22 de Novembro de 2024

Os jovens franceses de origem africana que escolhem se mudar para a África


Menka Gomis nasceu na França, mas decidiu que seu futuro será no Senegal, onde seus pais nasceram.

O parisiense de 39 anos faz parte de um número cada vez maior de franceses de origem africana que estão deixando o país, culpando o aumento do racismo, da discriminação e do nacionalismo.

O programa Africa Eye, da BBC, investigou este fenômeno — que está sendo chamado de "êxodo silencioso" — para descobrir por que pessoas como Gomis estão desiludidas com a vida na França.

O parisiense abriu uma pequena agência de viagens que oferece pacotes, principalmente para a África, voltados para aqueles que querem se reconectar com suas raízes ancestrais, e agora tem um escritório no Senegal.

"Eu nasci na França. Cresci na França, e nós conhecemos certas realidades. Tem havido muito racismo. Eu tinha seis anos, e me chamavam de nigger [termo discriminatório para se referir a pessoas negras] na escola. Todos os dias", conta Gomis, que estudou em uma escola na cidade portuária de Marselha, no sul do país, à BBC.

"Eu posso ser francês, mas também venho de outro lugar."

A mãe de Gomis se mudou para a França quando ele era bebê e não consegue entender a decisão do filho de deixar parentes e amigos para ir morar no Senegal.

"Não estou partindo apenas por causa deste sonho africano", ele explica, acrescentando que sente uma mistura de responsabilidade em relação à terra natal de seus pais e também animação com as oportunidade que espera encontrar no Senegal.

"A África é como as Américas na época da... febre do ouro. Acho que é o continente do futuro. É onde há tudo o que resta para construir, tudo o que resta para desenvolver."

Os vínculos entre a França e o Senegal — um país majoritariamente muçulmano e ex-colônia francesa, que já foi um polo importante no comércio transatlântico de pessoas escravizadas — são de longa data e complexos.

Uma investigação recente do programa Africa Eye, da BBC, identificou migrantes do Senegal dispostos a arriscar suas vidas em travessias marítimas perigosas para chegar à Europa.

Muitos deles acabam na França, onde, de acordo com o Gabinete Francês para a Proteção de Refugiados e Apátridas (OFPRA, na sigla em francês), houve um número recorde de solicitações de asilo no ano passado.

Cerca de 142.500 pessoas pediram asilo, e cerca de um terço de todas as solicitações foram aceitas.

Não está claro quantos estão optando por fazer a viagem inversa para a África, uma vez que a lei francesa proíbe a coleta de dados sobre raça, religião e etnia.

Mas pesquisas sugerem que cidadãos franceses altamente qualificados de origem muçulmana, geralmente filhos de imigrantes, estão emigrando.

As pessoas com quem conversamos nos disseram que a postura em relação à imigração estava se tornando mais rígida na França, com os partidos de direita exercendo mais influência.

O recém-empossado primeiro-ministro da França, Michel Barnier, e o ministro do Interior, Bruno Retailleau, prometeram reprimir a imigração, tanto legal quanto ilegal, pedindo mudanças na legislação a nível nacional e europeu.

Fanta Guirassy, de 34 anos, viveu a vida toda na França e administra seu próprio consultório de enfermagem em Villemomble, um subúrbio de Paris.

Ela também está planejando se mudar para o Senegal, terra natal da sua mãe.

"Infelizmente, já faz alguns anos que na França nos sentimos cada vez menos seguros. É uma pena dizer isso, mas essa é a realidade", diz ela à BBC.

"Ser mãe solteira e ter um filho adolescente de 15 anos significa que você sempre está com um frio na barriga. Você está sempre com medo."

Recentemente, seu filho foi parado e revistado pela polícia enquanto conversava com os amigos na rua.

"Como mãe, é bastante traumático. Você vê o que acontece na televisão, e vê o que acontece com os outros."

Em junho do ano passado, a França foi palco de distúrbios após a morte de Nahel Merzouk, de 17 anos, um cidadão francês de ascendência argelina que foi baleado pela polícia.

O caso ainda está sendo investigado, mas os protestos abalaram a nação — e refletiram uma corrente de indignação que vinha crescendo há anos em relação à forma como as minorias étnicas são tratadas na França.

Uma pesquisa recente com a população negra da França revelou que 91% dos entrevistados haviam sido vítimas de discriminação racial.

Após os distúrbios pela morte de Nahel Merzouk, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) pediu à França que abordasse "as questões de discriminação racial dentro de suas polícias".

O Ministério das Relações Exteriores francês rejeitou as críticas, dizendo: "Qualquer acusação de racismo ou discriminação sistêmica pela polícia na França é totalmente infundada. A França e sua polícia lutam resolutamente contra o racismo e todas as formas de discriminação".

