessante.
Sempre que somos surpreendidos pela morte de um artista com problemas, e que atingiu a fama ainda jovem, surgem os murmúrios de que "algo precisa mudar" no setor musical, mas, depois, as pessoas retornam às suas ocupações normais.
Amy Winehouse (1983-2011) estudou na escola britânica de artes BRIT School aos 15 anos de idade e assinou seu primeiro contrato com uma gravadora aos 19.
Seu sucesso na carreira musical foi incrível, mas ela foi submetida ao tratamento traumático da imprensa quando era uma jovem celebridade. Ela enfrentou problemas de dependência e morreu por consumo abusivo de álcool com 27 anos de idade.
O DJ sueco Avicii (1989-2018) lançava músicas de dança desde os 17 anos de idade. Seu nome verdadeiro era Tim Bergling.
Ele documentou suas experiências pessoais com a ansiedade e seu terrível cronograma de turnês no documentário Avicii: True Stories (2017). O DJ lutou contra sua dependência de álcool e opioides até se suicidar em 2018, com 28 anos.
Aaron Carter (1987-2022) lançou seu primeiro álbum com nove anos de idade. Ele passou por um período doloroso no restante da infância, enfrentou problemas com abuso de substâncias e foi diagnosticado com esquizofrenia e distúrbio bipolar em 2019. Carter morreu de overdose acidental de drogas em 2022, aos 34 anos.
Será que, em 2024, existe alguma melhoria em relação à proteção ou assistência obrigatória aos jovens astros da música?
O impacto da fama com pouca idade é algo que o psicólogo Adi Jaffe encontrou ao longo dos anos, durante o tratamento de músicos, atores e DJs nos Estados Unidos.
Para ele, o que é particularmente perturbador é que esses jovens são colocados em um mundo adulto com o qual eles não têm condições de lidar, física ou mentalmente.
"Nós pegamos essas jovens mentes criativas, muitas vezes tímidas e introvertidas, e os colocamos em um sistema com fortes estímulos capitalistas", declarou ele à BBC, "em que existe muito dinheiro para ser ganho por muitas pessoas."
"À primeira vista, aquilo é atraente, as festas são ótimas e as celebridades que você acaba conhecendo também são maravilhosas; você consegue viver essa vida de fantasia, mas, como temos visto, existem muitos, muitos artistas que conhecemos, cuja música conhecemos, que têm dificuldades e ficam presos naquela mesma máquina."
"Trabalhei com artistas que mantêm um cronograma com cerca de 150 a 200 datas de apresentação por ano", ele conta. "Isso significa ficar em trânsito, em ônibus e aviões, praticamente todos os dias do ano."
"Eles não têm ambiente doméstico estável, eles estão em constante mudança, em fusos horários completamente diferentes e precisam se apresentar. Depois, eles precisam dormir no avião para descansar para o próximo show."
"Esses adolescentes começam a depender de pílulas para dormir e estimulantes para ficarem acordados durante os shows, criando um ciclo incrivelmente prejudicial de hábitos inadequados, mas necessários", descreve Jaffe.
O cérebro humano se desenvolve continuamente ao longo da infância e da adolescência. Isso significa que crianças e adolescentes são mais vulneráveis às pressões extremas e à opressora carga de trabalho da vida dos astros do pop.
Para Jaffe, "as crianças não têm sua resiliência suficientemente formada para conseguir suportar [a imensa carga de trabalho] dia após dia."
"Quando você se apresenta com a frequência exigida desses meninos, você precisa estar disposto a ativar a energia para a apresentação, independente do nível de funcionamento da sua própria saúde mental. Este é o trabalho emocional, a fadiga."
O psicólogo também destaca que eles perdem outras etapas importantes do seu desenvolvimento.
"Existe a importância da conexão social nessas faixas etárias mais jovens e a realidade é que, quando você é forçado para o palco desta forma, você fica incrivelmente isolado e sua vida social é quase que retirada de você."
Payne havia comentado sobre a solidão da vida na estrada, que levou à sua dependência de álcool. Para o podcast The Diary of a CEO, ele declarou:
"Quando estamos na banda, a sensação é que a melhor forma de nos protegermos, quando aquilo fica muito grande, é simplesmente nos trancarmos nos nossos quartos – e, é claro, o que há no quarto? Minibar."