No entanto, de acordo com as estatísticas do Ministério do Interior, os crimes relacionados ao racismo aumentaram em um terço no ano passado, com mais de 15 mil incidentes registrados com base em raça, religião ou etnia.

Para a professora Audrey Monzemba, que é descendente de congoleses, essas mudanças sociais "geram muita ansiedade".

Em uma manhã bem cedo, nós a acompanhamos em seu trajeto para o trabalho, passando por uma comunidade multicultural e de classe trabalhadora nos arredores de Paris.

Acompanhada da filha pequena, ela se desloca de ônibus e trem. Ao se aproximar da escola onde trabalha, ela tira discretamente o lenço da cabeça sob o capuz do casaco.

Na França, um Estado laico, o uso do hijab (véu islâmico) se tornou extremamente controverso — e, há 20 anos, ele foi proibido em todas as escolas públicas.

Esse é um dos motivos pelos quais Monzemba quer deixar a França e se mudar para o Senegal, onde tem contatos.

"Não estou dizendo que a França não é para mim. Só estou dizendo que o que eu quero é poder prosperar em um ambiente que respeite minha fé e meus valores. Quero ir trabalhar sem ter que tirar meu véu", diz a mulher de 35 anos.

Uma pesquisa recente com mais de 1.000 muçulmanos franceses que deixaram a França para se estabelecer no exterior sugere que esta é uma tendência crescente.

Isso acontece depois de um pico de islamofobia na sequência dos ataques de 2015, quando homens muçulmanos armados mataram 130 pessoas em vários locais de Paris.

O pânico moral em torno do secularismo e a discriminação no mercado de trabalho estão "no centro dessa fuga silenciosa", diz à BBC Olivier Esteves, um dos autores do relatório "França, você ama, mas a deixa".

"Em última instância, essa emigração da França constitui uma verdadeira fuga de cérebros, pois são principalmente os muçulmanos franceses com alto grau de instrução que decidem ir embora", ele observa.

Fatoumata Sylla, de 34 anos, é um exemplo disso. Seus pais são do Senegal.

"Quando meu pai deixou a África para vir para cá, ele estava em busca de uma qualidade de vida melhor para sua família. Ele sempre nos dizia: 'Não se esqueçam de onde vocês vieram'."

A desenvolvedora de softwares de turismo, que vai se mudar para o Senegal no mês que vem, afirma que ao abrir um negócio na África Ocidental, está mostrando que não esqueceu sua herança— embora seu irmão Abdoul, que assim como ela nasceu em Paris, não esteja convencido.

"Estou preocupado com ela. Espero que ela se saia bem, mas não sinto necessidade de me reconectar com nada", diz ele à BBC.

"Minha cultura e minha família estão aqui. A África é o continente dos nossos ancestrais. Mas não é realmente nosso, porque não estávamos ali."

"Não acho que você vai encontrar alguma cultura ancestral, ou uma Wakanda imaginária", ele acrescenta, referindo-se à sociedade tecnologicamente avançada apresentada nos filmes e histórias em quadrinhos do super-herói Pantera Negra.

Em Dacar, encontramos Salamata Konte, que fundou a agência de viagem com Menka Gomis. Queríamos descobrir o que está à espera de africanos franceses como ela, que estão optando por se estabelecer no Senegal.

Konte, de 35 anos, trocou um emprego de bancária bem remunerado em Paris pela capital senegalesa.

“Quando cheguei ao Senegal há três anos, fiquei chocada ao ouvir eles me chamarem de 'francesita'", ela conta.

"Eu disse a mim mesma: 'Tudo bem, sim, de fato, nasci na França, mas sou senegalesa como vocês'. Então, no início, temos essa sensação de dizer a nós mesmos: 'Fui rejeitada na França, e agora venho para cá e também me rejeitam'."

Mas o conselho dela é: "Você tem que chegar aqui com humildade, e foi isso que eu fiz”.

Quanto à sua experiência como empreendedora, ela diz que tem sido "muito difícil".

"Costumo dizer às pessoas que os homens senegaleses são misóginos. Eles não gostam de ouvir isso, mas acho que é verdade."

"Eles têm dificuldade em aceitar que uma mulher possa ser CEO [diretora executiva] de uma empresa, que uma mulher possa, às vezes, dar 'ordens' a certas pessoas. Que eu, como mulher, possa dizer a um motorista que se atrasou: 'Não, não é normal que você se atrase'."

"Acho que temos que provar nosso valor um pouco mais."

Mas Gomis está animado enquanto aguarda sua cidadania senegalesa.

A agência de viagem está indo bem, e ele diz que já está trabalhando em seu próximo empreendimento: um aplicativo de relacionamentos para o Senegal.

Fonte: correiobraziliense

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