"Por isso, em certo momento, eu pensei, 'bem, vou fazer uma festa para mim mesmo' e isso simplesmente pareceu prosseguir por muitos anos da minha vida", contou ele.
"Falei com alguém sobre isso e, durante o desenvolvimento humano, na adolescência, o que você precisa é de liberdade para fazer escolhas e liberdade para fazer as coisas", prossegue Payne.
"Embora parecesse, olhando do exterior, que podíamos fazer tudo o que quiséssemos, nós estávamos sempre trancados em um quarto à noite e, depois, vinha o carro, quarto de hotel, palco, música e ficávamos [novamente] trancados."
O prejuízo mental do trabalho no mundo da música é um problema generalizado entre os artistas jovens.
Segundo um estudo de 2019, 80% dos músicos com 18 a 25 anos de idade questionados afirmaram que enfrentavam problemas de saúde mental. Ansiedade e depressão eram as questões mais comuns.
Outras complicações podem surgir entre os astros comercialmente bem sucedidos. Alguns deles podem sofrer crises públicas, devido à sua dependência de mecanismos não saudáveis de enfrentamento, como álcool e drogas. Eles podem chegar às manchetes da imprensa e às discussões nas redes sociais.
Jaffe acrescenta que "os jovens precisam ter a chance de tropeçar, cair e aprender, sem que estejam na arena pública".
Impedir os menores de 18 anos de entrar no setor musical certamente é uma medida preventiva. Mas a ideia de Chambers, de manter os adolescentes fora do mundo pop, realmente funcionaria na prática?
O ex-gerente de música pop Chris Herbert, criador das Spice Girls, tem suas dúvidas a respeito.
"Honestamente, não consigo ver como colocar em prática um limite mínimo de idade para o trabalho na indústria do entretenimento", declarou ele à BBC.
"Existe um histórico muito longo de oferecer estrelas de sucesso de todas as idades e sempre haverá um mercado jovem, ávido por artistas com quem as pessoas possam se identificar."
Herbert, hoje, dirige a empresa de música Audoo, que garante remuneração justa aos criadores pelas apresentações públicas das suas músicas. Ele chama a atenção para a mudança na forma de operação do setor.
Para ele, "em vez de nos concentrarmos para proibir, a resposta deveria ser a criação da educação correta e de apoio para os artistas jovens, transformando a indústria em um lugar mais transparente."
"Os jovens artistas e seus responsáveis precisam ser totalmente informados e conscientes dos riscos decorrentes da fama, bem como das recompensas, e a indústria precisa oferecer algum tipo de apoio estrutural adequado em torno dos artistas, como acompanhantes treinados, psicólogos, horários de trabalho aceitáveis, intervalos para refeições e tempo de descanso regular."
No Reino Unido, as crianças de até 16 anos que frequentam a escola são protegidas pelas leis de Licenciamento de Apresentações Infantis.
A legislação estabelece que as crianças que se apresentam em público ou na TV devem solicitar uma licença de apresentação à sua autoridade local, para garantir sua "saúde, bem-estar e tratamento cordial" na indústria do entretenimento.
Mas esta proteção termina quando as crianças de 16 anos atingem a idade de deixar a escola. Ou seja, os menores com 16 e 17 anos de idade não são cobertos por estas regras de bem-estar e podem facilmente cair pelas falhas da legislação, especialmente se a equipe à sua volta trabalhar com uma agenda diferente – com o lucro como prioridade, em detrimento do bem-estar do artista.
O presidente da Rede Nacional de Crianças no Emprego e Entretenimento do Reino Unido, Ed Magee, declarou à BBC que "esses jovens de 16 anos que terminaram a escola obrigatória e os jovens de 17 anos não são cobertos pela legislação.
Por isso, a responsabilidade de cuidar deles recairia sobre a companhia produtora, seu agente e seus pais. Afinal, eles ainda são menores e precisariam do consentimento dos pais."
"Estamos atualmente procurando criar um guia para os pais sobre alguns dos pontos que precisam ser analisados quando seus filhos vão para a indústria do entretenimento, [incluindo] a proteção, viagens para o exterior e quem está cuidando do bem-estar dos seus filhos."
Nos Estados Unidos, existem leis diferentes para atores infantis em cada Estado. Mas, na Califórnia, a legislação é bastante abrangente.
Um jovem de 16 anos, por exemplo, pode trabalhar no Estado, no máximo, seis horas em dias de aula, com pelo menos uma hora de "descanso e recreação" por dia. Mas Jaffe indica que não existe legislação equivalente para os adolescentes no setor musical.
"Deveríamos estar procurando criar um ambiente mais responsável para os menores que são incapazes de fazer suas próprias escolhas", explica ele. "Mas também acho que precisamos trabalhar com esses jovens e permitir que eles definam seus próprios limites."
"Se eles começarem suas carreiras muito cedo, podem sentir que não detêm o controle, mas nós podemos ajudá-los a assumir esse controle e cuidar mais plenamente do seu próprio bem-estar."
Jaffe sugere que estas medidas também devem se estender para o cuidado posterior, ajudando na transição de volta à "vida real", depois do surto efêmero de fama.
A cantora que se tornou atriz Lily Allen assinou seu primeiro contrato com uma gravadora no Reino Unido aos 17 anos de idade.
Posteriormente, ela documentou os traumas que enfrentou por ser uma jovem cantora nos anos 2000 nas suas memórias de 2018, My Thoughts Exactly ("Exatamente meus pensamentos", em tradução livre).
Mas, em um episódio recente do seu podcast Miss Me?, apresentado pela BBC, ela discutiu com sua colega de estúdio, Miquita Oliver, a questão dos jovens vulneráveis que trabalham no mundo da música.
"Isso certamente levanta questões sobre o apoio aos artistas jovens", comentou ela. "Quem se beneficia deles? É questão de lucro e margens de lucro e não acho que essas pessoas necessariamente se preocupem com o bem-estar das pessoas envolvidas, que realizam todo o trabalho."
Allen prossegue: "Pela minha própria experiência, as pessoas que ganham mais dinheiro com a música são os divulgadores e as grandes gravadoras. [Depois vêm as] pessoas que saem e fazem o trabalho, em termos de promoção, apresentação e produção do trabalho, e essas grandes empresas ganham todo o dinheiro."
"Mas elas não são empregadoras dos artistas. Os artistas são freelancers, entidades independentes licenciadas por essas gravadoras, divulgadores e outros mais. Por isso, eles não têm a obrigação de cuidar de todos, porque eles são profissionais independentes."
"Não existe acesso ao RH", destaca ela. "Se você trabalhar para uma gravadora e alguém assediar você sexualmente, ou alguém oferecer drogas e deixar você desconfortável, você está protegido porque é funcionário da gravadora. Mas o artista não está, porque ele é um profissional independente, licenciado pela gravadora."
Allen apresenta uma sugestão para corrigir o problema:
"Talvez a solução seja reestruturar completamente como isso funciona, para que os artistas passem a ser empregados e, com isso, as gravadoras tenham maior obrigação de cuidar deles."
Chris Herbert também acredita que a honestidade sobre o trabalho no setor ajudaria a alavancar as ações.
"Além de estabelecer esses sistemas de apoio externo, também precisamos nos concentrar em educar os jovens artistas sobre a gestão financeira e criar mais transparência em torno dessas discussões, garantindo que eles detenham as ferramentas necessárias para efetivamente se defenderem."
Jaffe apoiaria uma eventual iniciativa que evitasse que os jovens fossem expostos ao público. Mas ele destaca a natureza nociva da fama em 2024, que é insustentável até para quem tem mais de 18 anos.
"Acho que ser exposto a este nível de visibilidade pública, ser colocado no olhar do público, com as redes sociais e o ciclo de notícias de 24 horas e mais exposição e acesso do que nunca antes, é prejudicial, quase independentemente da idade", segundo ele.
A ideia de Chambers pode ou não ser viável na prática. De qualquer forma, muitos acreditam que a indústria do entretenimento poderia tomar novas medidas para ajudar a evitar tragédias futuras.
"A indústria da música está repleta de mortes", relembra Herbert.
"Perdemos tragicamente estrelas reconhecidas devido às pressões da fama e da fortuna. Sempre que isso acontece, todos nós dedicamos um sério momento de reflexão, reconhecendo a necessidade de mudanças. Mas, mais cedo ou mais tarde, aparentemente nós voltamos ao ponto onde tudo estava antes."
"Acho que estamos identificando melhor e falando melhor sobre as questões de saúde mental", segundo ele.
"Às vezes, fornecemos algum apoio, mas não estamos avançando o suficiente."
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
Fonte: correiobraziliense
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